Recordando a infância

Essa semana, após ler um texto lá no Recanto das Letras, me veio à memória meus tempos de infância. Das viagens que fiz com meu pai, lá pras bandas do Ceará, terra de onde ele veio. Saiu de lá inda pequeno. Veio pra Recife e aqui fez sua vida. Mas isso não interessa, e não tem nada a ver com o que quero contar.

Fizemos juntos, meu pai, minha mãe e eu, muitas viagens. Da maioria, eu nem lembro. Era ainda muito pequeno. Mas isso, também não importa pra minha história. Tô fugindo muito do assunto. Acho que com vergonha de iniciar. Sei lá. Tem tanta gente porreta por aqui. E eu me metendo nesse meio. É meio assustador. Mas "vamo lá".

Teve uma viagem que fiz, só eu, meu pai e meu irmão, lá pras bandas de lá. Dessa eu lembro bem. Tinha eu acho que uns 10 ou 12 anos. Meu irmão, dois anos mais novo. Eu sou o mais velho de uma prole de  oito. Mas lá vou eu de novo abrindo "parêntes".  Deixa pra lá.

Muito bem. Essa viagem nós fomos de trem. Pois é. Nesse tempo ainda tinha trem. Ônibus era coisa rara. E demorava eu acho que um mês pra chegar "nos canto". Porque nem estrada tinha direito. A gente foi de trem. Era chique. O trem ia pelos trilhos, chac-chac, chac-chac. O dia todinho. Tá pensando que chegava logo é? Pois num era não! Demorava acho que uns 3 dias de Recife até o Ceará. E num era uma viagem só não. A gente ia até Mossoró, eu acho. Chegava lá, dormia pra poder pegar outro trem no outro dia. Aí viajava até o Ceará. Eu num lembro mais em que cidade a gente parava. Acho que era Crato. Mas num tenho mais certeza. Mas isso também num é importante. De lá dessa cidade, a gente pegava um pau-de-arara até Quixeramobim, que era a terra de papai. Sabe o que é pau-de-arara? Num é galho  cheio de arara não. Era um caminhão em que todo mundo ia na carroceria, que era descoberta, se agarrando um no outro e nos bancos  pra num ser jogado longe quando o caminhão dava um catabi. E sabe o que é catabi? É quando o carro passa num buraco e cai e depois sobe, fazendo você voar. Por isso tem que segurar forte nas madeiras dos bancos. Que eu acho que tinha um espaço entre uma e outra, justamente pra que desse pra você botar os dedos entre elas pra se segurar e não voar.

Pois bem, depois dos 3 dias a gente chegou lá na fazenda do meu avô. Lá conheci meus primos. Um deles era chamado Lima, o mesmo nome do meu pai. Era o nome de guerra dele. Não sei por que nome de guerra. Talvez porque quando ele foi pra guerra, ficaram chamando ele assim. O nome dele mesmo era Antonio. Mas ninguém chamava ele de Antonio. Só a irmã dele, que era também minha tia, chamava ele de Toinho. E por causa disso, meus primos, chamavam ele de tio Toinho. Mas em Recife, todo mundo só chamava ele de Lima. E esse meu primo tinha o mesmo nome. Não sei se ele foi também pra guerra. Mas acho que não pois ele só tinha uns 20 anos. Mas enfim. Não sei por que chamavam ele de Lima também.

Um dia a gente saiu pra tomar banho de rio. Foi maravilhoso. Brincamos, mergulhamos, pulamos de cima da barreira. Foi uma diversão só.  E ainda teve, que pra ir até o rio, nós fomos de cavalo. Porque era um pouco longe. Eu me senti o próprio Zorro. Pra quem não viveu nesse tempo, Zorro era um seriado que passava na TV. Era um mascarado que defendia a lei junto com Tonto, um índio que o acompanhava. Ele tinha um cavalo que se chamva Silver. Ele dizia: "Aiô Silver! Avante!" E eu falei isso no caminho. Mas vocês nem imaginam o que foi que aconteceu. O cavalo que eu estava saiu desembestado pelo caminho. Por sorte, não tinha árvore nenhuma. Porque lá é tudo seco. Só tem pedra e capim seco pelo chão. Eu gritava, gritava, e Lima disparado atrás de mim no cavalo dele. Depois levei uma bronca danada. Ele disse que eu não devia ter gritado esse nome pois o cavalo era ensinado a correr quando ouvia isso. Como era que eu ia saber? Falei.

Bom, mas o melhor da história num foi isso. Esse foi só um detalhe. O melhor foi de  tarde, depois que voltamos do banho. Fomos, Lima e eu só, levar o leite até a cidade para vender. Tinha uma ladeira bem grande. Deixamos o leite lá e voltamos pra casa pra almoçar. Muito bem. Depois do almoço, chamei meu irmão pra ir até a cidade pra comprar japonês. Ele perguntou. E tu sabe onde é? Eu falei. Sei sim. Eu fui com Lima mais cedo lá. Abrindo um novo "parêntes". Esse necessário pois, tenho certeza que vocês tão pensando que a gente ia comprar trabalhador japonês pra levar pra fazenda num é não? Mas japonês, era um doce que tinha, que era feito com coco ou com leite, ou com amendoim, ou com outras coisas. Era envolto num papel de embrulho e a gente comia. Era delicioso! Hoje chamam também de puxa-puxa.  E fomos, meu irmão, eu, e um jumento, pois os cavalos estavam cansados da nossa cavalgada pela manhã, e não podiam sair. Fomos na cidade, comemos japonês, e voltamos. No meio da ladeira, descendo, o jumento empacou. Não saia do lugar de jeito nenhum. Eu puxava a corda, batia com o chicote, jogava pedra e nada. Ele não saia do lugar. Eu não podia deixar o jumento lá e ir embora pois estava longe de casa ainda.  Então disse a meu irmão que ficasse lá tomando conta do burro que eu ia chamar Lima pra fazer ele sair do canto. Disse a ele: se ele sair, você num deixe não. segure ele, amarre ele, faça qualquer  coisa. Aí fui "mimbora" correndo. Chamei Lima e fomos nós dois buscar o burro e meu irmão. Mas vocês nem imaginam o que foi que sucedeu. Chegamos lá, tava o canto mais limpo. Meu irmão com cara de tacho chorando, e o burro? Perguntei.  Ele foi embora. Como foi embora? Eu não disse pra você segurar? Ele falou: Passou outro burro por aqui e ele foi atrás. Aí Lima disse: Ah, eu já sei aonde ele tá. E foi até uma casa ali perto onde o burro estava. Era a casa de um amigo dele. Voltamos então os quatro pra casa e eu levei mais outra bronca. Maior ainda, do que a de de manhã. Mas guardo a recordação, como uma das minhas melhores experiências na vida.

Alberto Valença Lima

 

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Comentários

  • Prezado jovem MESTRE poeta/escritor e acredito que muito, muito mais, conterrâneo Alberto Valença Lima! Parabenizo-o de forma altamente efusiva pela concepção e postagem desse interessante causo/conto que muito me agradou e me levou também a doces recordações de minha infância... Também participo do RL e tenho por lá muitos escritos, com um grande número de contos fáticos e não fáticos! Se possível convido-o para que leia um dos meus contos fáticos, que escrevi já há algum tempo e que, no meu gosto reputo como um dos meus melhores, devido a faticidade do caso e do sentimentalismo latente que me absorveu enquanto o escrevia! Lá pelo RL utilizo como codinome HICS, que são as minhas iniciais e adentrando ao site é só colocar como autor HICS e serão mostrados os mais de quinhentos escritos (Entre Poetrixes, Contos/causos, Contos/cotidianos, Quadras, Acrósticos, Prosas Poéticas, Pensamentos, Orações...  Humildes mas que coloquei sentimentalismo e muita emoção... O Conto/causo que citei tem por título Eu ví a Ponte de Itapuí! Eis o link para que possa lê-lo: https://www.recantodasletras.com.br/causos/1834426 ... Antecipo-lhe meus agradecimentos... NAMASTÊ!  

    Eu ví a ponte de ITAPUÍ!
    • Meu caro poeta Hermes, muito grato pelo seu amável comentário e pela honra da sua visita ao meu texto.

      Irei sim lhe fazer uma visita lá no RL e lerei o texto recomendado. 

      Abraços poéticos

  • Parabéns! Belas lembranças Alberto Valença Lima

    • Muito grato por seu comentário minha cara poetisa Tânia. Fico feliz que você tenha passado por aqui e lido meu texto. Volte outras vezes. 

      Abraços poéticos.

  • Gestores

    NOSSOS APLAUSOS Poeta Alberto Valença Lima

    Creio que TUDO o que chamamos de Lembranças, de modo generalizado, quando qual e tal em teu Conto de Infancia e juventude tem o carater de Saudades, carrega em si aprendizagens significativas e positivas.

    PARABÉNS e Obrigado por fazer parte e PARTICIPAR deste Grupo Especial e da nossa Casa de Poetas!!

    CPP - NADC

    Alberto Valença Lima
    Onde o amor e a amizade se encontram em poesia
    • Agradeço pelo comentário mas não entendi a imagem de Feliz Aniversário. Meu aniversário não é em setembro, data em que foi postado o comentário. Mesmo assim, agradeço.

      Abraços poéticos.

  • This reply was deleted.
    • Olá poetisa Margarida, 

      Falei da forma que falei porque levar bronca nunca é bom. Eu não gostei de levar a bronca. O que gostei foi das experiências que provocaram as broncas. 

      Grato por sua atenção e participação na minha página. Abraços poéticos.

  • Excelente poeta

    Fantástico 

    Abraços 

  • Sempre guardamos boasr recordações da infância. Gostei do que li, Alberto!

This reply was deleted.
CPP