Acordei mais nostálgico que o usual
Recordei minha infância, pedaços dela
Lembrei como lamentava a sorte das galinhas no quintal
Que coisa mais tola, ter pena de galinha, que já tem muita pena
Este sentimento era aumentado em datas especiais
Véspera de natal, carnaval, sete de setembro
Ia ao quintal e via as galinhas indiferentes ao que ocorria no mundo
fora do seu mundo
Pensei: como é ruim ser galinha
Não veste roupa nova, não ganha presente, não vai a festa, não....
Hoje penso diferente
Não é de todo ruim ser galinha ou qualquer outro animal
Há algumas vantagens, até
Não têm sentimento
Assim, estão imunes aos sofrimentos da alma
Não sentem falta de alguém que gostariam próximo
Não ficam triste
Não têm preocupações
Não têm obrigações a não ser aquelas já demarcadas no genoma
Que as orientam na sobrevivência e reprodução
Amanheci com inveja dos bichos
Que não pensam
Que não sentem
Que não sofrem
Não gostaria de ser uma galinha
Talvez um bicho mais garboso
Com certeza do sexo masculino
Já que estou satisfeito com minha sexualidade
Tentei, debalde, imaginar-me um animal insensível
Tentei despojar-me de qualquer sentimento
Do amor ao ódio
Mas eles estão impregnados em mim
Não se livra deles facilmente
Esta é a carga que tenho que carregar
O meu calvário
O preço que pago por minha existência
F.J.TÁVORA
Comentários
Um poema sensível e interessante! São tantas as coisas
que as crianças pensam... lembranças tão valiosas da
infância que nos fazem refletir sobre essa pretensão
de ser bicho! Confesso-lhe que ser bicho nesse mundo
atual seria uma boa alternativa para desviarmos dos
sofrimentos e dores que nos assaltam! Amei, poeta,
seu poema! Bjs.
Os sentimentos ele é viabilizado também pelos pensamentos, as imaginações se completam em realidade, pois cada animal tem seu sentido dentro do universo para com a natureza. Belíssimo poema, mais que encanto
Obrigado, José Carlos, pelo generoso comentário.
Tristes mas belos versos,eu amei!
Bjss
Feliz por você, cara poeta Ciducha, ter apreciado meus versos.
Feliz com seu carinhoso comentário.
O que sacia a alma não é o muito saber, mas sim a sensibilidade de sentir e saborear as coisas internamente - é dessa forma que saboreio as suas obras com bastante sensibilidade. Congratulações.
Obrigado, amigo Sam pela visita.