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Idealista no Mundo Real

Idealista no Mundo Real

 

De tanto vos poderia falar,

mas de que isso me serviria?

De nada, vos posso afiançar,

Aliás, alguém me ouviria?

 

Poderia falar-vos da vida,

Minhas tristezas ou meus amores,

Também uma ou outra perdida,

Minhas alegrias, minhas dores.

 

Nada disso interessaria,

Agora se falasse da guerra,

Ou corrupção que grassa na terra.

 

Isso sim, grande tema seria.

Banal falar de Felicidade,

Falem é de miséria, maldade.

 

Francis Raposo Ferreira

13/01/2020

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Arrependimento

Arrependimento

 

Miguel e Laura estão a escassos minutos de se tornarem marido e mulher. Miguel veste um elegante fato, com casaco de aba de grilo, escuro, o que realça, ainda mais, a sua beleza de origem exótica, onde sobressaem os olhos verdes e o cabelo muito preto. Laura, vestida de branco e com os longos cabelos louros a brilharem sob os raios de sol, parece uma deusa. Os olhares dos noivos cruzam-se, Laura esboça um sorriso de felicidade e…ouve-se um grito vindo da porta da igreja onde decorre a cerimónia:

- Miguel, tu não me podes fazer isso. Tu sabes que eu preciso de ti a meu lado. Não te esqueças que este filho que trago na barriga também é teu.

Laura sente uma tontura. Olha para Miguel, como que a perguntar-lhe “O que é que se passa?”. O noivo não consegue pronunciar palavra, dá meia volta, agarra nas abas do casaco e corre ao longo do corredor, atapetado a vermelho, que o leva até ao local onde se encontra a estranha rapariga:

- Sandra! Porque fizeste isto? Não te pedi que ficasses quieta que tudo se resolveria?

- Ficar quieta, como querias que eu ficasse quieta a ver o pai do meu filho casar com outra? Eu não te quero para meu amante, mas sim para meu marido.

Miguel ampara a rapariga e saem da igreja. Laura tem de ser amparada pela família, tão em estado de choque como a própria noiva.

O tempo vai passando. Miguel acaba por casar com Sandra, a mãe do seu filho, e Laura acaba por reencontrar o amor na pessoa do seu psicólogo.

Os anos passam. Miguel é surpreendido por um telefonema inesperado, o seu filho foi atropelado por um carro conduzido por uma loura e encontra-se no hospital, em estado considerado muito grave. Miguel, ainda a caminho do gabinete do seu superior, vai despindo a bata que costuma usar no laboratório, todo o seu pensamento vai para o filho, embora uma pequena sombra se intrometa entre os dois, uma mulher loura.

Miguel chega ao hospital, Sandra está em verdadeiro estado de choque. Tiago, o filho, corre sério risco de vida. Aos poucos e poucos, lá vai conseguindo contar o que sabe sobre o acidente do filho:

- Ao que parece, aquela mulher vinha numa velocidade louca e não parou na passadeira.

- Quem é ela?

- Sei lá quem é. A polícia é que deve saber.

Miguel sente uma estranha sensação dentro de si: “Não, não posso acreditar numa coisa dessas. A Laura não seria capaz de uma monstruosidade destas. Sei que a fiz sofrer muito, mas isto não.”. A razão de Miguel associar a ex-noiva ao acidente do filho deve-se ao facto de se terem cruzado à cerca de uma semana, à porta da escola de Tiago, onde Laura fora buscar a sobrinha. Ele bem que estranhou da simpatia, e do interesse, da rapariga para com ele. Pensara que ela apenas pretendera dizer-lhe: “Vês, apesar do que me fizeste, estou bem.”. Agora já não tem assim tanta certeza. Aliás, já nem tem certeza nenhuma.

Miguel afasta-se um pouco de Sandra, precisa arrumar as ideias:

- Miguel, Miguel.

- Que foi?

- Estão a chamar-nos lá dentro. Oh Miguel, não consigo pensar que o nosso filho…

Entram e são recebidos por uma enfermeira:

- Façam o favor de entrar aqui para o gabinete. Alguém da equipa médica já vem falar convosco.

- Sra. Enfermeira, diga-me a verdade, como está o meu filho.

- Acalme-se. Como já lhe disse, já vem alguém falar convosco.

Vivem-se minutos de verdadeira ansiedade. Sandra não consegue controlar os nervos, enquanto Miguel continua a dividir os seus pensamentos entre o filho e a possibilidade de ser Laura a condutora:

- Boa tarde. São os pais do pequeno Tiago, não é verdade? O meu nome é Caldeira.

- Dr., como está o meu filho?

- Tenha calma. Tem ali um grande lutador. É verdade que se não fosse o verdadeiro milagre que a minha colega fez, talvez essa força do vosso filho não tivesse valido de grande coisa, mas assim, com o esforço conjunto dos dois, posso dizer-vos que o vosso filho está livre de perigo. Embora as próximas horas ainda apresentem algum risco.

- Dr. e ele vai ficar com algumas sequelas?

- Vamos dando um passo de cada vez.

- Dr., nós queríamos agradecer à sua colega.

- Lamento. Ela pediu-me para ser eu a vir falar convosco. Não me perguntem porquê.

- Diga-nos ao menos o nome dela.

- É a Dra. Laura Simão.

- Laura Simão!

- Sim. Conhece a minha colega?

- É uma mulher muito bonita, loura?

- Sim. Conhece-a.

- Creio que sim. Dr., vai-me desculpar, mas tenho mesmo de falar com a sua colega.

- Isso não depende de mim. Vou ver se ela assim o quer.

O Dr. Caldeira volta a entrar na zona reservada, voltando daí a pouco, acompanhado de Laura:

- Laura, sabias que se tratava do meu filho, não sabias?

- Sim. Mas o que é que isso importa?

- Sei que foste tu que o salvaste. Agradeço-te.

- Não tens nada que me agradecer. Nunca misturei a minha vida pessoal com a profissional. Não era agora que ia desistir de salvar uma vida, ainda por cima de uma inocente criança, sem qualquer culpa que o pai não preste para nada. Agora tenho de ir. Boa tarde.

Miguel não sabe se o que sente mais é gratidão àquela mulher que acaba de lhe salvar o filho, se vergonha por, momentos antes, a ter julgado capaz de lhe querer tirar esse mesmo filho.

 

Moral: “Nunca julgues os outros por ti, podes surpreender-te.”

 

Francis Raposo Ferreira

13/01/2020

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Jarras de Amizade

Jarras de amizade

 

Não sendo arquitecto,

Nem tão pouco engenheiro,

Construí minha casa sem tecto

Para ver o Céu por inteiro.

 

Paredes de liberdade levantei,

Cobri-as com telhas de amor,

Invernos frios não receei,

Fiz outro tanto, com o calor.

 

Divisórias, nem sombra delas,

Por minha expressa vontade

Retiraram-se portas e janelas.

 

Como elemento de decoração,

Lindas jarras de amizade,

Florescendo desde o chão.

 

Francis Raposo Ferreira

12/01/2020

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Brilho

Brilho

Diz-me lá, misteriosa Lua,
Já que o sol teima, mo não dizer,
porque, com tanta guerra pactua,
Quem diz somente desejar viver?

Está bem, também não me respondes,
Até te sentes envergonhada,
Ah, é por isso que te escondes.
Enganas-te, não serve de nada.

Repara no sol, todo brilhante,
Pouco que lhe importa a gente.
Que ninguém ouse fazer-lhe frente.

Ó lua, de hoje em diante,
É como o sol, viver a brilhar,
Tu! olha, fica-te com teu Luar.

Francis Raposo Ferreira
12/01/2020

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Mónica

Mónica
 
Mónica tinha a plena consciência que não se enquadrava, nem de perto nem de longe, nos parâmetros ditados pela moda. Aqueles óculos, redondos e grandes, há muito que tinham esgotado o seu prazo de validade, para já não falar da saia, vira o modelo no filme “Música no coração e adoptara-o, ou na camisinha aos folhinhos e rendinhas, conjunto que complementado por aqueles sapatinhos rasos com um lacinho no peito do pé, lhe dava um ar de menina do século passado.
Ao tomar consciência que não era pelo seu lado sensual que os colegas de faculdade teimavam em convidá-la para as matinées dançantes, cimentava a certeza que se não fosse considerada uma das melhores alunas do seu curso, nunca poria os pés nas ditas matinées, onde os namoros nasciam como as azedas no caminho de sua casa até à faculdade.
O ano lectivo aproximava-se do fim e, Mónica, era das únicas, senão a única, das raparigas que ainda não tinha arranjado um namorado que fosse. Na maioria das vezes passava as matinées dançantes a ver os rapazes a cortejarem as suas colegas, só a convidando para um pé de dança quando tinham um rebate de consciência e lá a iam tirar do seu cantinho.
Foi numa das últimas matinées que surgiu Lourenço, rapaz tão bonito quanto tímido, pelo que procurou companhia junto de Mónica, o que gerou muitos ciúmes nalgumas das raparigas presentes. Lourenço era, sem dúvida alguma, dos rapazes mais bonitos da faculdade, só que nunca tinha aceitado os convites para se juntar aos restantes companheiros de faculdade, um pouco pela sua timidez, mas também por identificar aqueles encontros mais como momentos de puro engate que propriamente de convívio.
Agora, fora o seu interesse por Mónica, ainda que nunca confessado, que o levara a aceitar, temia que o ano terminasse sem ter hipótese de conhecer melhor o patinho feio do curso. Não se sentia à vontade com raparigas mais bonitas, pois, não tendo noção do seu charme natural, temia ver-se rejeitado por estas.
Quando a matinée terminou, já se notava, entre Lourenço e Mónica, uma grande empatia. Daí até ele ganhar coragem para lhe pedir namoro, foi um passo. Ela aceitou de imediato.
As aulas terminaram e eles só se voltariam a ver alguns dias depois, visto viverem bastante afastados um do outro. As férias pareciam nunca mais terminar, tal as saudades que sentiam um do outro. Lourenço ainda propusera ir ter com ela, mas Mónica não deixou, preferia mesmo algum afastamento temporário para ter a certeza dos sentimentos do rapaz.
No dia do regresso, lá estavam eles a matar saudades, ainda que num reencontro breve. Seria no dia seguinte que tudo se precipitaria. Estava Lourenço à conversa com outros colegas, falando das férias e de Mónica, quando aquela mulher deu entrada no átrio principal da faculdade. Nunca se vira ninguém assim por aqueles lados, por onde quer que passasse, era impossível os homens não virarem a cabeça para a admirarem. Umas pernas perfeitas, umas nádegas bem moldadas a bambolear ao ritmo dos seus passos, uns cabelos pretos, muito pretos e sedosos, a chegarem-lhe até à cintura. Lourenço pousou os olhos nela e achou-a a mulher mais linda que alguma vez vira. Ela cruzou olhares com o rapaz, sorriu-lhe e dirigiu-se até onde estava o grupo. Todos abriram a boca de espanto e gritaram em uníssono:
“Mónica”
Sim, era mesmo Mónica. Quando lhe perguntaram o porquê daquela transformação, limitou-se a responder:
- Eu sempre fui assim, mas ao vir para a faculdade quis saber quem é que gostava realmente de mim, por aquilo que sou por dentro e não por aquilo que pudesse mostrar por fora. Só o Lourenço me aceitou como eu era, sem reservas. Amo-te.
Todos perceberam a lição.
 
Moral: “Quem compra só pela embalagem, corre o risco de se vir a sentir desiludido.”
 
Francis Raposo Ferreira
12/01/2020
 
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Aquela Noite

Aquela noite

 

Aquela noite, há tanto desejada,

Foi uma noite das outras diferente,

Ela desejava sentir-se amada,

Ele desejava sentir sua carne quente.

 

Aquela noite foi noite sem igual,

Eles se entregaram com amor,

Amando-se numa entrega carnal,

Saciando noites de solidão e dor.

 

Aquela noite tinha de acontecer,

Não podiam continuar a negar,

O que os corpos exigiam, prazer.

 

Aquela noite não podia ser ilusão,

Seus corpos, sedentos de se amar,

Não suportavam mais tanta solidão.

 

Francis Raposo Ferreira

11/01/2020

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Em Busca da Solução

Em Busca da Solução

 

Havia três noites que Francisquito não conseguia dormir, o que, entre outras coisas, lhe vinha prejudicando o rendimento escolar, que até ali sempre fora excelente e, agora, começava a resvalar para índices preocupantes. O professor, sempre tão encantado com o bom desempenho do seu aluno, entendeu não deixar arrastar o problema por mais tempo, até porque se aproximava a época de exames, e chamou o pai de Francisquito à escola:

- Então que se passa, assim de tão grave, senhor professor? Sim, porque só pode tratar-se de algo muito grave, visto que nestes anos que leva como professor do meu filho, nunca me chamou fora das reuniões normais.

- Sabe, senhor Francisco, foi com muito custo que aqui o chamei, mas entendo ser essa a minha obrigação enquanto professor do Francisquito.

O pai, ao ouvir tudo quanto o professor do filho lhe contava, também foi dando mostras de ficar preocupado:

- Pode ficar descansado, senhor professor. O meu filho, pelo menos até hoje, e ponho as minhas mãos no lume, nunca me mentiu. Assim que ele chegar a casa, vou ter uma conversa muito séria com ele.

- Permita-me que acrescente só mais uma coisa. Aqui há uns três ou quatro dias, logo após eles terem saído para o intervalo, fui atrás deles, sem se aperceberem, e ouvi uma coisa que me deixou de pulga atrás da orelha. O Francisquito estava a dizer, a um outro menino, que a mãe teimava em só lhe mandar pão com marmelada, mesmo sabendo que ele não gostava de marmelada, e não é que deu o lanche dele ao outro.

O pai admirou-se com tudo aquilo, voltando a prometer ao professor que iria averiguar. Se bem o prometeu, melhor o fez.

Francisquito, não sabendo da ida do pai à escola, chegou a casa, deu um beijo ao pai, outro à mãe, e disse que ia lanchar. O pai, nada dizendo, foi espreitá-lo. Francisquito agarrou num bom pedaço de pão, abriu-o ao meio, recheou-o, bem recheado, com marmelada e devorou-o:

- Meu filho, precisamos ter uma conversa muito séria. Sente-se aqui na perna do pai como tanto gosta.

A mãe de Francisquito, sabedora de tudo quanto o professor contara ao marido, puxou uma cadeira, sentou-se e preparou-se, como era hábito corrente, para assistir à conversa entre pai e filho:

- Pai, o que se passa, apesar de ser muito simples, é mais complicado do que se possa pensar. O Miguel, o menino a quem tenho dado os meus lanches, nunca leva lanche para a escola e quando era a hora do intervalo, escondia-se de nós. Um dia, perguntei-lhe porque nunca levava lanche e ele disse-me que não tinha o hábito de lanchar. Não acreditei e no dia seguinte resolvi dizer-lhe que a mãe me tinha mandado pão com marmelada mas, como eu não gostava de marmelada, perguntei-lhe se ele queria o meu pão. Pai, mãe, se vocês vissem em quanto tempo o comeu. O Miguel passa fome. Não tenho dormido a pensar como ajudá-lo.

- Porque não falaste connosco? Ou com o teu professor?

- Porque o Miguel é muito complexado, tive medo que o professor lhe fosse perguntar alguma coisa e ele deixasse de ir à escola com vergonha.

A mãe, que se mantivera em absoluto silêncio, agarrou-lhe nas duas mãos e disse-lhe:

- Filho, hoje já podes dormir descansado. Eu e o pai vamos pensar numa maneira de ajudares o teu amigo.

Nessa noite, Francisquito, mais aliviado por ter contado aos pais e por saber que poderia contar com a ajuda deles, dormiu como há muito não dormia.

No dia seguinte, ao abrir a sacola para tirar o lanche, ficou com um sorriso de orelha a orelha, a mãe metera-lhe, não uma, mas sim duas grandes sandes de marmelada e duas garrafas de leite. Correu até junto de Miguel, não lhe disse nada, mas como já vinha sendo costume, deu-lhe a sande que supostamente seria para ele, a qual desapareceu num ápice na boca de Miguel.

 

Moral: A pureza de sentimentos de uma criança, não move montanhas, mas muda o mundo.

 

Francis Raposo Ferreira

11/01/2020

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Velho

Velho

 

Teu corpo é barco atracado

No imenso cais da desgraça,

Barco velho, roto, cansado

À mercê do tempo que passa.

 

Enfrentaste as duras marés,

Com a terra no pensamento,

Hoje, já nem sabes quem és,

Toda tua vida é sofrimento.

 

Tuas ilhargas apodreceram,

Sendo votadas ao abandono,

Nem tua quilha, quiseram.

 

Já nada pode atenua teu penar,

Tua dor, tua fome, ou teu sono.

Teu corpo é barco a naufragar.

 

Francis Raposo Ferreira

11/01/2020

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Amor

Amor

 

Lourenço sempre vira a prima Carmem como sendo a mulher ideal com quem desejava constituir família, mas por motivos que só o destino possa, ou talvez nem mesmo ele, explicar, a verdade é que os seus caminhos acabariam por se separar e estacionar em estações distanciadas da vida de cada um deles.

Carmem, deixando-se levar na ilusão dos sonhos que fazem parte da adolescência, acreditara nas promessas de um antigo namorado, casando-se com ele e de quem tem dois filhos, uma rapariga com 26 anos e um rapaz com 22.

Agora, aos 51 anos, vê-se de novo sozinha na vida, o marido faleceu há três anos e a filha casou há cerca de 2, enquanto o filho se encontra a estudar no estrangeiro, ao abrigo de um desses programas que permitem o intercambio entre estudantes.

Lourenço, ao saber que a prima decidira reatar o velho namoro, acabara por se ir afastando das velhas amizades, pois não conseguia suportar a dor de a ver abraçada a outro, pelo que tal afastamento, mais não foi que pura estratégia para também se afastar dela, ao mesmo tempo que ia estabelecendo novas amizades, de entre as quais viria a conhecer aquela que se tornaria sua esposa. curiosamente uma professora estrangeira convidada para leccionar na universidade onde ele estudava.

Foi já após o nascimento do seu segundo filho, e ao ver-se no desemprego, que Lourenço decidiu aceitar o desafio da esposa e emigrar para o país de onde ela viera, a Eslovénia. Toda a sua vida girava em torna da família e da estabilidade da mesma, pelo que, sabendo como sempre soubera que a esposa tinha o sonho de poder voltar à sua terra Natal e sem nada que o prendesse a Portugal, não hesitou em dar novo passo na sua vida.

A vida na Eslovénia não viria a ser bem aquilo que Lourenço idealizara, não só pelas dificuldades em encontrar trabalho, como também pela inesperada mudança que se viria a verificar em Nastja, a sua esposa. Lourenço não conseguia perceber o porquê de tão brusca e radical mudança, atribuindo-a a alguma eventual pressão da família dela, a qual parecia não simpatizar muito com ele.

Foi num dia em que chegou a casa mais cedo, que tudo se precipitou. Nastja, sem sequer lhe dar tempo para despir o casaco, comunicou-lhe já não o amar e que queria o divórcio:

- Eu vou, hoje mesmo, para casa de meus pais. Levo os meninos comigo. Tens a renda da casa paga até ao fim do mês, depois ficas por tua própria conta.

Foi como se o mundo caísse sobre a cabeça de Lourenço. Assim que se sentiu a sós e perdido num país estranho, não aguentou a pressão, voltou a sair de casa e dirigiu-se a um bar no centro da cidade:

- Como é que eu aqui vim parar? Quem é o senhor?

- Acalme-se. Eu sou Português como o senhor. Conheço-o bem, pois sou aluno da sua esposa, vivo num quarto aqui mesmo ao lado de sua casa, e já o tinha visto algumas vezes lá no bar.

- Diga-me, o que aconteceu ontem à noite.

- O senhor bebeu um pouco demais, depois, talvez por influência do álcool, começou a dizer mal dos Eslovenos, principalmente das mulheres e eles agrediram-no e puseram-no fora do bar. Teve muita sorte, pois com o nevão que estava, se eu não calhasse a passar por ali, talvez tivesse morrido enregelado.

- Obrigado. Como te chamas?

- Lourenço.

- Lourenço! Eu também me chamo Lourenço. De que zona de Portugal, é que és?

- Sou de Odemira.

- Curioso, chamas-te Lourenço, tal como eu e, também como eu, és de Odemira. Quem é a tua família?

O jovem, seu providencial salvador, encarava todas as perguntas com naturalidade, atribuindo-as à desorientação que deveria ter tomado conta dele:

- Meu pai já morreu, minha mãe chama-se Carmem.

- Carmem!

O grito de Lourenço, assusta-o:

- Que foi? Conhece a minha mãe?

- Talvez sim, talvez não. A tua mãe, por acaso, é a Carmem Pinho?

- Sim, é essa mesmo. Espere aí, lembrei-me agora de uma coisa que a minha mãe me disse há muito pouco tempo. Ela disse-me que me pôs o nome de Lourenço em homenagem a um primo de quem não sabia nada há muitos anos mas que fora o grande amor da sua vida, amando-o mesmo mais do que alguma vez tinha conseguido amar meu pai, o qual só a fez sofrer.

Lourenço não precisou de ouvir mais nada, só lhe interessava tratar de tudo o mais rápido possível e partir ao encontro daquela que o destino lhe recusara tantos anos antes. Mesmo que ela não estivesse preparada para o receber, não cometeria o mesmo erro outra vez, esperaria por ela.

Lourenço não precisou esperar tempo algum, Carmem sabia que só a seu lado poderia ser feliz.

 

Moral: A vida pode dar muitas voltas, mas depois, talvez seja nas voltas da vida que está a Felicidade.

 

Francis D’Homem Martinho

10/01/2020

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A Primeira Vez

A Primeira Vez

Um cantor, em tempos, cantava:
“oh tempo volta para trás...”
era o que eu agora gostava,
voltar a ser outra vez rapaz.

A primeira vez que te vi,
foi num encontro casual,
fiquei enamorado por ti,
achei-te logo muito sensual.

O dia em que não te via
já para mim não era dia,
sonhava com o teu rosto.

Tu eras todo o meu desejo,
sempre me negaste um beijo,
depois deste-mo com gosto.

Francis Raposo Ferreira
10/01/2020

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À Lareira

À Lareira

Comigo, sentado à lareira,
Lindas histórias me contavas,
Ouvindo o crepitar da madeira
Enquanto do avô falavas.

Acabava por adormecer
No teu colo abençoado,
Hoje perdi teu viver,
Vivo como que abandonado.

Sento-me á lareira
E conto, um pouco à tua maneira,
Histórias que te ouvi contar.

Meus filhos, teus bisnetos,
Sentam-se muito quietos
E deixam-se encantar.

Francis Raposo Ferreira
10/01/2020

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D. Dinis

D. Dinis.

Quando chegou o momento de reinar,
D. Dinis foi alvo de alguma contestação,
O Infante D. Afonso teve de enfrentar,
Tratava-se de um seu, mais novo, irmão,
Tudo valia para se procurar desviar
A linha recta que indicava a sucessão.
D. Afonso, dizia-se legitimo sucessor,
Seu irmão nascera de casamento sem valor.

Sendo senhorio de variadas terras,
Decidiu tomar medidas de pura provocação
D. Dinis não desejava guerras,
Mas também não temia a confrontação,
“Terras minhas, tu não dominas ou encerras”
Terá querido demonstrar ao irmão.
Uma destas terras era de Vide:
Venceu e pensou “Meu reino, ninguém divide.”

D. Afonso só podia fugir, assim o fez,
O destino escolhido foi o reino de Castela,
Na altura em conflitos com o rei Português,
D. Dinis escreveria página longa e bela
Na história de Portugal. Fê-lo com sensatez,
Sem nunca virar a cara a uma querela.
Faltava-lhe resolver conflitos com a Igreja,
Eram muitas as queixas, ainda mais a inveja.

Reinado de D. Dinis dos que mais durou,
Quarenta e seis mais precisamente,
Durante os quais graves crises enfrentou,
Saindo-se deles muito airosamente,
De muita perícia e astúcia utilizou,
Para que seu projecto fosse em frente.
Ano de mil duzentos oitenta e nove,
Faz proposta a Nicolau IV, tudo se resolve.

D. Dinis tinha nobre sentido de estado,
Precisava encontrar meio de estabilização
Quem sabe se tornar-se homem casado
Não seria bom passo para a solução,
Talvez estivesse aqui mesmo ao lado
Quem lhe traria paz e lhe acalmaria o coração.
Eram tempos de grandes ambições,
Os casamentos visavam importantes uniões.

Aragão era importante potência internacional,
O que pode revelar a astúcia do Rei D. Dinis,
Conquistava uma forte aliança para Portugal
E ainda dava uma Rainha Santa ao nosso país,
Muitas as histórias de sua grande moral,
Praticar o bem, modo de se sentir feliz.
Jóias e enfeites não entravam na sua realidade,
Bastava-lhe toda a sua, grande, beldade.

O país já não vivia problemas de expansão,
Mas viviam-se privilégios exagerados,
D. Dinis entendeu por bem tomar a decisão
De os combater e os manter controlados.
A si deveria ser dirigida toda a apelação,
Os campos teriam de andar sempre cultivados.
O clero também se viu atingido,
Não podia adquirir bens de raiz, ficou sentido.

Mas não foi um reinado só de proibição,
D. Dinis tentava reinar de forma equilibrada.
A ordem de Santiago queria a separação
Do mestre Castelhano, foi pelo rei apoiada,
D. Dinis mostrou ser homem de visão,
As ordens eram ajuda muito respeitada.
Desafiou as leis da própria natureza,
Colocando-a ao serviço da coroa Portuguesa.

Outra ordem veria o seu nome mudar,
Era dos Templários e de Cristo passou a ser,
D. Dinis percebeu que tinha de actuar
Para não deixar esta ordem morrer,
Que ninguém se deixasse ludibriar,
Sabia que, no futuro, muito lhe poderiam valer.
Aos poucos descobria-se toda sua cultura,
Mostrava-se acima dos homens daquela altura.

Ano de mil duzentos e noventa, grande passo,
São aprovados os estudos gerais,
D. Dinis era senhor de saber nada escasso,
Arte e cultura recebiam apoios essenciais,
Portugal afastava-se do caminho do fracasso,
Abraçando grandes projectos culturais.
Artes, Medicina. Leis e Direito Canónico,
Olhava-se o futuro com amor patriótico.

A protecção à Igreja não foi esquecida
E quando entrou em guerra com Castela,
Mil duzentos noventa e cinco, estava definida
A estratégia, estabilizar fronteiras em dada parcela,
Quando não vislumbrava outra saída
D. Dinis abria sempre uma nova janela.
Homem de grandes amores e alguns filhos,
Viu que a Rainha, não lhe arranjaria sarilhos.

Dois anos, o tempo que esta guerra durou,
Acabando num acordo com os Castelhanos,
Tratado que em Alcanizes se assinou
E que satisfazia os interesses dos Lusitanos,
Concórdia com que sempre sonhou,
Clima de paz e ajuda durante quarenta anos.
Estabelecia-se o estímulo da amizade
Para que as novas fronteiras fossem realidade.

As feiras francas foram desenvolvidas,
Como resultado dos privilégios e isenções
Que a várias povoações foram concedidas.
E deu vital importância às exportações.
Flandres; Inglaterra e França, as servidas
Pelos bens que nossos navios levavam nos porões.
Instituiu-se a marinha Portuguesa em definitivo,
Nos grandes mares, Portugal mostrava-se activo.

Os excedentes começaram a ser exportados,
Mel; vinho; cortiça; azeite; peixe e sal
São alguns dos produtos ali comercializados,
Constituindo fonte de rendimento nacional,
Nenhuns aspectos se viam descurados,
Tudo era merecedor da atenção Real.
D. Isabel continuava a conquistar simpatia,
Portugal, fase de grande expansão vivia.

Os comerciantes Portugueses no estrangeiro
Mereceram medidas de protecção,
Surgindo no Porto um movimento pioneiro
Que levou os mercadores a uma associação,
Portugal era um reino sempre em primeiro,
D. Dinis reinava com muita determinação.
Bolsa de seguros, com aprovação real,
Para evitar fugas ao cumprimento legal.

As cotizações faziam-se em Portugal
E na Flandres, tudo em partes iguais.
A multa era a penalização oficial
Para o incumprimento das disposições legais.
Os mercadores sentiam protecção real,
Contra os assaltos, constantes e brutais.
Danos, resultado do ataque de salteadores,
Deixavam de preocupar os nossos mercadores.

Mil trezentos e oito, acorda-se com Inglaterra
Incrementar o comércio entre as duas nações,
Mas também o estimulo pelo cultivo da terra,
Como mais-valia, é alvo das reais atenções,
D. Dinis encarava outra forma de guerra,
Não hesitaria perante ameaças ou pressões.
Portugal cresce enquanto se espanta,
Com os milagres atribuídos à Rainha Santa.

Nas zonas de Entre- Douro e Minho
Começa por fazer a divisão em casais,
Depois resolve prosseguir caminho
E divide-as em povoações. Um avanço mais,
D. Dinis sabe que não está sozinho,
O Povo acompanha-o nos seus ideais.
D. Isabel transforma pão em Rosas,
Tornando-a das Rainhas mais maravilhosas.

Em Trás-os-Montes a divisão é colectivista,
Entrega as terras a grupos de cidadãos,
D. Dinis era um monarca com larga vista,
O futuro do país não morria nas suas mãos,
Entretanto revelava sua veia de artista,
Sem nunca se atemorizar com pequenos senãos.
Milagres não paravam de se suceder,
Santa ou não, praticar o bem, era seu viver.

Alguns serviços tornaram-se comunitários,
Para cada região um tipo de povoamento,
Por exemplo na Estremadura foram vários,
Bem como as distintas formas de pagamento,
D. Dinis era dotado de dotes extraordinários,
Talvez o maior estivesse no seu casamento.
D. Isabel sempre soube das reais traições,
Nunca dando mostras de grandes preocupações.

A parceria foi uma das formas adoptada,
Tal como o tributo pago em cereais,
Era conhecido como o imposto da jugada,
Visto ser proporcional ao número de animais,
Toda a administração era bem organizada,
Não se permitiam falhas que podiam ser fatais.
D. Isabel como que pressentia o sarilho,
Teria de mediar conflitos entre pai e filho.

Os jugos eram as juntas de bois utilizadas
Na agricultura, daí a denominação.
Estas medidas revelaram-se acertadas
Para o desenvolvimento da agricultura e da nação,
Entre as várias decisões tomadas,
Estava o Pinhal de Leiria, melhor, sua plantação.
D. Isabel não podia permitir o conflito,
Já ambos se aprontavam, quando se ouviu seu grito.

D. Dinis justificou o cognome de “O Lavrador”,
Mas também no campo da cultura
El- Rei se revelaria um grande dinamizador,
Introduzindo medidas de radical ruptura,
Sua veia de galã, verdadeiro pinga-amor,
Levou-o a escrever poemas de grande ternura.
D. Isabel não se importava com a situação,
Vivia segura de ser seu, o real coração.

A língua Portuguesa ganhou a exclusividade,
Em documentos oficiais, era a afirmação nacional.
Portugal vivia era de grande actividade,
Como que o pronuncio de sua afirmação mundial.
O intelecto Português vai-se tornando realidade,
D. Dinis vai conquistando seu lugar imortal.
D. Isabel continua a percorrer o seu caminho,
O povo Português demonstra-lhe grande carinho.

D. Dinis constrói sociedade bem administrada,
Nada escapava ao controle real,
Demonstrando ser homem de visão alargada
Manda traduzir obras de importância vital,
Nos pormenores, no pequeno nada
Planta sementes da ilustre história de Portugal.
D. Isabel continua a apoiar o marido,
Rainha de Portugal, nunca se deve ter arrependido.

Rodeou-se de homens bastante cultos e letrados
Para levar a sua caminhada de vencida.
Deixou-nos poemas por si escritos e rimados,
Fruto da sua forma culta de encarar a vida,
Não se sabe a quem terão sido dedicados,
Se a D. Isabel ou alguma amante mais querida.
Senhora de grande formação cultural,
Sua preocupação, era a harmonia matrimonial.

Não teve um reinado calmo e sossegado,
Aliava a governação ao desenvolvimento do país,
E ainda se viu, pelo seu filho, ser contestado,
Valendo-lhe a rainha Stª Isabel para um final feliz,
D. Dinis, várias vezes, sentiu-se abençoado
Pela bela esposa que, Deus, para si quis.
A rainha, que como Santa ficaria conhecida,
Não ignorava que fora noiva muito pretendida.

Afonso IV de Portugal e Afonso XI de Castela
Preparavam-se para combater,
A lepra foi mais forte do que ela.
Já, em mil trezentos e vinte cinco vira morrer
O “Rei-Poeta”, ou como diria qualquer bela
O “Trovador”. Foi o desaparecer
De um Rei que deixou grande legado.
Portugal era reino com futuro assegurado.

Rei morto, rei posto, lá diz o ditado,
Logo que morreu El-Rei D. Dinis
Já seu filho Afonso estava preparado
Para assumir os comandos do país,
Tinha trinta e quatro, ao ser aclamado,
Muitos anos antes, o trono, ele o quis.
Entrando em confronto com o progenitor,
Seria D. Isabel a conseguir evitar o pior.

Francis Raposo Ferreira.
08/01/2019

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Acredita

Acredita

 

Sempre que nasce um novo dia,

Tens nova oportunidade,

Basta que saias dessa letargia,

E acredites em ti, na possibilidade

De realizares sonhos adiados.

Deita fora maus pensamentos,

Olha a vida de olhos abertos,

Revive teus melhores momentos,

Até mesmo amores mais incertos,

Todos eles fazem parte de ti,

É neles que escreves tua história,

Vai à luta, acredita até ao fim,

Recorda, sem luta não há vitória,

Sê forte, não te deixes derrubar

Nunca te escondas na sombra da dor,

Desafia a vida, só assim podes ganhar,

abre a porta e deixa entrar o amor.

 

Francis Raposo Ferreira

08/01/2019

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Visita

VisitaQuantas vezes, sim quantas,Programamos uma visita,Mas depois, á pás das tantas,Não a fazemos, coisa esquisita.A desculpa surge por magia,Não pudemos ir, não era o momento,Prometemos que vamos noutro dia.Ah, como semeamos o afastamento.Já se passaram tantos mesesE a visita continua por fazer,Já prometemos nem sei quantas vezes.Mas amanhã vamos de certeza.A noite acaba por nos surpreenderE a morte chega com toda a frieza.Francis Raposo Ferreira07/01/2020
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Janeiras

Janeiras

Hoje é dia de Reis,
Talvez nem sejam Magos,
Será que vós o sabeis,
Talvez Reis bem amargos.

Não deixemos de cantar,
Que o canto nos acalma,
Disfarçando este lutar,
Revigorando corpo e alma.

Mirra, ouro, Incenso,
Outros levam com requinte.
Hoje, usando de bom senso.

Cantamos as Janeiras ao senhor,
Pedindo um dois mil e vinte,
Com Paz, Saúde e amor.

Francis Raposo Ferreira
06/01/2020

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Menti-te

Menti-te

Menti-te, sim, uma vez,
Uma única vez, meu amor,
Sem razões ou porquês,
Menti-te, perdoa por favor.

Menti-te, porque o fiz,
Nem eu te sei responder,
Menti-te, senti-me infeliz,
Tive receio de te perder.

Menti-te, coisa repentina,
Nem sequer pensava,
Era uma mentira tão fina.

Menti-te, oh que horror,
Disse que não te amava,
Era teu, todo o meu amor.

Francis Raposo Ferreira
05/01/2019

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Menino Rico, Menino Pobre

Menino rico, Menino pobre

 

Marco era o menino mais rico de todo o bairro. Era tão rico, tão rico, que até nem brincava com os outros meninos que moravam perto de si, não porque ele rejeitasse tal ideia, mas sim porque sua mãe não o permitia. Sempre que algum dos outros meninos o abordava na rua, a resposta, contra sua vontade, surgia imediatamente da boca de sua mãe:

- O menino acha que tem brinquedos em condições de poder brincar com o meu filho?

Marco, não ousava enfrentar a mãe, embora a sua vontade fosse responder:

– Boa, vamos brincar.

Certo dia, a mãe de Marco faleceu num acidente de automóvel e a vida do menino deu uma volta completa. O pai, homem de grande cultura e com um coração do tamanho do mundo, resolveu ser a hora certa para mudar a forma como a esposa, também ela oriunda de gente pobre do bairro, conduzira a educação do filho. O pai de Marco nunca concordara com o afastamento que a esposa impunha ao filho, relativamente aos outros meninos do bairro, mas também nunca tivera a coragem suficiente para lhe fazer frente.

Foi só após a morte da progenitora que o menino passou a frequentar a casa da avó materna. Outra das decisões do pai, foi colocar o menino no infantário do bairro. Não queria que o filho continuasse a viver alheado da realidade.

No primeiro dia, Marco, não se sentia à vontade, embora já conhecesse muitos daqueles meninos, não tinha confiança com eles, pelo que se foi sentar a um canto da sala. Então, um dos meninos do bairro, veio ter com ele e perguntou-lhe:

- Queres brincar com a gente?

- Eu gostava, mas se calhar vocês não querem.

- Claro que queremos.

- Mas eu nunca quis brincar com vocês.

- Deixa lá isso. Agora és mais pobre que a gente.

- Mais pobre que vocês! Porquê?

- Porque nós temos mãe e tu não.

- Ah, pois é verdade.

Lá foram todos brincar à apanhada, esquecendo, como só as crianças sabem esquecer, coisas do passado.

 

Moral: “Tivéssemos nós, sempre, a pureza das crianças e não haveria ódio no mundo.”

 

Francis Raposo Ferreira

05/01/2019

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O Velho Porteiro

O Velho Porteiro

 

Havia mais de trinta anos que Diamantino desempenhava as funções de porteiro naquela empresa. Durante essas décadas, não só abrira a porta de entrada a oito administradores, como também conquistara a admiração e o respeito de superiores e colegas.

Agora que se preparava para abrir portas ao nono administrador, fez questão de escolher a sua melhor farda, aparar a barba, se bem que a aparasse todos os dias, mas naquele caprichou ainda mais.

Ainda não eram oito horas da manhã e já, ele, se apresentava no seu posto. Foi com emoção que viu parar a luxuosa viatura, sabia bem quem vinha lá dentro, era o seu novo administrador.

Assim que a viatura se deteve por completo, enquanto o motorista saía da mesma e ia abrir a porta de trás, permitindo que o, único, ocupante saísse, ele, qual militar no seu posto, aprumava-se por completo e aguardava.

O ilustre passageiro saiu, vestiu o casaco, agarrou na mala e encaminhou-se para o edifício da administração da empresa, passando por Diamantino, sem sequer lhe dar os bons-dias, quanto mais responder às boas-vindas que o porteiro lhe dirigia.

Diamantino estava incrédulo, era a primeira vez que aquilo lhe sucedia, não estava habituado a tamanha falta de educação. Nunca, em mais de trinta anos, se tinha sentido tão ofendido no desempenho da sua missão.

O velho porteiro ignorava que o pior ainda estava para vir. Foi ao terceiro dia de exercício da nova administração, ao ser chamado à secção de pessoal, que sentiu como que todo o seu mundo a desmoronar-se,  o novo administrador entendia que a empresa não precisava de um porteiro para nada, por isso, eram-lhe dadas duas hipóteses, ou se adaptava a outras tarefas, ou seria dispensado. Tinha até ao fim-de-semana para se decidir.

Diamantino, porque ainda se achava em condições de continuar a trabalhar, optou por se tentar adaptar a outras funções, ignorando que o administrador dera instruções para que todos os que tomassem esta opção, fossem colocados a desempenhar funções bastante duras, visto que o verdadeiro objectivo  era reduzir o número de funcionários. Muitos acabaram por não se adaptar às novas funções e pediram para sair. Não foi o caso de Diamantino. O velho porteiro não era homem para se amedrontar com manobras baixas, e porque já entendera a estratégia do novo administrador, a quem nunca mais pusera a vista em cima, visto este passar os dias fechado no seu gabinete, pelo que, apesar de não precisar do ordenado para poder levar uma vida digna, decidira resistir e apoiar todos aqueles que tentassem lutar pelo seu posto de trabalho.

Iam decorridos dois meses, após a tomada de posse da nova administração, quando se começaram a ouvir comentários sobre o estado da empresa. A maioria dos trabalhadores não cumpria o horário de trabalho e a satisfação de muitas das encomendas começava a entrar em derrapagem, algo que nunca se verificara nas anteriores administrações. A culpa começava a bailar de um lado para o outro, isto é, a administração acusava os trabalhadores de não darem o rendimento necessário, enquanto estes atribuíam as culpas de tais atrasos, ao facto de os portões da empresa só abrirem já muito depois da hora marcada para o início da jornada laboral:

- Então, não corressem com o Diamantino do posto dele.

“É verdade”

O administrador, que ia a entrar, não evitou ouvir tais comentários. Dirigiu-se ao seu gabinete e ficou perplexo, o conselho de accionistas dava-lhe um período de quinze dias para resolver a situação. Pensou, pensou e resolveu, pela primeira vez, consultar os chefes das diversas secções da empresa. Estes aconselharam-no, na sua maioria, a rever a decisão de prescindir do porteiro, pois só assim resolveria o problema dos atrasos no início da jornada diária:

- Os senhores só podem estar a brincar comigo. Vocês acham mesmo que eu me ia rebaixar a um simples porteiro? Já sei como vou resolver o problema. Obrigado a todos.

O administrador decidiu-se pela contratação de uma empresa de segurança. O velho porteiro, ao saber da decisão, pediu para falar com o administrador. Este, muito contra vontade, lá acedeu a receber o homem:

- Bom dia.

- Bom dia, diga logo o que quer e depois vá mas é trabalhar.

- A razão que me levou a pedir para ser recebido, é só uma. O senhor, julgando-se mais inteligente que os seus antecessores, esses sim verdadeiros administradores, começou por querer enviar, além de mim, muitos dos meus companheiros para o desemprego. Saiu-lhe o tiro pela culatra. Depois, julgando-se superior a todos, recusou admitir que tinha errado e voltar atrás, claro que o senhor não se ia rebaixar a um simples porteiro. Finalmente, resolveu tirar um coelho da cartola e contratar uma empresa de segurança, mesmo sabendo que dinheiro é coisa que não abunda na empresa. Concluindo, o senhor, desde que aqui chegou só tem dado mostras da sua incompetência, por isso é que pedi para ser recebido.

- O que é que está para aí a dizer?

- Estou a dizer-lhe, que enquanto desempenhava as minhas tarefas de porteiro, continuei os meus estudos e conclui a minha licenciatura, curiosamente na mesma faculdade que o senhor e, ainda mais curioso, com uma nota muito superior à sua. Isto é, já nem sei quem é que aqui é inferior a quem.

- Eu sou o seu patrão. Saia.

- Não. Mais uma vez está enganado. Apresentei, há cerca de quinze dias, uma exposição ao conselho de acionistas e, ontem mesmo, fui incumbido de proceder a uma auditoria à sua gestão. Penso que já deverá ter a respectiva notificação no seu computador. Ah, tenho a comunicar-lhe, caso estivesse a pensar nisso, que não irei precisar da colaboração de pessoas com competências inferiores às minhas. Queira confirmar tudo quanto lhe acabei de dizer.

Os trabalhadores, desconhecendo a realidade, interrogavam-se sobre o que tanto teria, Diamantino, para falar com o administrador, especulando que o colega não aguentara a dureza das novas funções e tinha ido apresentar a sua demissão.

 

Moral: “Não é na roupa que se vê a competência de alguém.”

 

Francis Raposo Ferreira

04/01/2019

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Força de Mudar

Força de mudarTanto procuravas soluções,Tanto te vias a desanimar,Tudo parecia só complicaçõesNinguém te queria ajudar.Problemas difíceis de superar,Angústias; Desespero; Medos;Não tinhas forças pra lutar,A vida fugia por entre os dedos.Sentias que ias para velho,Choraste, pensaste na vida,Olhaste-te bem no espelho.Nem querias acreditar,Estava ali a única saída,Tu eras a força pra mudar.Francis Raposo Ferreira04/01/2020
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O Segredo

O Segredo

 

Ana Emília era, na plenitude dos seus 48 anos, uma viúva muito desejada. Ela prometera ao marido, na hora da morte, cinco anos antes, que nunca mais quereria homem algum, pelo que, apesar dos desejos próprios de uma mulher na força da vida, ia resistindo a todas as propostas que lhe eram feitas.

A verdade é que não era só a promessa feita ao marido que a impedia de aceitar a ideia de voltar a constituir família, mas sim  o medo da língua alheia, pois sabia muito bem como as pessoas da aldeia votavam as viúvas que voltavam a casar, a um desprezo bastante difícil de suportar, nada que ela própria já não tivesse feito para com outras que tal como ela tinham enviuvados ainda bastante novas.

Além disto, ainda havia a considerar o facto de ter três filhos, Susana de 18 anos, Jorge de 16 e Carlitos de 10, não só temendo a reacção deles, como também tinha medo o homem que pudesse vir a aceitar para seu companheiro, não os soubesse amar como o pai os amara.

Foi precisamente no dia em que se completava 20 anos, sete após a morte do pai, que Lourdes se decidiu a contar a verdade à mãe. Havia pouco mais de um ano que fora trabalhar para a grande cidade e ali se apaixonara por um colega, do qual se encontrava grávida:

- Grávida! Tu tens a coragem de vir aqui com essa cara de desavergonhada e dizer-me que estás prenha? Ah não, não posso acreditar, andei eu, tantos anos, a lutar por honrar a memória do teu pai e, agora, tu vens dizer-me que estás grávida. Filha minha, grávida cá em casa, só casada. Quem é o pai da criança?

Lourdes baixou os olhos e respondeu à mãe:

– É um colega meu lá do trabalho, ele está a divorciar-se, por isso é que não casámos já.

- Ah pois, para casar têm de esperar, mas para outras coisas já não puderam esperar. Pois, minha rica menina, acho bem que fales com o teu namoradinho, porque aqui em casa não te quero.

Lourdes bem tentou convencer a mãe a manter segredo, mas nada demoveu a mulher, nem o pedido dos outros dois filhos, pelo que não tardou que a notícia se espalhasse por toda a aldeia.

A rapariga acabou por deixar a casa materna sem sequer festejar o aniversário, mudando-se, de forma definitiva, para o quarto onde já vivia no dia-a-dia, lá na grande cidade.

Assim que tal foi possível, marcou casamento com o pai da futura filha e foi convidar a mãe, e os irmãos, para o casamento, mas Ana Emília, que ainda não esquecera, nem perdoara, aquilo que considerava uma ofensa para a sua honra e para a memória do marido, nem sequer lhe permitiu a entrada em casa. Lourdes, acompanhada do futuro marido, regressou à cidade, prometendo nunca mais ali voltar:

- Olha mana, eu estou com a mãe, se cá não vieres, também cá não fazes falta nenhuma.

Foi assim que Lourdes cortou laços com a pouca família que lhe restava, pois na vez seguinte em se deslocou à aldeia, com o intuito de dar a conhecer a filha à mãe e aos irmãos, voltaria a ser escorraçada por todos eles:

- Ana Emília, bem que podias dar uma oportunidade à moça e conheceres o teu genro e o teu neto.

- Eu não tenho neto nenhum. Somente tenho dois filhos e nenhum deles, que eu saiba, é pai.

Os anos foram passando, Emília nunca perdoou à filha, nem nunca quis saber nada da sua vida, pelo que nunca soube se fora um rapaz ou uma rapariga que nascera daquela aventura, como ela sempre se referia à gravidez da filha.

Os filhos casaram, tiveram um filho cada, sendo ela quem os ajudou a criar com todo o amor e carinho, o mesmo carinho que sempre recusou dar à outra neta. Ao mesmo tempo que os netos iam crescendo, as visitas dos mesmos à avó começavam a escassear, enquanto seus pais, há muito que ninguém os via pela aldeia. Ao que se dizia, tudo se devia ao facto de as noras não suportarem o que diziam ser o mau feitio da sogra.

Foi assim que Emília se viu a ter de enfrentar a velhice na solidão, valendo-lhe a ajuda das meninas da Santa Casa da Misericórdia, como ela as tratava, já que as suas relações sociais na aldeia também não primavam por ser de grande empatia para com os restantes moradores.

Foi no dia em que completava 80 anos que, Emília, resolveu desabafar com uma das meninas:

- Sabes, minha menina, hoje faço 80 anos e a única visita que vou ter és tu.

A rapariga olhou-a nos olhos, agarrou-lhe nas mãos e perguntou-lhe:

- A ti Emília não tem família?

A velha senhora baixou os olhos:

- Tenho. Tenho 2 filhos e dois netos, um de cada um dos meus filhos.

As lágrimas caíam-lhe pelas faces. A menina da Santa Casa não se deu por vencida e tornou:

- Só. Não tem mais família nenhuma?

Emília engoliu em seco, encheu o peito de ar e disse:

- Vou contar-te um segredo. Se calhar até já ouviste a minha história, mas eu vou contar-ta na mesma. Eu tenho uma filha, e um outro neto, bem, se é neto ou neta, nem o sei. Um dia, a minha filha engravidou do namorado e eu pu-la na rua. Nunca mais soube nada dela. A verdade é que nunca mais quis saber dela.

A rapariga voltou a pegar-lhe nas mãos:

 - Ti Emília, vamos imaginar que eu sou essa sua neta. Espere aqui um bocadinho que eu já volto.

A rapariga saiu, voltando daí a pouco, com as colegas, e trazendo um bolo de anos. Cantaram os parabéns a Emília e proporcionaram-lhe um dos dias mais felizes dos seus últimos aniversários.

Emília nunca chegou a saber que aquela menina da Santa Casa da Misericórdia era mesmo a sua verdadeira neta.

 

Moral: “O amor não escolhe horta para nascer.”

 

Francis D’Homem Martinho

03/01/2019

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