Estou sentada na varanda... O dia desperta para um novo dia.

Ouço passos apressados andando de um lado para o outro... É sempre assim...

A noite foi longa, parecia até que o sol não surgiria jamais!

Passar a madrugada ouvindo apenas o tic-tac do relógio e o barulho insistente dos meus pensamentos é irritante... Sufocante... Mas, chega um tempo em que somos Obrigadas a nos acostumar com isto... Engraçado como o ser humano se acostuma com tudo, até com o que não presta... Até com o que lhe faz mal! Será isto comodismo, apatia? Não sei...

Se for, indubitavelmente sofro deste mal.

Olho mais uma vez para o relógio. São 6h45min... Sinto cheiro de café... Em breve a porta se abrirá e alguém entrará com uma bandeja. É sempre assim.

Passo a mão pelo meu rosto e respiro fundo. Estou cansada.

Sinto na palma das mãos a flacidez de minha pele. É, estou velha!

Penso que não me resta muito tempo.

Tempo...

Engraçado como o tempo passa e a gente nem vê!

Penso na felicidade... Em como passei tanto tempo esperando por ela... Pergunto-me se algum dia realmente a encontrei... Será?

Fecho os olhos... Apoio minhas mãos na bengala que me serve de apoio e repouso minha cabeça... Busco em minha mente algum momento em que posso dizer que tenha encontrado a felicidade... Dou-me conta de que passei minha vida esperando por ela... Doei-me aos outros, sorri algumas vezes, mas, não sei se posso dizer que alguma vez tenha encontrado esta tal de felicidade.

Novamente respiro fundo... Desta vez com dificuldades...

Levanto devagar minha cabeça e olho a paisagem a minha frente... A mesma que vejo a tanto tempo... Tempo que passei aqui, esperando a felicidade chegar... Mas a única coisa que chega de tempos em tempos é a moça de branco que mal fala comigo... Cada dia um rosto... Eu? Sou apenas mais um nome... Mais um diagnóstico... Apenas um protocolo de atendimento a ser cumprido.

Onde está a tão esperada felicidade?

Sinto uma mão tocar suavemente o meu ombro... Olho para a mão... Tem a pele enrugada como as minhas mãos... Levanto devagar os meus olhos, mas, não consigo visualizar o rosto... A luz está muito forte!

Pisco os olhos repetidas vezes e olho novamente... Minha visão também não está muito boa... Mas, eu conheço este sorriso! A muito tempo não o vejo... Mas, eu conheço este sorriso!

Meu Deus! Como pode?

Ela continua sorrindo e me fala com sua voz suave: "tudo bem, Vitória, vai ficar tudo bem”.

Eu simplesmente falo baixinho: "Não entendo... como pode isto acontecer”?

Ela não disse nada, apenas me olhou e sorriu, mas, senti uma sensação gostosa de paz surgir do meu peito e percorrer o meu corpo... Algo que há muito, muito tempo não sentia mais...

Olhei novamente para o rosto que estava ao meu lado... Tentava compreender o que estava acontecendo... De repente, era como se eu trocasse de lugar e era minha mão quem tocava o ombro daquela mulher idosa sentada na sacada daquele asilo... Eu confortava e eu era confortada!

Era como se houvesse duas de mim! Sentindo as mesmas sensações distintas...

Ouço um barulho na porta e me viro, era a moça do café.

Escuto a bengala cair ao chão e me viro rapidamente, vejo meu corpo pendido no chão, à moça do café grita e rapidamente alguns homens de branco entram apressados no quarto... Eles não me veem de pé ali do lado... Vão direto para o corpo que jaz sem vida no chão...

É o meu corpo.

O médico se levanta e fala: "Ligue para a família. Não há mais nada a ser feito!"

Olho para aquele corpo... Olho para mim... Para o meu novo eu... Sinto-me leve... Existe uma sensação nova de paz em meu peito... Sorrio.

Será esta a tão esperada felicidade?

 

 

Elaine Márcia, Porto Velho, 19/10/2016.

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Elaíne Marcia

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Comentários

  • Cursar seus textos é navegar num oceano onde flutua a sua grande inspiração e sensibilidade.

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    • 3665017?profile=original

      Para você em agradecimento ao seu carinho!

  • Apesar do desfecho duro, tua crônica é da vida real, do cotidiano. Lindíssima.

    Parabéns e Destacada.

  • 3664911?profile=original

  • Meu Deus! Lindo demais! Bjs.

  • Parabéns, poetisa, poema lindo, reflexivo, espírita, que os Mentores nos propiciem uma passagem tão sutil e leve como descreveste... Abraços, paz e Luz!!!

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