Posts de Chico Chagoso (3)

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Munduri - Teoria

Então vamos primeiro a um poema Munduri:

O Triângulo não Morreu

Quem viu não se esqueceu
Daquele bloco infantil
O Triângulo não Morreu

Olha o Periquito aí!

Armando Holanda nos deu
Uma lenda que subiu
O Triângulo não Morreu

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Armando Holanda foi um carnavalesco de Porto Velho que criou e conduziu por muitos anos um bloco infantil carnavalesco chamado "O Triângulo não Morreu", de cuja pessoa tive a honra e o prazer ser amigo.
Periquito era seu apelido popular e por ele era mais conhecido que por seu próprio nome.

Chico Chagoso

Agora vamos à teoria


Munduri

Um estilo de poema
Criador: Chico Chagoso
Data: Dez/2013

O nome:
Munduri, além de ser uma espécie de abelha, era o apelido do meu avô paterno, que considero o patriarca da árvore genealógica que conheço. Na verdade era mais que um apelido, quase um sobrenome, pois todos seus filhos, inclusive meu pai recebia a denominação. Meu avô era conhecido apenas como "João Munduri". Era comum referir-se aos membros da família como "Zé Munduri", meu pai; "Antônio Munduri", etc. Homenageio pois meu avô que era Vaqueiro e tinha lá suas poesias cantadas nas boiadas...

Inicialmente o estilo foi idealizado para ser divulgado apenas entre nós, da família "Munduri". Mas acabei por me empolgar e extrapolar para o Recanto das Letras...

Estrutura:

Título
[Linha em branco]
Terceto
[Linha em branco]
Monóstico
[Linha em branco]
Terceto

Métrica:

Todos os versos com 5 sílabas poéticas (redondilha menor)
ou
Todos os versos com 7 sílabas poéticas (redondilha maior)
(a contagem das sílabas segue a poética portuguesa.)

Rima:
Preferenciada, mas não exigida
Sugestão: abA b abA, abA x abA, abC X abC.
Obrigatorio para sem rima: xxA x xxA

Mote: Único:

Sugestão de desenvolvimento:

Verso I - Introdução
Verso II - Desenvolvimento/Argumentação
Verso III - Conclusão

Verso IV - Contra-senso/ponderação/dedução

Verso V - Introdução da Reflexão/Réplica.
Verso VI - Argumentação da Reflexão/Réplica
Verso VII -Conclusão da Reflexão/Réplica

Pontuação e capitalização: Normal, seguindo a praxe do Português: Ponto Parágrafo, final, exclamação, interrogação, ponto e vírgula, etc, etc... Bem como Letras maiúsculas no início da cada frase.

Particularidades:

Repetição de verso:
O último verso, o VII, deve ser a repetição do III.
Ao ser declamado ou cantado:
O Verso III deve ser mais enfático que os dois anteriores.
O Verso IV deve transparecer susto, surpresa ou descobrimento.
A última estrofe deve ser intensa, mas lenta, com desfecho enfático no último verso, que deverá ser bem mais convincente que seu idêntico III. Inclusive, desde que a grafia seja idêntica, pode haver conotações diferentes entre esses dois versos(III e VII)

Este estilo já está bem definido, mas sugestões que visem melhorias (não mudanças estruturais) serão consideradas. Na condição de leigo, aceito também contribuições científicas.

Exemplos:
"Sobre os abismos" - Chagoso - RL - 23/04/2014

"Ayrton Senna" - Chagoso - RL - 03/05/2014

outros - veja aqui aqueles com a descrição (Munduri), no título.

Chico Chagoso

Saiba mais…

Mr. Fakness

Conto por Chico Chagoso

Na pequena estação de Rio Calmo o grande relógio do saguão marcava três horas e vinte minutos. O sol estava a pino e o relógio, quebrado há muitos anos. E isso era, também há muitos anos, a única anomalia daquela cálida e minúscula vila, às margens da Estrada de Ferro Madeira Mamoré. O apito do trem do meio dia se fez ouvir por toda a redondeza. Não houve alvoroço na estação. Primeiro porque só havia o zelador, que também era o vigia e dona Zefa Princess, Princesa Preta, para os íntimos, que cuidava da lanchonete.  Depois porque aquele trem era o cargueiro da quinta. Ele não parava ali, nunca!

Dona Zefa se preocupava com o preparo de tapiocas, mingaus, bananas fritas e outras comidas típicas para receber o trem das  duas... Assim, tanto o apito quanto o próprio ranger dos vagões já integravam aquela reinante e monótona quietude. Mas de repente a experiência de  trinta e tantos anos de estação fizeram dona Zefa perceber, pelo barulho diferente na composição que se aproximava, que o trem estava diminuindo a marcha. "Mr. Sleeper! O trem vai parar!" gritou para o vigia que fazia sua sesta numa mesa isolada. "Mas ainda não são duas horas...", retrucou, visivelmente confundido, enquanto levado pelo costume dos músculos, consultava o velho relógio quebrado. "Por esse aí oh! Até já passa da hora!" resmungou... indicando com um olhar comprido.

Estava certa dona Zefa: O trem parou. Mas foi uma parada anormal. Trazia um velho ferroviário ardendo em febre. "Daqui a pouco passa a litorina e leva Mr. Fakeness pra Porto Velho. Ninguém sabe o que ele tem.", sentenciou o Chefe da composição, que após acomodar o coitado numa velha poltrona, seguiu viagem.

Mr. Fakeness nem falava de tão debilitado. Tremia muito e estava quase "da cor de abacate", como se costumava dizer. Parecia impaludismo. Havia grande chance de ser a tal doença. Mas podia ser outra e afinal, médico, só em Porto Velho ou em Guajará-Mirim. Nada a fazer senão esperar a tal litorina.

O tempo foi se passando e nada de tal veículo chegar. Foi então que o pessoal da manutenção dos trilhos passou de cegonha e avisou que a litorina estava quebrada a poucos quilômetros dali, sem previsão de reparos. Sugeriram  levá-lo para Guajará-Mirim, no trem de passageiros que passaria logo mais. Essa ideia foi logo descartada. O fuzuê tava tão grande que até esqueceram do objeto principal, na berlinda: Mr. Fakeness, James Fakeness, nosso doente.

—  Mr. Fakeness sumiu —  Gritou dona Zefa —  Mas não foi longe, pois deixou o relógio de algibeira.

Sumiu mesmo! E foi, sim, pra muito longe. Misteriosamente desapareceu! Ninguém sabia o seu paradeiro.  Até a administração da Ferrovia empenhou-se em localizá-lo, três dias depois do ocorrido. Queriam declará-lo como morto, mas para isso o ritual burocrático era necessário e, nesse caso, ninguém queria abraçar a causa. A notícia se espalhou por toda a Ferrovia e não se falava em mais nada de Porto Velho a Guajará-Mirim. Todos lamentavam o sumiço daquele barbadiano de quase sessenta anos que conquistava e prezava boas amizades por onde passava. Um exímio contador de causos e de piadas engraçadas.

Na madrugada do quarto dia, terça-feira, 19 de setembro de 1944, Mr. Fakeness reapareceu na mesma Vila de Rio Calmo, para apanhar o velho relógio de algibeira que ali tinha deixado. Havia pouca gente na estação mas logo chegou o trem que vinha de Guajará-Mirim e toda a tripulação quis saber o que ocorrera. Foi aí que Mr. Fakeness começou a narrativa que se segue:

“Pois bem, gente! Naquele dia, dia 14, desceu da cegonha da manutenção um Karipuna  sisudo e de poucas palavras. Ele me chamou para irmos à tribo dele, onde alguém saberia o que fazer com a minha enfermidade. Daí, seguimos pela floresta, até um ponto distante, na margem do rio Madeira, que ele chama Caiari. Nesse ponto havia uma canoa indígena e nela subimos muitas horas  por um rio muito estreito. No caminho, mastiguei uma raiz que ele me deu e a minha febre aliviou. Chegando lá na aldeia ele me levou direto para a tenda do pajé, que é um americano chamado Carl Lovelace. Esse pajé me disse ser médico e pediu pra eu tomar um remédio chamado Aralen. Recomendou repouso absoluto por três dias. Depois disso eu me recuperei totalmente e o mesmo índio veio me trazer aqui perto.”

De princípio, a história não ofereceu nada de especial a não ser no que dizia respeito ao pajé/médico americano. Sobre os Karipunas, já teriam ouvido falar, embora quase ninguém os tivesse contatado pessoalmente. Além do mais era comum surgirem povos totalmente desconhecidos da civilização naquele remoto período em que, verdadeiramente, se descobria o novíssimo Território Federal do Guaporé.

No dia seguinte Mr. Fakeness foi chamado no gabinete do diretor e repetiu a mesma história, agora com mais detalhes…

—  Mr. Fakeness! - interagiu o diretor - Sabemos da seriedade que lhe é peculiar. Mas sua história está muito esquisita.

—  Doutor, é a pura verdade. Sem aumentar ou diminuir.

—  Pois bem! Deixe eu lhe falar. Carl Lovelace foi um médico que esteve por aqui até 1913, daí voltou para os Estados Unidos. Já deve ter mais de sessenta anos, se já não faleceu... Esse remédio aí que o senhor está dizendo ter tomado, Aralen, consultei três médicos e nenhum deles sabe do que se trata. O tal Doutor lhe explicou alguma coisa sobre ele? O senhor por um acaso tem uma amostra dele?

—  Não deixou trazer, não senhor. Disse que é o remédio do futuro... Mas disse também que era um tal de "cloro-quinino".

—  "Cloroquina"?

—  Isso! O senhor conhece?

— Não! Só de ouvir falar. Ainda está em pesquisa. Bem superior ao quinino simples mas ainda não existe no Brasil. Aliás, ainda não foi liberado em lugar nenhum, nem nos Estados Unidos. A propósito, eu pediria pro senhor que não falasse muito nisso por aí, não. Pelo menos por enquanto. De nossa parte, o assunto está encerrado. Seja bem vindo ao trabalho.

Mr. Fakeness concordou e cumpriu com o trato e assim deixou que a normalidade de tudo voltasse a reinar na tranquila Rio Calmo.  Ou quase! Pois poucos dias depois, quando um jornal local estampou a manchete "Morre no Texas Carl Lovelace", acabou a calmaria de Rio Calmo, assim como a de toda a ferrovia. "O Médico Carl Lovelace morreu no dia 14 deste mês, aos 68 anos e alguns meses de idade, deixando uma linda história de vida...", prosseguia a matéria. Um exemplar do jornal ficou “bolando” pela estação até protagonizar outra situação inusitada…

—  Princesa Preta! - Gritou apavorado Mr. Sleeper.

—  Pelo amor de Deus, Mr. Sleeper! Que aconteceu?

—  Foi na quinta!

— O quê aconteceu na quinta, homem de Deus!

—  A morte do Dr. Lovelace!

—  E daí? Que diferença faz, Mr. Sleeper… O senhor dorme muito, por isso tá se assustando assim, à toa!

— A mesma quinta-feira que Mr. Fakeness desapareceu, mulher…

— Mesmo?... Nossa senhora! Agora me deu medo, Mr. Sleeper!

— Princesa, a senhora não vai acreditar, tem mais uma coincidência…

— Qual?

— O Dr. Lovelace morreu um dia depois no aniversário de criação do Território. Exatamente um ano e um dia da criação. Deve ter morrido feliz, com a emancipação do nosso Guaporé…

Alguns anos depois…

— Aralen! —  Grita Mr. Sleeper, olhando por cima dos óculos e do jornal que lia na velha mesa do canto, como se buscasse com o olhar a presença de dona Zefa Princess.

— Quem é essa? Tá sonhando, Mr. Sleeper? — Resmungou Emile Princess, filha de dona Zefa e nova administradora do “Restaurant”.

— É o novo remédio para impaludismo, que inventaram agora!

—  Sim, mas…  porque o espanto?

— É o mesmo remédio que Mr. Fakeness tomou, quando desapareceu… indicado pelo  espírito do Dr. Lovelace… Se dona Zefa fosse viva entenderia o que estou sentindo…

—  Durma Mr. Sleeper, durma!

Chico Chagoso

26/02/2017

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