Posts de FRANCISCO JOSÉ TÁVORA (162)

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O OUTRO

  

Sou o outro e sou o mesmo 

Sou o Chico e sou o Zé

Num extremo sou sério, taciturno, reservado

No outro sou  aberto, transparente

esbanjo sinceridade

Mesmo  em tom de brincadeira

revelo sentimentos recônditos

exponho minha alma

Escrevo poesias

Crio fantasias

Situações proibidas

Sou corajoso, destemido

Irresponsável, até

Nem sempre  correspondido

Por vezes perco o juízo

Em raros momentos de sonho

Sou eterno em fantasias

E em meus lindos devaneios

Embora só

Tenho tua companhia

 

F J TÁVORA

 

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O TOMATEIRO

 

Encomendado ao velho horticultor

Tenro chegou com alguma recomendação

Dá-lhe luz, água, e um pouco de atenção

Não mais que isso e ele cumprirá missão


Apesar de toda motivação

Olhar comprido e muita atenção

Foi-lhe negado o brilho da radiação

Colocado que fora na sombra do grande salão


Passado o tempo veio a frustração

Crescimento  apenas de ramo e brotação

Odor agradável a inundar o salão

Mas nada de frutos pra cumprir a missão


Diante da vigília e reclamação

Das ameaças de despejo e expulsão

Se assim teimasse em frutos prover não

Fez um último gesto de submissão


Juntou as forças mais íntimas de seu ser

Acalentou valentes e frágeis flores a crescer

 

Mas


Apenas uma  venceu  a inibição

E um tímido fruto brotou com paixão

Bem parecido com o mentor da desventura

O devotado horticultor ancião

 

F J TÁVORA

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VIAJANTE

 

 

 

Sou em teu corpo viajante

A explorar secretas trilhas

Montanhas, planaltos, planícies

Deslizo inflamado meus lábios

Exploro com avidez os teus picos

Sugo o orvalho de teus vales

Exploro  as campinas do teu regaço

Flutuo no remanso de teus lagos

Mergulho nas águas de teus rios

 

F J TÁVORA

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MENTE INFANTIL

 

Criatura eu vou te dizer

O que eu mais quero fazer

É comer bolo e tapioca

Sorvete de sapoti da fazenda

Pular, dançar e correr

Da manhã ao anoitecer

E depois dormir profundamente

Até o dia amanhecer

 

Adoro o meu colégio

Que me ensina a aprender

Ler estória, poesia

Ciência, esporte e lazer

Depois eu volto pra casa

Antes de brincar faço o dever

Então fico muito cansada

E vou pra cama adormecer

 

Vou revelar uma coisa

Pra você me entender

Adoro minha família

Meus primos e meu irmãozinho

Meu pai que é  especial

Minha mãe que é um amor

Mas há alguém que eu gosto muito

É o poeta meu avô

 

F J TÁVORA

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CICLOS

 

O tempo correu

A vida seguiu

Até que um dia

Fui chamado de vovô

Por um menininho tranquilo

Que me despertou muito amor

 

Depois a vida escorreu

Pelos ralos da existência

As coisas foram mudando

O menininho cresceu

Virou homem

Amadureceu

 

Restou a nostalgia

Da cumplicidade nunca esquecida

De um menininho encantador

Que embora adulto, persista

Como uma eterna criança

No coração do avô

 

F J TÁVORA

 

 

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ARRITMIA

 

Por causa da arritmia

O sangue não carece  de  pressa

Seque sereno tranquilo

Mas as vezes ele tropeça

 

Então o coração reclama

Por vezes para, descansa

Outras desiste e se entrega

É o fim que está chegando

 

Não será um mau negócio

Ir-se assim  de supetão

Pior é negociar com a morte

Um final a prestação

 

Pra quem  na vida  labutou

Não deixa de ser um regalo

Uma oferenda, um mimo  raro

Partir desta sem  dor, sem  trauma

 

F J TÁVORA

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ABANDONO

 

Tristeza invade minha alma

Repleta de  grande dor

Depois que tu me deixaste

Minha vida  amofinou

 

As desventuras da vida

Maltrataram meu coração

Mas dentro dele ainda pulsa

A força de uma paixão

 

Em minha solidão imagino

Se  teu amor acabou

Pois  o meu ainda é mais forte

Mais que quando começou

 

Hoje sou um morto vivo

Um corpo vagando perdido

Pra voltar a ser humano

Careço das pazes contigo

 

Sou um ente tresloucado

Preso nas teias da solidão

Para acalmar minha alma

Rogo tua compreensão

 

Antes do derradeiro suspiro

Tenho  fé que ainda consigo

Espero  mais uma chance

pra viver minha sina contigo

 

F  J TÁVORA

Saiba mais…

OS SEMEADORES DO CAMPO DE MILHO

OS SEMEADORES DO CAMPO  DE MILHO

 

Seu Cosme obtinha parte do sustento da família com a exploração de sua propriedade, denominada "Caranguejo", situada à margem do rio Jaguaribe. Tinha família grande composta de dez filhos, sendo oito mulheres e dois homens. No sertão do Ceará, no início do passado século,  a presença de filho homem era de extrema importância para o auxílio  nas  lides do campo. O desequilíbrio entre os sexos no caso do Seu Cosme  era ainda agravado pelo fato dos cinco primeiros filhos serem do sexo feminino, que contribuíam apenas com as tarefas do lar. Em consequência, seu filho mais velho Almir, o primeiro homem depois das cinco mulheres, cedo foi convocado para auxiliar o pai nas atividades do campo. Com apenas doze anos de idade teve que se submeter ao rigor e disciplina do pai e ajudá-lo nos trabalhos de amanho da terra e cuidados  com os animais domésticos da fazenda.

Seu Cosme era rigoroso e disciplinado em sua rotina de trabalho. Não costumava levar farnel com merenda quando se dirigia ao roçado para mais um duro dia de trabalho. Saía cedo da manhã logo após o raiar do sol e retornava no início da tarde já passada a hora do almoço. Antes da partida era servido por sua esposa um farto  desjejum, constituído de frutos da terra nordestina, a saber: cuscuz, manteiga de garrafa, macaxeira, queijo coalho, coalhada, café e leite. A coalhada e o café eram adoçados com rapadura raspada. Durante a safra do milho, no inverno, havia a pamonha e a canjica. Os produtos feitos de trigo não cabiam em sua mesa pois  eram limitados às famílias de maior posse.

O inverno (quadra chuvosa) havia começado e era época de plantar. O terreno  estava já limpo e preparado para receber as sementes. Seu Cosme havia levado semente  suficiente para o plantio do roçado de milho, cerca de três tarefas ou aproximadamente um hectare. Havia chovido na semana anterior e o solo estava úmido, o que facilitaria a tarefa de abertura das covas para abrigar as sementes. A umidade do solo seria também de extrema importância para a rápida germinação das sementes. A atividade de plantio era dividida entre pai e filho. O pai ia na frente abrindo as covas, enfileiradas, com sua enxada. O menino o seguia depositando nas covas abertas três a quatro sementes, em seguida enterrando-as com o auxílio dos pequenos pés. Laboravam, pai e filho, homem e menino, em perfeita sintonia. Pouco conversavam, tão concentrados estavam cada um em sua tarefa. Era um trabalho tedioso, cansativo, principalmente para a criança que tinha que caminhar encurvada para deixar cair com precisão, no centro da cova, as sementes removidas do bornal que conduzia a tiracolo. Com o passar das horas o cansaço aumentava, a temperatura subia pela inclemência do sol, a fome apertava e se instalava no organismo da criança ainda pouco afeita à dureza do regime de trabalho do pai.

Diante de tamanha provação o pequeno Almir fez de suas fraquezas força, criou coragem e pediu ao pai para voltarem para casa. Externou que estava com muita fome, além de extenuado. O pai replicou que voltariam sim, após terminarem o plantio da semente levada, suficiente para a gleba preparada. Faltava pouco dissera ele, cerca de um quinto da área.

Na fileira seguinte o menino decidiu abreviar seu padecimento. Ao invés de três a quatro, deixou cair dez a quinze sementes. Na seguinte elevou o ritmo para vinte a trinta. Mesmo assim ainda sobrava semente no bornal. Já extenuado decidiu extrapolar o racional e passou a lançar em cada  cova aberta sua pequena mão cheia de sementes de milho. Assim procedendo logo esvaziou o bornal por completo.

Com indisfarçável alegria informou ao pai que a tarefa havia sido completada. A última semente tinha sido sepultada na cova e, pensou, com ela suas desditas. Agora podia retornar para casa, para a água fria do pote da cozinha e para o  almoço, frugal é bem verdade, mas de bom tamanho  para saciar sua fome.

Seu Cosme estranhou o fato de as sementes não terem sido suficientes para o plantio de toda a terra preparada. Era um agricultor experiente, bastante meticuloso e não costumava falhar em suas previsões. Mas, acabou rendendo-se aos fatos. As  sementes tinham acabado. Nada mais havia a fazer no momento. Teriam que voltar ao campo no dia seguinte para terminar o plantio, cerca de um quinto da terra preparada. Assim, no dia seguinte voltaram ao campo e em pouco tempo completaram o trabalho interrompido.  

Após uma semana, ao retornar com o filho ao campo para inspecionar a germinação, ficou visível a traquinagem de seu ajudante. As covas das duas últimas fileiras plantadas revelavam tufos de plantas emergindo do solo a denunciar a travessura do pequeno Almir que ao se ver denunciado, desnudado em sua esperteza, ficou desconsolado, à espera de uma rigorosa punição do pai. Seu Cosme falou: "então é isso seu bandido; e você com aquela história de que a semente tinha acabado e não fora suficiente para  completar o plantio da área preparada".

O problema foi sanado após algum trabalho com o desbaste das plantas excedentes que contou, inclusive, com a prestimosa e diligente ajuda do  filho.   

Desta vez Almir escapou de uma rígida punição tendo sido  apenas repreendido. Certamente seu Cosme reconheceu o rigor de seu regime de trabalho e a fragilidade do filho, apenas uma criança. Apesar de externar aborrecimento com a repreensão, deve ter sorrido intimamente, talvez até envaidecido da adulta  esperteza associada à pueril  ingenuidade revelados pelo filho. Afinal, não passava de uma criança forçosa e prematuramente introduzida no mundo e nas  responsabilidades dos adultos.

F J TÁVORA

Saiba mais…

JOVEM

 

A espontaneidade de teu riso, franco

faz-me também sorrir

Tens corpo esbelto com ondulações harmoniosas

pele sedosa, contornos ousados

externas as  formas esplendorosas da juventude

 

Fico embevecido, deslumbrado com tua  beleza.

Quero fazer aflorar tua feminilidade latente

A ti muito não peço,  apenas retalhos de teu tempo

Faria deles obras primas mais  belas

que as telas renascentistas

 

Contrariaria as leis da natureza

Ao teu lado faria os segundos se eternizarem

Para poder cuidar do jardim do teu regaço

Colonizar os vales de tua sensualidade

Afogar-me no remanso dos lagos de teus amavios

 

  F J TÁVORA

Saiba mais…

NÃO MAIS HÁ

 

 

Não mais há

Inundação e tragédias

Operação da polícia

Perdão a criminosos delatores

Acerto de contas entre gangues

Chacinas 

Fugas em massa de presídios

Incêndio em ônibus

Estupros coletivos

Menores assassinos 

Religiosos pedófilos tarados

Explosão de bancos

Assalto a aposentados

Abuso. de autoridade

Filas em hospitais públicos

 

MAS

 

Foi apenas um sonho

O pesadelo voltou

Depois que o mundo acordou

A vida real continua

O novo ainda não chegou

 

Apesar da assustadora realidade

A paz ainda virá

A lua permanece linda

As estrelas continuam a brilhar

Os pássaros ainda estão a cantar

 

As crianças riem e brincam

Em algazarra sem par

Os poetas fazem versos sem parar

E eu em minha ingênua e doce ilusão

Espero a vida melhorar

E um resplandecente futuro chegar

 

F J TÁVORA

Saiba mais…

PERSONAGEM

 

 

As personagens que crio

Na prosa e na poesia

Eu o faço ao meu talante

Nelas insiro defeitos

E  virtudes que desejo

São minhas as criações

Tudo posso e tudo faço

Isento de qualquer embaraço

As obrigo a  obedecer

Não lhes permito escolher

Elas fazem o meu querer

Não lhes cedo muito espaço

 Mas apesar de mandão

Não deixo de me render

Aos desvãos do coração

 

F J TÁVORA

Saiba mais…

PARCIAL

 

Está sendo parcial

Quem  busca na poesia

Enlevar a sua alma

Fazendo a apologia

Apenas das  alegrias

Esquecendo os  desacertos

E  descaminhos da vida

 

Não custa nada lembrar

que uma boa poesia

pra ser bem elaborada

e muito bem acolhida

deve ter muita alegria

ou  tristeza  desmedida

 

O poeta se motiva

com ardor e euforia

Coragem e muita ousadia

Sentimento e emoção

Pois para um bom versejar

Não cabe acomodação

 

F J TÁVORA

Saiba mais…

ALMAS UNIDAS

 

Estava  eu a procurar-te

nas trilhas de meu destino

Acabei por encontrar-te

nos sonhos de meus desatinos

 

Ao imaginar-me refém das lembranças

Abrigadas  em  sublime pensamento

Viajor de todos os sonhos

De todos os mares e continentes

 

A proclamar em melodioso canto

A presença  de tua distância

A buscar  com impávido destemor

      O caminho de um abrigo acolhedor      

 

 

A sugerir entregas, abandonos

Quem sabe, assim, os deuses permitam

que de nossos  corpos  nos apossemos

Vez que de nossas  almas donos já somos

 

F J TÁVORA

Saiba mais…

QUISERA VIR A SER

 

Lúdico como uma criança

ao combinar bloquinhos coloridos

na edificação de sonhos, palácios e catedrais

 

Sublime como um artista

Ao associar cores e tintas

e criar lindas aquarelas

 

Meticuloso como uma artesã

a tricotar suas linhas coloridas

formando  belos bordados

 

Brilhante como um compositor

usando a  pauta e o pentagrama

Para escrever  lindas canções

 

Talentoso como um escultor

que cinzela  com maestria

figuras com beleza e ousadia

 

Perseverante como um professor

ao dedicar toda uma  vida

na educação da cidadania

 

Sincero como um poeta

Ao fingir mentiras

Nas verdades que revela

 

F  J TÁVORA

Saiba mais…

LAMBUZADO

 

Depois de tanto lambuzado

loucura e muito prazer

o amor que não havia

pode até aparecer

E depois que ele chegar

o esfregado e a loucura

continuam até esgotar

as forças da natureza

de uma jovem  a se entreter

Tendo o corpo como cálice

pra meus fluidos receber

 

F J TÁVORA

 

 

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FINDADO AMOR?

 

Lamento imaginares

que nosso amor terminou

como um fugaz pensamento

que num átimo o tempo levou

 

Quem sabe não está ele

Ausente mas renitente

Náufrago das saudades

em um coração ainda candente

 

Apenas seguiu a sina

Do implacável destino

Que decidiu nos separar

E aumentar meu desatino

 

F J TÁVORA

Saiba mais…

PARADOXO

 

 

 

Privado da visão

Encarcerado em  uma vida sem luz

Ele pode ver mais do mundo

Que um outro com vista perfeita

 

É que apesar da deficiência

Ele vê com os olhos da alma

E viaja através das imagens que cria

 

O outro, embora sem restrições

Pode estar refém da rotina e da monotonia

De uma vida sem perspectiva, vazia

 

O primeiro embora não possa ver

Idealiza as belas imagens que concebe

O outro, embora possa ver

Não percebe as lindas imagens que vê

 

E a vida prossegue

Com mais um de seus paradoxos

Enquanto um enxerga o que não pode ver

O outro é incapaz de enxergar o que vê

 

F J TÁVORA

Saiba mais…
CPP