CINQUENTA CRUZEIROS DE PENTE

 

Era manhã de sábado e Almir, como era costume seu, dirigiu-se ao centro da cidade com o objetivo de adquirir na banca do Neco o bilhete da Loteria do Estado que deveria correr ao final do dia. Acalentava o sonho de oferecer mais conforto a sua família com o prêmio que imaginava ganhar. O apertado salário de servidor público estadual  de nível médio, era suficiente apenas para as necessidades  essenciais da família constituída de oito filhos todos menores com diferenças de idade de um  a dois anos. Uma verdadeira escadinha de oito degraus. A compra religiosa do bilhete da loteria semanalmente era , com exceção do cigarro, seu único vício. Depositava muita esperança em solver seus problemas materiais mais urgentes com o bilhete semanal e a ajuda de seu Deus e seus  Santos onde buscava amparo através da debulha diária de seu terço e de suas  rezas.

No retorno à  casa depois da aquisição de mais um bilhete, lembrou que necessitava comprar um pente, pois havia perdido o seu. Era comum naquele tempo os homens conduzirem no bolso do paletó ou da camisa um pente para manter o cabelo alinhado e bem penteado. O pente como o lenço eram itens sempre presentes, fazendo parte obrigatória da indumentária de jovens ou adultos, independentemente de classe social.

Almir procurou um ambulante dentre vários que faziam ponto nas ruas do centro da cidade. Facilmente localizou um garoto na calçada fronteiriça a tradicional  Farmácia Osvaldo Cruz, com uma pequena caixa repleta de pentes para venda. Era mais um dos inúmeros  jovens menores de idade que buscavam com trabalho honesto um complemento  financeiro para a família.

O jovem  ambulante cobrava um cruzeiro por unidade. Almir pretendia adquirir apenas um pente, porém não dispunha de dinheiro trocado. Com uma cédula de cinquenta cruzeiros na mão indagou se o garoto dispunha de troco para a compra de uma única unidade. O  vendedor pensou um pouco e depois pediu que Almir ficasse segurando a caixa com seus produtos como garantia enquanto ele iria trocar o dinheiro.  Seria rápido, assegurou. Almir concordou e quedou-se próximo ao balcão da farmácia, onde depositou a caixa com os pentes e passou tranquilamente a ler seu jornal,  esperando o retorno do ambulante. Após longa espera Almir, já impaciente e visivelmente preocupado, colocou o   balconista da farmácia a par do ocorrido e indagou  se ele  conhecia o  jovem vendedor de pentes que estava demorando muito a retornar. O balconista falou que  o conhecia apenas de vista pois ele fazia ponto em frente ao estabelecimento farmacêutico.  Depois de matutar por alguns segundos sugeriu que Almir contasse o número de pentes presentes na pequena caixa deixada como garantia. Para surpresa de ambos, verificaram que havia  exatos cinquenta pentes que a um cruzeiro cada totalizariam cinquenta cruzeiros, o valor da cédula que o garoto levara para trocar. O balconista, com um olhar maroto mas sem expressar externamente um riso de mofa na face em respeito ao ingênuo interlocutor,  foi peremptório e solene  ao afirmar: "espero  estar enganado mas penso que o senhor acaba de realizar uma compra de cinquenta pentes".  Sem esperança de voltar a ver tão cedo o pequeno ambulante, Almir sentiu-se ludibriado mas não totalmente roubado, pois tinha em mão  exatos cinquenta pentes.  Fora apenas vítima de uma compra forçada fruto da esperteza do pequeno marreteiro. Não guardou rancor, ao contrário, ao chegar em casa relatou o fato às gargalhadas  elogiando a esperteza do garoto que a continuar nesse diapasão deveria  transformar-se em excelente comerciante ou, quem sabe, em sagaz político. Houve uma farta distribuição de pentes para familiares  e amigos que riam a valer ao tomar conhecimento da inusitada história.

 

F J TÁVORA

 

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