Imaculada neve, leve como uma pena,
absoluta alvura, mil cristais todos juntinhos,
cheia de graça cai nesta tarde serena,
reluzente véu que se estende pelos caminhos.
Neve atrevida adiantando o anoitecer,
vai caindo, beijando esta e aquela face, a sorrir,
expõe-se bela para toda a gente ver
igual a dama que sabe seduzir.
Bailarina que desce girando lentamente,
tecedeira de algodão que encanta
o sol que, por vezes, descontraidamente
se deita sobre a imensa colcha branca.
Fernanda R-Mesquita
Hoje o chão que piso queima, arde!
O céu que me cobre pesa, troveja!
Peço à noite que não tarde,
para que a minha tristeza não se veja!
O mundo que enfrento é um labirinto,
onde sou um soldado que a guerra enfrenta.
Se fujo, há algo que me persegue... eu sinto,
se fico, sinto a fragilidade que me sustenta!
Alguma coisa os meus olhos procuram,
algo sem malícia ou fingimento,
mas encontram sentimentos que pouco duram,
ou se ficam, tornam-se um tormento!
Sinto a solidão que me rodeia,
que me acompanha, acorda e adormece.
Por vezes é liberdade, outras a cadeia,
mas raro a vida que eu procuro e não acontece!
Fernanda R-Mesquita
Bom dia do livro!
Deixei-me apaixonada, descansar...
como o rosto pintado numa tela, belo instante;
sobre o teu colo disposta a amar,
escrava dos teus dedos... delirante!
Sou como o pano pronto a colorir, vaporoso...
Que se estende e submete à pintura,
onde tu hábil pintor, virtuoso,
juntas os nossos corpos... aquarela pura!
E depois dos nossos instintos cansados,
descansas os dedos, iguais a pincéis suados...
E eu plácida, no teu peito, descontraída...
Que pintura real! Que plenitude! Que beleza!
Que deixa num quadro a virtude, a certeza
de que o amor é o plasma da vida!
Fernanda R-Mesquita
Guerreia no porto onde se batem as tuas tristezas,
aprende a coragem no rio que nas margens traz
a bravura de um guerreiro que luta por certezas
e que deseja desaguar na foz, onde mora a paz!
Resiste ao desespero de querer desistir,
resiste à guerra das sombras de vida sombria,
foge de onde te roubam a liberdade de sorrir,
liberta-te para a luz que traz a harmonia!
Rasga de ti o medo do mundo e na vida avança,
vive na certeza... quem quer, sempre alcança
mesmo que saibas que o medo, por vezes voltará...
Deixa que te contagie o mundo da alegria
ainda que alguém te diga ser fantasia.
Se compreenderes a vida... o sol não tardará!
Fernanda R-Mesquita
em « O canto da coruja »
Uma coruja vigia,
folhas secas estalam
sob umas botas ainda frias
de um ser madrugador
que num ritual tranquilo
lança um assobio libertador.
O vento devagarinho
lança à árvore o rumor
que pelo caminho
há um camponês madrugador,
que entoa com prazer
assobios felizes ao amanhecer.
O camponês, com a mão,
retira migalhas de pão
do bolso remendado
do sobretudo usado,
e oferece ao passarinho
que se espreguiça no ninho
pipilando com alegria
ao homem que assobia.
Numa janela quadrada
uma nuvem dança encantada
à criança que de ouvido sonolento
escuta o vento
que prolonga com prazer
os felizes assobios do avô ao amanhecer...
Fernanda R-Mesquita
Voz de Irene Coimbra
«Pinga, pinga levezinho,
cai a chuva sem um ai»
-canta feliz o passarinho,
à chuvinha que cai.
E num pingo transparente,
responde a chuva ao passarinho:
- Para um lugar mais quente,
voa, voa e faz o teu ninho!
Cai na árvore, o pinguinho,
quer nela descansar
e refrescá-la devagarinho
para a árvore não secar.
E a flor que até então
vivia com tanto calor,
escuta e sente a canção
que a chuva canta com amor:
-Pingo a pingo, devagarinho,
sem saber quantos pingos são,
vou regando com carinho
a terra seca pelo Verão.
Pingo a pingo, devagarinho...
poema e ilusrações de
Fernanda R-Mesquita
Voz de Irene Coimbra - produtora do programa, revista e antologias Ponto & Vírgula
Para almas saudavelmente infantis
Gotinhas húmidas e transparentes
queimam o meu rosto cansado!
Mas não são lume!
São lágrimas fortes e quentes,
são um grito silenciado
num silencioso queixume.
São um livro fechado
tão quase depois de o abrir,
são o poema inacabado
que a meio quis partir.
E nessa lágrima transparente,
nesse silencioso queixume,
morreu o sorriso inocente
numa gotinha quente
que queima sem ser lume!
Fernanda R-Mesquita
A quase nada é ao que reduzes
o que tenho para te dar,
porque também quase nada,
é como me fazes sentir
quando fico de olhar vago
mas ouvido atento,
escutando os teus grandes méritos
que a quase nada,
reduzem alguma virtude que eu possa ter!
Fernanda R-Mesquita
Uma sábia pomba que o seu voo para
para na tua mão alegremente pousar
como se pousasse numa árvore rara
onde uma rara luz espera o despertar.
Orientada por um perfeito sentido
atraída pelo que ninguém vê, pousa
no ser, que ainda num mundo dividido
desconhece que nela vive... repousa
uma sábia pomba.
Momento banal, há-de alguém achar
mas é o universo a querer mostrar
a luz incansável que ao teu lado caminha.
Ainda que tristezas te toquem o coração
dentro de ti mora a pomba que se aninha
igual à que se aninhou na tua mão;
uma sábia pomba
Fernanda R-Mesquita
Dentro de mim há um gigante,
tão grande
e ninguém o vê!
Por vezes esconde-se,
por vezes cresce, cresce...
Tantas são as vezes que se ergue
e arrebata a angústia, destruindo-a
num gesto tão poderoso quanto ele.
Com a sua mão enorme esmaga
infinitos pesadelos.
Só pode mesmo ser um gigante,
este poderoso poder
de vencer
as poderosas pedras,
as desmedidas barreiras
que surgem das avalanches
traiçoeiras e inesperadas
da vida!
E quando eu penso
que o meu escudo protector
submergiu comigo,
emerge nesta forma de gigante
que ninguém vê,
nem por vezes eu,
mas que nunca deixou de estar
dentro de mim!
Fernanda R-Mesquita
Foto ( KINGSWAY MALL Edmonton Alberta- 2011 )
poema no livro ´´ A barca dos sentidos ``
A boca que outrora o amor apregoava
passou de um aparente belo botão de rosa
a uma agressiva e malquista rosa brava
mostrando-se manipuladora e mentirosa.
Reencarnou a velha e desconfortante teimosia
possuída por um apetite voraz por discutir
maltratando com a boca, outrora doce, agora fria
o amor que ao mundo, apregoava sentir.
Mas e do outro lado, quem existia?
Silencioso, cabisbaixo o que sentia?
Quem se deixava atingir por tanto furor?
Alguém que pensou que amar
é deixar-se atingir, é deixar-se usar
por uma rosa brava que desconhece o amor!
Fernanda R-Mesquita
Chegou a primavera! Quero partilhar o excelente trabalho de Inês Nabais. Imagino o tempo necessário para divulgar o trabalho de autores.
Clique no link para conhecer a revista dela, on-line:
https://issuu.com/edicoeshorus7/docs/hc
(foto: a ilha de Victoria. faz parte do Arquipélago Ártico Canadense e situa-se nos Territórios do Noroeste e de Nunavut. É a nona maior ilha do mundo. Foto tirada em Julho-2016.
Um bom fim de semana para todos!
Poema na revista Horus Cultuliterarte .
O link da Casa dos poetas e da poesia está lá, assim como o coloco em todas as antologias em que participo, ebooks e livros que edito. Bem hajam pela forma como divulgam poesia. Trago-vos no coração ainda que o tempo não sobre para vir aqui tanto quanto eu gostaria. Abraço para todos!
Na revista Ponto & Vírgula- Maio-Junho
Ano 4. edição 27
Uma esbelta jovem de longos e escuros cabelos, que lhe emolduravam o rosto de pele clara e suave. Os olhos ligeiramente maquilhados; lápis e rímel preto. O casaco de malha azul, comprido e sem mangas deixava ver a curta camisa preta, a tocar o cós das calças de ganga azul, revelando a elegante cintura. Um belo rosto aliado a um estilo simples de vestir. No entanto, os movimentos caprichosos do corpo, denunciavam a convicta expressão: ´´ tudo posso, em tudo mando``, quebrando um pouco a beleza do seu próprio retrato. Virgínia entrou no café, acompanhada pelo seu pai. Alberto, de cinquenta e nove anos, bem conservados e com ar de quem usufruía de uma vida estável, pediu um café para ele e um café e um gelado para a filha. Esperou no balcão pelos respectivos pedidos e ele próprio serviu a filha, já sentada numa mesa. Quase de imediato a jovem levantou-se:
- Desculpe, pode colocar mais água no café?- perguntou ela à empregada.
A empregada sorriu e assim fez.
Uns cinco minutos depois dirigiu-se de novo ao balcão:
- Desculpe, não quero ser desagradável, mas pode deitar um pouco de café no meu gelado? Está gelado demais.
A empregada sorriu e assim fez.
- Vamos para uma mesa lá fora- disse a rapariga para o pai, sem se sentar. Voltou-se de novo para a empregada e como quem dá uma ordem e não como quem pede, disse:
- Desculpe, mas precisamos de um chapéu para uma das mesas da esplanada.
- Mas hoje está um pouco de vento. Penso que, lá fora, não está muito agradável.
- Não vê o sol que faz? Que desperdício ficar aqui dentro. Quero apanhar um pouco de sol.
Na esplanada, sentados frente a frente, o pai bebia o café e a filha falava. Apenas falava ela. Nos olhos do orgulhoso pai, viviam as histórias contadas pelo amor paternal. O epílogo de todas essas histórias era sempre o mesmo: a sua princesinha era perfeita. Depois de uns curtos dez minutos, eles entraram de novo no café.
- Desculpe, não quero ser desagradável, mas está um vento insuportável lá fora. Melhor será ir buscar o chapéu. Ah, mas antes que vá, poderia dar-me mais uma bola de gelado? Entretanto, este ficou demasiado liquido.
-Desculpe, terá que pagar mais uma colher de gelado- respondeu a empregada, engolindo o estado de cansaço, provocado pela situação.
- O quê? Que atrevimento! Então dá-me um gelado quase congelado, mas que afinal não deveria estar tão consistente assim, porque rapidamente derreteu, e atreve-se a cobrar-me mais uma colher?
A empregada, preplexa, olhou para o patrão à procura de auxílio. Poderia dar-lhe mais uma colher de gelado ou não? Com um movimento de consentimento, o patrão autorizou que a empregada servisse a cliente, exatamente como ela exigia. ´´O cliente tem sempre razão, mesmo aquele que não quer ser desagradável``, foi a frase silenciosa, trocada através do olhar, entre patrão e empregada. Esta, com um sorriso que parecia o mais natural do mundo, assumindo a culpa, desculpou-se e educadamente garantiu:
- Esta situação desagradável não voltará a acontecer.
- Não faz mal. Eu sou muito compreensiva. Está desculpada- respondeu Virgínia, sem reparar na ironia contida no pedido de desculpas.
Fernanda R. Mesquita
( Casos reais em tempos modernos )
Partilho convosco o meu artigo na revista Ponto & Vírgula, da qual sou colaboradora.
No link seguinte pode assistir ao programa Ponto & Vírgula, sobre Ride the Wind Ranch:http://www.paixaoporribeirao.com.br/programa/ponto-e-virgula/samira-braga-no-programa-ponto-virgula-01-04-2016/
Pode visitar o site do rancho aqui:
Saboreamos o jantar enquanto o sol vai dourando as copas das árvores. Devagarinho vai deixando o céu, meio violeta, meio alaranjado. Sem pressa chega a noite. E a lua é o lampião para que as magníficas silhuetas dos cavalos, lentamente e graciosamente, se misturem nas sombras.
E porque a hora é cansaço;
o passo é pensativo
e a estrada é lenta.
A natureza num sublime saber
dedilha nas cordas do vento
secando o suor e acalmando as veias
do homem e do animal,
que em silêncio
e de passo pensativo
pela estrada lenta
vivem
os detalhes do retorno ao lar
como quem agarra a vida
na hora do descanso...
É o instante fugaz
entre a labuta cumprida
e a que está por cumprir.
Fernanda R. Mesquita
(ilustrado por mim, pintado a acrílico)
Dentro de cada um de nós
há um passarinho pronto a voar.
Temos mil e um, mil e um, mil e um....
Eu ouço asas batendo alegria,
tristeza, desapontamento,
lágrimas, sorrisos, amor!
Que festa! É o hino da liberdade
no paraíso da poesia,
nas asas dos poetas que batem
mil e uma vez, mil e uma vez, mil e uma vez...
Fernanda R. Mesquita
(em tom de brincadeira)