Natal é isto?

Muito cuidado com aquele amontoado de gente suada de tanto correr para procurar um presente, o mais barato possível, com aparência de caríssimo, para gritar o nome do amigo oculto no meio de inimigos declarados! Muito cuidado!

Muito cuidado com essa neurose de casa enfeitada, cheia de estrelas e penduricalhos, tudo piscando, tudo com brilho, para receber pessoas abandonadas e carentes, que vieram se abrigar no “refúgio” anual dos parentes para amenizar as dores da saudade, da ingratidão. Muito cuidado!

Muito cuidado com o jantar cuspido e dos pratos trazidos de cada convidado. Coma somente o necessário para fingir que jantou, porque o contágio dos molhos e dos musses podem lhe fazer muito mal nessa altura do dia! Muito cuidado.

Muito cuidado com aqueles parentes para os quais você não pode contar as vitórias retumbantes do ano velho: reduza o brilho das suas conquistas, bote tudo no diminutivo, não conte a menor “vantagem”, é... a sua luta, o seu stress pra conseguir as coisas, eles acham que você está contando vantagem. Chega também nessa festa reclamando de alguma coisa, nem que seja da sua velhice. Vão adorar a festa!!! Muito cuidado.

Muito cuidado ao falar dos filhos também. Claro, vão perguntar por aquele que lhe dá trabalho, pelo desempregado, pelo folgado, pelo falido, ao invés de elogiar os outros que dispararam na direção do sucesso... Muito cuidado.

Muito cuidado ao chegar de carro, o seu novinho, lindo. Estacione lá longe, e finja que chegou de carroça, de charrete, de ônibus, de van, sei lá; seja criativo. Muito cuidado.

Muito cuidado com você também. Não vá chegar com uma bolsa Vitton, com roupa de marca, com maquiagem importada, não. Lave a cara, chegue de olheiras, seja discreto. Cirurgia plástica? Não conte! Converse sobre a Bolsa de Xangai, sobre o preço do combustível, sobre a pacificação dos morros, sobre a previsão do tempo. Meta o pau no Herodes, aquele político doido que procurava Jesus para matar. Muito cuidado.

Afinal de contas, tem muita gente pensando que é assim que se comemora o Natal. Quando Jesus, o aniversariante, é o Senhor da festa, nada disto acontece. O encontro começa e termina com uma oração. Existe harmonia, boa vontade, carinho, ninguém está preocupado com disputa, concorrência, aparência. Pense nisto, afinal, FELIZ NATAL!

Ivone Boechat

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Comentários

  • Entre risos e calcalhadas li até o fim... Onde a reflexão e analisse- de novo- profundo e humorado, deixa ao leitor pendente do relao sem poder deixar-lo... 

     Genial.

     E ten ração. Será que temos em casa a costumbre de celebrar de forma mais singuela... mas é certo que acontece isso e muito em muitas outras que assisti... rsrsrsr... Demais. 

     Rir para não chorar.

     O ano passado nem sequer tive animos para enfeitar minimamente a Casa, sem meu pâi, sem meu filho menino, sem minha neta... Foram as mais tristes de minha vida, disimulando o pranto dianti de minha mãezinha mui enferma- ainda- e dos irmãos.

     Só estar juntos ainda fosse umas poucas horas, era o melhor presente, compartilhando uma cena sencilla junto ao nascimento, cantando "villancicos" com minha mãe e sobrinos umos minutos... E logo a tentar dormir com o coração nas mãos. 

     O pior Natal de minha vida. 

    Este ano, me conformo com ter minimo a umo de meus filhos e minha mãe. Jantar juntinhos , orar... e dormir após um abarço e um beijo de boas noites.

     Deus quera.

     Belo demais.

     Muito bom.

     É um deleite lir você.

     Sua criatividade e talento para a prosa é realmente incomun.

     Mais que bom.

     Beijos e feliz Natal!

     Talvez me anime e busque no trastero do sotano algumos enfeites de Natal. Minimo o Belén...

    Obrigada por compartilhar de novo, querida e grande Ivone.

     me ten encantada com seus escritos. Os lio  e relio a prazer.

    Vou de novo a compartilhar...

     3587785?profile=RESIZE_1024x1024

     

  • Muito pontual este texto nesta época em que se aproximam as festas de fim de ano, porque já vão começar as retiradas das coisas do baú, lá vem a bondade falando com seu olhar meigo, o amor estendendo as mãos aos necessitados que passaram o ano todo peregrinando nos lixões da sociedade e não foram vistos por estas mesmas pessoas que, agora vão sai com seu veículo abarrotado de presentes rumo às favelas e com um repórter no seu encalço que para noticiar a boa ação. Parabéns pelo maravilhoso texto.

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