"É a hora de vos embriagardes!
Para não serdes escravos martirizados do tempo, embriagai-vos! Embriagai-vos sem cessar! Com vinho, poesia, virtude! Como quiserdes! Para não sentirdes o horrível fardo do tempo, que vos quebra as espáduas, vergando-vos para o chão, é preciso que vos embriagueis sem descanso. E, se algumas vezes, nos degraus de um palácio, na verde relva de um fosso, na desolada solidão do vosso quarto, despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, perguntai ao vento, à onda, à estrela, ao pássaro, ao relógio, a tudo o que foge, a tudo o que geme, a tudo o que rola, a tudo o que canta, a tudo o que fala, perguntai-lhes que horas são; e o vento, e a vaga, e a estrela, e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder: É hora de se embriagar! Para não serdes os martirizados escravos do tempo, embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! De vinho, de poesia ou de virtude, à vossa escolha."
Charles Beaudelaire
Como fico, diante das alternativas sugeridas pelo famoso poeta francês?
O álcool, uso com moderação. Às veze quando nostálgico, na minha solidão, sirvo-me de uma generosa dose de bebida, ouvindo uma música suave e harmoniosa e quedo-me, introspectivo, quase absorto, com os olhos semicerrados num estado de torpor. Nessas horas crio fantasias. Volto no tempo. Exploro o passado. Analiso o presente. Raramente reporto-me ao “que será”. Sei que o futuro, para mim, é apenas uma miragem.
A outra opção do poeta é a razão de seu existir, embriagar-se de poesia. Não costumava, quando jovem, ler poesia. O apreciar deste gênero de expressão literária começou na minha maturidade. Quando era jovem estava muito ocupado com as coisas mais tangíveis da vida. Hoje, tanto adoro poesia, como também sou apreciador de uma prosa lírica, bem elaborada. Frequentemente debruço-me com inusitado prazer, de forma intensa, sobre uma bela poesia. Muito aprecio igualmente uma prosa eivada de lirismo, escrita com muita sensibilidade com pena mágica e luvas de pelica.
Devo revelar que talvez não tenha o engenho que a poesia exige. Há necessidade de muito talento para externar com poucas palavras, de forma concisa, metáforas e expressões liberando o sentimento aprisionado na alma. A poesia quando bem elaborada tem a capacidade de expressar um oceano de sentimentos com extraordinária concisão. Não é tarefa fácil construir ou interpretar poesias. Há que se ser possuidor de extrema sensibilidade. Só alguns poucos ungidos pelos Deuses nasceram com tal capacidade. Não é o meu caso.
A terceira possibilidade sugerida pelo poeta é embriagar-se de virtudes. Isto fica para os ascetas. Sou um ser eivado de pecados e destituído de virtudes. De virtudes e de talento. Talvez minha grande virtude seja reconhecer que sou falto delas. A segunda melhor é a humildade.Sempre procurei cultiva-la.
Lembrei de uma poesia do Fernando Pessoa que cultua o fingimento do poeta. Quem sabe, não consigo fazer boa poesia ou sorver os seus encantos, por não costumar mentir, não cultivar o fingimento. Neste caso, a virtude estaria a se digladiar com a poesia. Enquanto os poetas de verdade costumam mentir, eu, um poeta de mentira, só verdades proclamo.
F.J.TÁVORA
Comentários
Frutos de aforismos sublimes, que permanecerão para sempre arquivados em nossas essências.
Os modismos, as desigualdades, as injustiças, as contradições são tão graves dentro do meio social que acabam por sobrecarregar os indivíduos ao ponto de não aguentarem o peso dos seu próprio fardo.
Parabéns, poeta, poema maravilhoso, a sua interpretação do "texto" de Charles Beaudelaire foi magnífica, genial, fantástica... Aplausos. Abraços, paz e Luz!!!
Uma leitura assim não se comenta só se aplaude! Bjs