CONSOLAÇÃO.

CONSOLAÇÃO.

Que densas ramarias cobrem este sítio!
Imenso campo só de capelas e cruzes.
Num exílio de metafísicas paragens,
As árvores erguem os braços súplices,
Mas os deuses da luz partiram,
Moram no futuro, e o Tempo, voraz,
Não retrocederá nunca, jamais.
O salgueiro descrente mira o chão
Num gesto de natural resignação.
Cores beatas ungem as flores
Austeras com seus noturnos véus
De paixão, de quaresma, de luto.
Tudo é silêncio e reza nessa noite,
Nessa longa noite da sua viagem,
Quando tudo deve ser doce aceitação,
Espelho e reverberação piedosa
Da sua história e do seu exemplo:
“A gente se acostuma com tudo nessa vida.”

Num outro dia, as ramarias eram dossel
Que ao descanso nos chamava e acolhia
– e a sua presença era conforto e beleza.
As árvores eram igrejas de altas torres,
Sagradas, levando nossos olhos ao céu
De todos os tempos – eterna promessa
Que sua devoção generosa confirmava.
Os ventos tomavam as mãos do salgueiro
Para ambos seguirem rumo aos abraços,
Mas era o seu caminhar até mim
O mais reconfortante de todos os passos,
Que eu olhava farto de gratidão.
Havia rosas no jardim do seu quarto
E lírios nos seus humildes canteiros,
Mas toda flor se vestia de festa
À vista do seu sorriso! Éramos felizes
No aconchego da sua doce presença.

“A gente se acostuma com tudo nessa vida”,
Eu repito para mim mesmo querendo acreditar.
Naquela noite, versado em tantas dores suas,
Tantas saudades suas do porto feliz que conheceu
(Todos que a amaram e a quem amou demais),
Enamorado mais uma vez do seu perfil,
Eu segredei ao seu ouvido como em oração:
“Hoje eu gostaria que a senhora dormisse
Nos braços do Senhor, em perfeita paz e amor,
Como eu, menino, dormi feliz no colo seu,
Que era meu, o melhor que Deus me deu.”

A gente, a gente se acostuma,
Se acostuma com tudo,
com tudo nessa vida...

(E. Rofatto)

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E. Rofatto

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Comentários

  • A gente se acostuma com tudo na vida. O luto termina, mas a saudade permanece, às vezes, como consolo. Belíssimos versos! Bjs

    • Grato, Marso! Saudade é sempre um bom sentimento, ainda que nos aperte um pouco o peito, porque é a certificação de uma felicidade vivida. Sim, Marso, saudade é mesmo um consolo, é nos fazermos senhores do tempo e recuperarmos experiências passadas com tal vivacidade no coração que as vivemos de novo. Intensamente. 

  • Consolado fiquei eu caro poeta amigo ao ler seu texto

    Gera um misto de emoções que nem sei descrever em palavras.

    Fico lendo, lendo, lentamente, consumindo tudo devagarinho, plenamente...

    Abraço

    FC

    • Grato, Fred! Também me reconforta a sua leitura que nos aproxima em emoções tão comuns e tão verdadeiras ao expressarmos a saudade por quem partiu. Muitas vezes, foram seus textos que também preencheram e verbalizaram os cantos do meu sentir.

  • O titulo do poema é Consolação, termo que sugere algo que conforta a alma, algo que acolhe e lhe abranda o sofrimento, ou alguma situação de descontentamento que cause ansiedade demasiada fazendo com que a alma, se entristeça demasiadamente, então é preciso o socorro vir em nosso auxílio para nos confortar. Eu vi a imagem da madre senhora, cheia de candura e de sabedoria concedida pelos anos de experiência reconfortar ao filho com a frase que sugere que no final das contas, acabamos por nos acostumar com situações que nos causam descontentamento, mas sem, de fato, nos acostumar, ou seja, acabamos por encontrar uma trégua para o que tanto nos incomoda.
    Poema escrito em versos livres mas no estilo clássico, carregado de lirismo. Meus sinceros aplausos.

    Poema Destacado!

    • Grato, Edith! Seu comentário foi motivo de uma emoção muito bonita em mim.Suas palavras se apropriaram de uma realidade que vivi ao lado dela que, "cheia de candura e de sabedoria concedida pelos anos de experiência", tentava me reconfortar com a frase que se torna pilastra, quando tudo parece ruir, para me dar o suporte necessário para me erigir em força e dignidade. Seu comentário, também uma consolação. Meu muito obrigado.

  • Amigo Edvaldo, sempre presente nos meus textos, um fiel leitor. Deslumbrante o seu texto, parabéns, abraços lusitanos. 

    • Grato pela visita e comentário, Cristina! A minha fidelidade de leitor dos seus textos é uma garantia de satisfação: seus versos concentram uma sensibilidade com estilo peculiar!

  • Encantei-me com o que vi por aqui. Um acervo literário do mais alto nível, que impressionam pelos ingredientes inspirativos, condizentes com os registros literários.

    • Grato, Sam! Sua visita, sempre uma demonstração da sua amizade; seu comentário, sempre um estímulo para novos escritos.

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