Posts de Francisco Raposo Ferreira (187)

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Pensar pela Minha Cabeça

Gosto de pensar pela minha cabeça

 

A identidade de um povo substancia-se na sua história, que por sua vez deverá ser sustentada por diversos, e sólidos, pilares, de entre os quais cito: Língua; Arte (entenda-se património construído e preservado) e também as Tradições e Costumes, sem nunca esquecer que esta mesma historia se completa, mas nunca termina, em três espaços temporais que, embora diferenciados, se encontram fortemente interligados, passado, presente e futuro.

Portugal assume-se, de forma natural, como país vanguarda da identidade de muitos outros povos, tanto por força da sua longa história de povo descobridor de novos povos, como também, principalmente isso, como pátria mãe da ilustre língua Portuguesa. Todos os povos que, orgulhosamente, falam a língua de Camões, têm demonstrado, ao longo da história de cada um deles, mesmo que essa mesma sua história possa, durante longos períodos, possa ter sido confundida com a história de Portugal, uma natural propensão para a escrita em geral, e para a poesia em particular.

Não sei, nem me interessa saber, se esta reconhecida propensão dos povos Lusófonos para a escrita, não está directamente ligada com a também reconhecida riqueza da nossa língua.

Não vou afirmar que sim, mas o que afirmo é que aquela referida propensão dos povos Lusófonos para as letras, vem, não só reafirmar a minha convicção de que um dos tais pilares da identidade de cada um desses povos reside precisamente na língua Portuguesa, mas também que cada um deles continua, apesar de todos os contras, não só a orgulhar-se dessa mesma língua, como também a manifestar o seu prazer em se exprimir na mesma, isto sem desprimor da sua própria língua nativa, defendendo-a como nem muitos dos Portugueses nativos o fazem.

Surgiram, desde há muito, correntes, pseudo-intelectuais, cujos membros mais não são do que pequenos seguidores das perigosas mentes que, sob os mais diversos pretextos, destruíram monumentos milenares, queimaram pilhas de livros únicos, assassinaram milhares e milhares de pessoas e que agora se têm como os novos detentores da verdade, usando como principal argumento, e arma de ataque,  a manipulação da opinião dos povos.

O que mais me assusta, são aqueles que, por força de uma manifesta incapacidade intelectual, tentam impor a sua visão de um mundo que dizem querer global, mas que depois tudo fazem para o reduzir à mais pequena expressão, isto é, como se desejassem que o mundo continuasse a ser a sua pequena aldeia, onde, como cheguei a ouvir dizer a alguns, até os passarinhos eram seus.

Muitos destes actuais pretensos herdeiros da verdade, são contra as mais variadas formas de escrita, tal como os seus antepassados já o tinham sido, ou como outros foram contra as mais diversas minorias, por exemplo os escritores, os Judeus, os negros, isto é, contra todos os que lhes possam fazer frente, ignorando, porque a sua capacidade é limitada, que é precisamente aí, nas minorias, que nasce, e floresce, o verdadeiro espirito de rebelião.

Sim, é verdade, muitos dos que hoje se manifestam, sob qualquer pretexto, contra a escrita ,ainda que disfarçadamente, fazem-no pura e simplesmente porque não se identificam, ou não  conseguem extrair, muita  da beleza com que a língua Portuguesa nos continua a deliciar. Repito muitos e não todos, pois muitos há que, apesar de não gostarem daquilo que vai sendo escrito em Português, são verdadeiros amantes de tão bela língua, principalmente do Português escrito, os motivos que os levam a não gostar nada têm a ver com o idioma, mas sim com outras vertentes da vida em sociedade.

Ler uma simples notícia de jornal, em papel ou em formato digital, não implica dominar a língua Portuguesa, mas saber ler, e, sobretudo, interpretar um Fernando Pessoa, um Bocage, um António Aleixo, ou um Lobo Antunes, isso sim, já implica que muitos daqueles que implicam com a imensidão de  escritores em Português, tenham de recorrer a dicionários e afins, o que talvez também não lhes seja fácil.

Friso, uma vez mais, que não gostar de literatura Portuguesa não significa, nem pouco mais ou menos, que se enquadre neste protótipo de novo intelectual, mas embirrar com os autores de origem Portuguesa só porque eles nos obrigam a pensar, isso sim, já lhe reserva um lugar assegurado neste trono.

Agarrar num singelo escrito de um dos autores da Língua Portuguesa e, através dele, conseguir viajar por tantos e maravilhosos lugares, deve cansar muito mais do que ler qualquer notícia sobre um falso milionário que promete a felicidade a todos quantos comprem um montão de fichas para um qualquer jogo do computador, mesmo que isso signifique um aperto para o resto do mês, ou então que se conseguiu ser o herói de um dos muitos jogos de guerra, mesmo que depois venhamos culpar a TV por só passar notícias de autênticos massacres.

Estamos a começar um novo ano, não sei se irá ser melhor ou pior que o anterior, mas sei, isso sim, que, então talvez seja a altura de os homens das letras manifestarem a sua indisposição para a hipocrisia, isto é, que continuem a escrever os seus contos, a sua poesia e tudo o mais que entendam como meios de alerta contra as injustiças de uma sociedade que se diz global mas que depois quer ser o mais individual possível.

 

 

Francis D’Homem Martinho

02/01/2019

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Escritor

Escritor

 

Teus versos batem-me à porta,

Trazendo no bico um beijo,

Enviado no voo de uma gaivota,

Para saciar todo meu desejo.

 

Tuas palavras são de esperança,

Segurando, na caneta, o lenço

Com que limpo a face da criança,

Que me sorri, e não o mereço.

 

Denúncias de crimes são reflexões,

Não te calando por nada,

Defendendo tuas fiéis convicções.

 

Escreves palavras de amor,

Ignorando o cano da espingarda.

Só podias ser mesmo, escritor.

 

Francis Raposo Ferreira

01/01/2020

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Ousar Amar-te

Ousar Amar-te

 

Tira-me estas vestes

Que me sufocam,

Ah, tanto me prometes

Nas mãos que me tocam.

 

Quero-te sentir a banhar

Na praia do meu ser,

Ah, como só tu me sabes dar

Todo este meu prazer.

 

Ousando descansar em ti,

Na sombra do teu calor,

Vou-me esquecendo de mim.

 

Meu corpo desnudado

Alimenta-se de teu amor,

Num ritmo apaixonado.

 

Francis Raposo Ferreira

01/01/2020

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Mudança de Página

Mudança de página

 

O ano de 2019 entrou na recta final e, mesmo aqueles como eu, para quem tudo não passa de uma simples mudança de página no calendário, pois, como dizia uma amiga minha, que diferença me faz se aquela muda de dezembro para janeiro ou de abril para maio, pois se, em qualquer uma das circunstancias, se eu morresse hoje ou em maio, morreria sempre com a idade que tenho hoje, além de não ser por se mudar a página do calendário que a humanidade passará a ser mais humana, mas, como dizia, mesmo os que pensam como eu, não hesitam em olhar para este ano que se prepara para dar lugar a outro e fazer, por muito sucinto que seja, um balanço do que o ano de 2019 nos deixa para reflexão, pois só através da mesma é que tal balanço poderá fazer sentido, ainda que mal entremos em 2020, a maioria, se apronte a cometer os mesmos erros, as mesmas canalhices para o seu semelhante e os mesmos atentados contra a dignidade humana, seja em nome da religião, da inveja, do ciúme ou pelo simples prazer de provocarem dor e sofrimento nos outros.

Ao olharmos para trás, seja quem for e em que momento seja, nunca nos poderemos esquecer que para podermos fazer um balanço honesto e minimamente credível, independentemente do período que desejemos analisar, seja ele muito curto ou tão comprido como um ano inteiro, teremos de nos saber guiar, sempre, por indicadores que sirvam de base de apoio, sólida, a esse mesmo balanço, e que terão, inevitavelmente, de variar de pessoa para pessoa, o que não significa que não existam alguns que terão de ser comuns a todos nós, nomeadamente o social, familiar e pessoal, sendo que nalguns casos ainda teremos de considerar o profissional.

Não me cabe a mim, como não caberá a mais ninguém que o próprio, analisar o ano de cada um dos outros com quem me vi na obrigação, a qual por vezes também é satisfação,  de interagir ao longo de 2019, pois se há assuntos que podem ganhar maior ou menor relevância na vida de cada um de nós, a verdade é que além de essa relevância depender da forma como enfrentamos cada uma das situações com que somos confrontados, ela também depende da proximidade a que nos situamos dessas mesmas situações, pois, por exemplo, os problemas de saúde com que um familiar nosso se possa ver confrontado, principalmente se muito próximo, é susceptível de nos afectar a nós do que a alguém de fora, por mais amigo nosso que seja, o que não significa que os verdadeiros amigos, não sofram, também eles, com as pedras da vida que nos vão magoando, não os dedos dos pés, mas sim o espirito.

Posto isto, e porque quanto ao futuro, somente podemos fazer projectos, alimentar sonhos, expressar desejos, mas nunca ter certezas, quero dizer-vos que de 2019 guardo muitas coisas que se passaram ao longo desses 365 dias, umas boas, outras não tão boas, outras mesmo muito más. Ao contrário do que é costume dizer, penso que as coisas más não são para esquecer, pura e simplesmente não são para andarem sempre presentes no nosso dia-a-dia, mas esquecê-las não, pois, muitas das vezes, é nessas mesmas coisas más que tivemos as maiores lições de vida, as maiores provas de amor e amizade, já que nos momentos bons, também ao contrário do que deveria ser, há muita inveja, hipocrisia, falsidade e falta de carácter de muitos que nos tentam enganar, fazendo-nos crer que se precisarmos deles, ali continuarão. Pura ilusão.

O ano de 2019 não foi fácil, umas vezes por culpa própria, outras por circunstâncias várias da vida. Recordo-me de por esta altura de 2018, muitos serem os planos, projectos, sonhos, para o ano seguinte, muito do que teria de vir a ser profundamente alterado em meados de Maio, quando alguém muito próximo, e querido, se viu atirado para uma cama do hospital a lutar entre a vida e a morte, mas com uma recuperação que tem sido uma verdadeira lição sobre a vontade de viver, ainda que a inicio fosse de uma forma quase inconsciente, digna de registo. Tal lição acaba por nem surpreender quem conhece a Dona Glória, pois se há coisa que ela sempre fez questão de afirmar é que gosta muito de viver.

Este episódio, enquadrado no indicador familiar, acabaria por não deixar emergir alguns outros muito mais positivos e que olhados agora a esta distância, ganham ainda mais brilho, pois apesar de terem ficado um pouco ofuscados, continuam bem presentes em todos quantos os vivemos, familiares directos, amigos e companheiros de trabalho, isto é, fazendo com que os tais quatro grandes pilares, Social; Profissional; Familiar e Pessoal,  se tenham unido e constituído a tal sólida base de sustentação que tão preciosa me foi, tal como a minha esposa.

Ao contrário do que se poderia supor é este sentimento de união e apoio, desde familiares a colegas de trabalho, vizinhos, amigos reais e virtuais, que me leva a aqui não citar ninguém, pois poderia correr o risco de me esquecer de mencionar alguém e, isso sim, constituiria grande constrangimento para mim, pois sei, muito bem, como naqueles momentos em que as coisas pareciam não correr de acordo com os meus desejos, projectos e sonhos, me sabia tão bem aparecer um braço amigo a colocar-se sobre o meu ombro e incentivar-me a continuar a seguir em frente.

Repetindo, por esta altura de 2018, a esperança, como se costuma dizer, era que 2019, se não pudesse ser melhor, que ao menos fosse igual. Será que alguém, olhando só para a parte negativa do ano que se apresta para findar, se arriscaria a dizer o mesmo? Claro que não, mas não podemos esquecer que a vida não tem só o lado negativo, por exemplo foi em 2019 que tive o prazer de conduzir a minha filha ao altar, ao mesmo tempo que foi em 2019 que a vi atingir um dos seus grandes sonhos, construir a sua própria casa, assim como foi ainda em 2019 que pude continuar a beneficiar da amizade sincera de muitos, muitos, amigos, tal como foi em 2019 que pude visitar terras que há muito desejava visitar. Foi, ainda em 2019, que vi surgir novas consciências para os crimes que continuamos a cometer toda a humanidade, seja pelos constantes ataques à natureza, seja pela forma como em pleno século XXI, ainda se atenta contra a vida dos mais indefesos, mulheres, crianças, velhos, doentes, marginalizados da sociedade, etc.

Concluindo, não quero que 2020 seja igual, pior, ou melhor, que 2019, quero, somente isso, que me seja permitido continuar a caminhar a vosso lado, cada um de nós com os nossos projectos, sonhos, ideais, rumo àquilo que entendemos ser o melhor para todos nós, sem nunca nos esquecermos de olhar para o lado e termos a certeza que fazemos tudo quanto está ao nosso alcance para que o mundo seja mais humano e menos materialista.

 

Feliz 2020

 

Francis D’Homem Martinho

31/12/2019

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Feliz Natal

Amigas/os:

Na impossibilidade de me dirigir, individualmente, a todos vós, aqui vos deixo os meus sinceros votos de Festas Felizes:

Magia de Natal

Brilham os olhos da criança,
Sorriso espontâneo, felicidade,
Desabrocha o sonho e avança,
Na inocência própria da idade.

Damos-lhe um mundo de ilusão,
Escondendo-lhe a verdade,
Seu sorriso será o nosso pão,
Fermentado com amor e amizade.

Neste mundo de esperança,
Conseguimos, também nós, sorrir
Como no nosso tempo de criança.

Este tempo tem a magia, especial,
De, em torno dos nossos, nos unir.
É esta a, grande, magia do Natal.

Francis Raposo Ferreira

23/12/2019

 
 
 
 
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Conto de Natal - A meu Pai

Conto de Natal

A meu Pai que cumpre hoje, esteja Ele onde estiver, 98 anos de amor e os quais viveu a amar todos quantos tiveram a sorte de se cruzar com ele. Parabéns. Pai

O denso nevoeiro, que não permitia ver dois dedos para além da ponta do nariz, associado ao forte vento que teimava em arrastar as folhas das árvores, provocando a sensação de que alguém varria as ruas da aldeia, constituíam argumentos mais que suficientes para que ninguém em seu perfeito juízo se pusesse à estrada.
Ti Martinho ia alternando os minutos entre estar sentado no velho sofá e ir espreitar pelo postigo da velha porta da casa, como se esperasse alguém. A sua esposa é que já começava a ficar chateada com aquele constante caminhar dele para a porta:
- Oh homem, tu convence-te que não vem ninguém. Eles querem lá saber dos velhos para alguma coisa.
- Não vêm, não vêm. Até parece que estás a desejar que não venham. Olha, sabes uma coisa, vou mas é acender a lareira.
- Pois então. Era mesmo só o que faltava. Acenderes a lareira para, não tarda muito, irmos mas é para debaixo dos lençóis.
- Ah, mas é que vou mesmo. Já que tive tanto trabalho a guardar o madeiro, também não há-de ficar ali a rir-se de mim. Olha, sempre aquece a casa.
- Vai. Aliás, nem sei para que me estou a chatear. Tu, quando se te mete uma coisa na cabeça, ninguém te convence do contrário.
Ti Martinho abriu a porta de casa, dirigiu-se à velha cozinha e tratou de arrastar o grande madeiro que guardara em lugar seco para a lareira de Natal. Ainda não estava convencido que os seus filhos os deixassem sozinhos.
- Oh homem, mas porque é que tu não te deixas estar sossegado? Eles não vêm. Achas mesmo que iam sair do quente da casa deles só para virem fazer companhia a um par de velhos?
- No quentinho da casa deles não. O nosso Francisco deve estar bem pior que nós. Com este tempo, o que a vida no barco deve ser mais é o paraíso.
- Ora, logo esse. Quando está em terra, aqui mesmo ao pé de casa, passa meses sem cá pôr os pés.
Ti Martinho lá ia continuando a tratar de acender a lareira, ainda tinha a esperança que um ou outro dos cinco filhos, aparecesse. A esposa acabou por se juntar e foi assim que se prepararam para jantar, na velha cozinha como costumavam fazer noutros tempos. Chiquinho lavou as mãos e foi espreitar, mais uma vez, pelo postigo. Algo lhe despertou a atenção. Pareceu-lhe ouvir o barulho de um carro. O seu coração deu um salto. Apurou o ouvido, mas não conseguiu ouvir mais nada. Fechou o postigo e voltou à velha cozinha. Foi quando se preparava para se sentar que ouviu umas pancadas na porta:
- Pai, mãe. Abram a porta que está um frio de gelar.
Ti Martinho levantou-se de um salto, era a voz do filho mais velho. O seu coração de pai não o enganara. Correu a abrir a porta e ficou estupefacto. Não era só o filho mais velho, mas também os outros três, só faltando o marinheiro. Ti Martinho afastou-se, indicando-lhes que se fossem aquecer que o fogo já crepitava a bom crepitar.
- Avô, que bom que acendeste a lareira.
- Acendi-a para ti, meu netinho. Para ti, para mim e para a avó, eles ainda não precisam. Nós é que precisamos.
- Nós!
- Sim. Eu e a avó porque já somos velhinhos e tu porque ainda és uma criança.
As filhas ajudaram a mãe a pôr a mesa e preparavam-se já para jantar, quando novas pancadas se fizeram ouvir na velha aldraba da porta. Quem seria àquela hora?
- Com que então, iam jantar sem mim.
- Francisco. Oh filho, não andavas embarcado?
- Andava. Senti o cheiro do nosso madeiro de Natal a arder e pedi autorização ao comandante para descer do navio quando ele passou por aqui e vim a correr, ainda bem que acendeu a lareira.
- Acendi-a precisamente para isso. Para chamar os meus filhos. O avô já te contou a história do madeiro de Natal?
- Olha Tó, sabes o que é isto?
- Sei pois, tio. É grão para assarmos na lareira depois do jantar, enquanto o avô nos conta aquelas fabulosas histórias que só ele sabe. As Histórias do Ti Martinho.

À tua memória, Pai.

Um grande beijinho

Francis Raposo Ferreira
21/12/2019

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Novos Contos de Natal da Matilde 2019

 

19 - Um Inverno de fome

 

-Avô, com este temporal, não és capaz de inventar uma história, bonita, que fale daqueles invernos que tu dizes que havia nos teus tempos de criança?

O avô olhou para a neta, pensando lá para com ele: Esta miúda é mesmo esperta, vejam só do que ele se foi lembrar para me levar a contar-lhe uma história mesmo ao jeito que ela gosta, ou seja, uma história que fale da vida real.

- Está bem. Aceito o desafio.

 

Aquele inverno estava a revelar-se de fome, os nevões prolongavam-se por tantos dias seguidos como já ninguém se lembrava de ter acontecido nos anos mais recentes.  Quando as neves resolviam dar algumas tréguas àquelas gentes já de si tão parcas em meios de subsistência, logo as chuvas, mas umas chuvas tão fortes que ninguém se atrevia a enfrentá-las, se faziam sentir.

Dia e noite, chovia constantemente, quase sem parar, havia já algumas semanas. O mês de Dezembro ia sensivelmente a meio e tudo indicava que a chuva, o frio e a neve, tinham vindo para ficar por mais tempo.

O mau tempo obrigava as pessoas a ficarem por casa, sem poderem ir tratar dos campos, ou levar os animais a pastar, pelo que era perfeitamente normal que em muitas das casas da aldeia, apenas se comesse o que tinha sido possível ir guardando ao longo dos meses de primavera e verão.

Apesar de serem pessoas habituadas a muitos invernos bastante rigorosos, a verdade é que não havia em toda a aldeia, quem se recordasse de nenhum tão rigoroso como aquele.

As reservas de muitas das famílias, resumiam-se, na maior parte das vezes, a batatas, massa, arroz, e alguma carne salgada, a qual também precisava de ser consumida com bastante moderação, pois caso contrário poderiam ficar reduzidos aos restantes três ingredientes, além do pão, amassado e cozido entre as paredes de cada uma das casas.

Num dos extremos da aldeia viviam duas famílias, que embora ainda estivessem ligadas por alguns laços de familiaridade, há muitos anos que andavam de relações cortadas, isto é, não só não se ajudavam entre si, como nem sequer dirigiam palavra uns aos outros, eram os Nunes e os Correia, cujos muros dos quintais, encostavam um ao outro.

Era essa proximidade entre as duas habitações que permitiria, a quem não o soubesse, num simples passar de vista, verificar que se tratava de duas famílias cujas condições de vida deveriam ser bastante desniveladas, pois mesmo descontando a probabilidade de se tratar de simples maneiras distintas de encarar a vida, era fácil ver como a casa da família Correia denotava tratar-se de gente com evidentes posses monetárias, enquanto a casa da família Nunes denunciava dificuldades muito mais acentuadas e não simples desinteresse pelo aspecto exterior da mesma.

A primeira tratava-se de uma casa de dois pisos, construída em tijolo e cimento e muito bem pintada, enquanto a da família Nunes era a genuína, ainda em adobe e telhado sem tipo de forro algum, pelo qual deveria entrar mais frio que o calor que a velha lareira conseguia debitar.

Os Correia nunca conseguiram perdoar o facto de os Nunes terem recusado vender-lhe uma parcela de terreno que lhes permitiria ampliar, ainda mais, a sua casa.

Neste maldito inverno, nem as belas frutas que eram o orgulho dos Correia resistiram, frutas essas que ano após ano, apodreciam nas árvores, pois eles não só não as apanhavam como se recusavam deixar que os familiares, com duas crianças, as apanhassem.

Só que neste inverno, ao contrário do que todos na aldeia poderiam esperar, até os Correia se viam a braços com o problema da fome, pois sem terem campo algum onde semeassem fosse o que fosse, as suas reservas só podiam vir da pequena mercearia da aldeia.

O chefe da família Nunes vinha à porta da rua, espreitava o tempo, abria muito a boca ao vento e recolhia-se, não sem antes se atentar no parente Correia que também o observava e lhe dizia, entre dentes, da porta da sua casa:

- Então, a palha ainda não está a boiar em tanta água?

O mau tempo persistia em ficar e um dia o Nunes, já farto de estar fechado em casa, arriscou ir até à taberna. Fosse porque não contavam a sua presença, ou até mesmo de propósito, alguns dos homens ali presentes não se inibiram de comentar:

- Vocês sabem que o Correia anda a passar um mau bocado, pois além de ter a mulher bastante doente, parece que já nem têm que comer.

- Pois é, preocupou-se só em construir um lindo jardim e não em semear que comer. Tivesse apanhado a fruta e talvez agora lhe valesse. E olha que isto não está nada animador, a ti Amélia já não tem quase nada que vender na mercearia.

- Pior do que isso, nem a apanhava e nem deixava o pobre do Nunes apanhá-la para as crianças.

Nunes não se pôde conter e disse:

- Meus amigos, o Correia não tinha nada que me dar a fruta, eu nunca lha pedi, tal como eu nunca lhe vendi as minhas terras porque ele nunca me propôs comprá-las.

Dito isto, Nunes abandonou a taberna e, sem vacilar, dirigiu-se a casa do familiar, accionou a pequena maçaneta em forma de mão e aguardou:

- Bom dia, o que é que queres daqui? Se é comer, vai apanhar o que semeaste nas terras que nunca me vendeste.

- Quero apenas dizer-te que não ignoro que nunca gostaste de mim e dos meus, talvez eu também nem goste de ti, mas há uma coisa que quero que saibas, nada deste mundo me fará deixar de ser como sou, e se há uma coisa que não suporto é saber que alguém tem fome. Em minha casa, podemos não ter os mesmos luxos que há na tua, mas fome, não se passa.

- Que dizes tu? Sabes lá do que falas, tu vens-me falar de fome quando até a chuva te entra pela casa dentro.

- Ouve, tu podes pensar o que quiseres, mas não tens o direito de negar que eu ofereça uma refeição digna à tua mulher. Podes ser orgulhoso e não aceitar a minha ajuda, mas não tens o direito de impedir que eu ajude uma mulher doente. A minha casa pode ser pobre, mas ainda me resta um prato de sopa para ti e para a tua mulher, se não quiseres o teu, isso já não é problema meu.

Correia não teve coragem de negar.

Nunes aguardou que ele se calçasse e o acompanhasse até sua casa, onde disse à esposa para arranjar um bom tacho de comida quente para os seus parentes:

- Nunes, diz-me uma coisa, porque é que nunca respondeste às minhas provocações

- É simples, tu preocupavas-te com o exterior da tua casa, um lindo jardim, bonitas árvores de fruto, que nunca apanhavas, pelo que sou levado a acreditar que só querias mostrar-te aos outros, eu fui deixando a minha casa como estava por fora, enquanto a ia melhorando por dentro.  Diz-me uma coisa, para quê tirar as velhas paredes e o velho telhado se até ajudavam a proteger a nova casa.

- Percebo, eu preocupei-me com o exterior e tu com o interior.

- Talvez.

- Há outra coisa que não percebo, porque te preocupaste comigo?

- Eu não me preocupei contigo, só te quis recompensar pela ajuda que me tens dado ao longo de todos estes anos.

- Como assim? Eu ajudei-te em quê?

- É fácil, se tu não tivesses aquele jardim tão bonito aqui mesmo junto à minha casa, a minha mulher sentir-se-ia mais triste e eu iria ficar preocupado, assim, ela deliciava-se a admirar o teu bonito jardim e eu podia dedicar o meu tempo ao trabalho. Ou seja, enquanto tu lhe oferecias um bonito jardim mesmo em frente à nossa porta, eu ia arranjando condições cá dentro.

 

Moral: Quem só se preocupa com o exterior, acabará por desmoronar-se de dentro para fora.

 

- Boa avô, esse homem, tenho a certeza que era teu amigo, era um homem muito inteligente.

 

Francis D’Homem Martinho

19/12/2019

 

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Rio de Teu Corpo

Rio do teu corpo

 

É no leito desse rio que desagua

Nas margens dos teus lábios,

Que banho minha alma nua

E ouço conselhos mais sábios.

 

Rio de águas mornas, sensuais,

Esconderijo deste pobre mensageiro

Onde na quietude dos canaviais

Me entrego, sou teu por inteiro.

 

Em tuas águas tranquilas, serenas,

Me acalmo, em banho relaxante,

Levado nas ondas de tuas pernas.

 

Embalado no encanto de tua voz

Não me canso de ser teu amante,

Flutuando, da nascente até à foz.

 

Francis Raposo Ferreira

19/12/2019

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Sensual

Sensual

Vejo-a aproximar, sensual,
Admiro-a, sem que ela note,
Nunca conheci mulher igual,
Olhar rendido ao seu decote.

Embebedo-me na sua figura,
Ali fico, sem sequer reagir,
O brilho de sua pele, escura,
Enfeitiça-me, é desejo a fluir.

Quando se cruza comigo,
Embriago-me em seu perfume,
Leva algo de mim, consigo.

Trocamos um breve olhar,
Confesso, sinto até ciúme
Do sol que a teima vir beijar.

Francis Raposo Ferreira
19/12/2019

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Trato de Amor

Trato de Amor

 

Deixámo-nos ficar calados,

O silêncio era encantador,

Nossos corpos enrolados

Exalavam suores de amor.

 

Teu corpo em meus braços,

Meu corpo enrolado em ti,

Não se viam linhas ou traços

Que impusessem algum fim.

 

Nada mais nos importava,

Tudo estava prá além de nós,

Ali, só nosso amor reinava.

 

Firmámos um secreto trato,

Era como se vivêssemos sós,

Tudo findava naquele quarto.

 

Francis Raposo Ferreira

18/12/2019

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Novos Contos de Natal da Matilde 2019

 

18 - O Despertador de Natal

 

Assim que acabaram de jantar, Bela disse a Matilde que fosse para junto do avô, pois estava muito frio e logo arrumariam a cozinha no dia seguinte, era o que a pequenita mais desejava ouvir:

- Avô, conta-me a minha história que quero ir para o quentinho da minha cama ficar a ouvir a chuva a bater no telhado.

- Acho muito bem, hoje também não me vou fazer velho por aqui.

- Oh avô, velho já tu és. Velho não, que velhos são os trapos, és velhinho.

- Tu sabes é muito. Vamos lá.

 

Matilde andava curiosa por saber o que é que os pais lhe iriam oferecer pelo Natal. A menina sempre recebera boas prendas, mas agora, a situação era diferente dos anos anteriores, o pai perdera o emprego de muitos anos e, ainda, não conseguira arranjar outro.

Alguns dias antes do dia de Natal, escutara uma conversa entre os pais e, apesar da sua tenra idade, percebera que eles não tinham dinheiro para grandes prendas. Ouvira a mãe dizer que se não fosse o seu miserável ordenado, até fome passariam. O pai manifestara a sua tristeza, mais por não poder continuar a garantir a boa vida que sempre lhes proporcionara, que por qualquer outra razão, inclusive por não poder dar um Natal cheio de prendas à filha, como sempre fora costume.

Matilde sentiu-se na tentação de ir dizer aos pais que não queria que eles se preocupassem em comprar-lhe prendas, mas tinha medo que isso os deixasse ainda mais tristes, pois ficariam a saber que ele sabia toda a verdade sobre a verdadeira situação da família. Confiou no bom senso do pai, tinha a certeza que ele arranjaria maneira de lhe arranjar uma prenda sem gastar muito dinheiro.

Na noite de Natal, Matilde, fingindo não saber de nada, dava mostras da mesma curiosidade que costumava ter nos anos anteriores. A verdade é que ela estava mesmo curiosa, não pela prenda em si, mas para ver até onde ia a imaginação dos pais. Eram dez para a meia-noite quando pediu ao pai que a deixasse começar a abrir as prendas. Havia quatro na árvore de Natal, como era costume, duas para ele, uma para a mãe e outra para o pai. Estranhou, mas não disse nada.

Desembrulhou a mais pequena, um livro de histórias, visto não gostar de receber brinquedos. Aguardou que a mãe desembrulhasse a dela, era sempre assim. Seguiu-se o pai e só então chegou a vez de desembrulhar a grande. A curiosidade não era exclusiva da pequenita, também a mãe sentia um certo formigueiro. Se por um lado temia que o marido não tivesse resistido e tivesse feito alguma loucura, por outro confiava no bom senso daquele com quem decidira partilhar a vida.

Matilde rasgou o papel que revestia a caixa, abriu-a e deu de caras com um enorme despertador. Esboçou um sorriso, embora não compreendesse bem o significado daquela prenda. A mãe, parecendo partilhar do espanto da filha, olhou para o marido com um ar interrogador:

- Filha, os pais têm andado a passar por algumas dificuldades, assim, resolvi aproveitar os meus conhecimentos de electrónica e construí esse despertador para ti. Não é um despertador normal, antes pelo contrário, foi feito a pensar em ti.

Matilde olhou para a mãe, correram ambas ao encontro do pai e trocaram o abraço mais apertado que já alguma vez tinham trocado em Natais anteriores.

Os dias passaram, Matilde nem mais se lembrou do despertador, até que chegou o dia de regresso às aulas. Na noite anterior, como era costume, foi ajustar o despertador que tinha sobre a mesa de cabeceira, para a hora desejada. Só nesse momento se recordou da prenda do pai, foi buscar o grande despertador, acertou as horas e programou o despertar.

Matilde pensou estar a sonhar, alguém a chamava, carinhosamente, pelo seu nome, ao mesmo tempo que entoava uma das canções que mais adorava. Esfregou os olhos, olhou em redor e não viu ninguém. Que sonho mais esquisito. Preparava-se para voltar ao sono, quando tudo recomeçou. Oh não. Concentrou-se e apercebeu-se que o som saía do seu novo despertador. Compreendeu tudo, estava na hora de levantar.

Desde esse dia, nunca mais chegou atrasado à escola. Chegou mesmo a colocar o despertador a tocar mais cedo só para poder ficar a ouvir as suas canções favoritas, pois a cada toque, soava uma canção diferente.

Matilde ria-se, como os pais nunca a tinham visto rir, quando eles se vinham deitar na cama da filha e, ali, ficavam os três a ouvir as belas canções saídas do despertador.

 

Moral: “Tudo que é feito com amor, acaba por florescer mais cedo ou mais tarde”

 

Francis D’Homem Martinho

18/12/2019

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Culpas

Culpas

 

Não peças para escrever mais poemas,

Confesso, já me não gosto escrever,

Não é porque me escasseiem os temas,

Nem tampouco arte. Falta-me prazer.

 

Dediquei, tantos, versos ao amor,

Muitos mais que dediquei à saudade,

No entanto, persiste em mim esta dor,

Que se vai acentuando com a idade.

 

Não penses que deito culpas a ti,

Culpas, não as lanço sobre mais ninguém,

Que não seja eu. Culpo-me só a mim.

 

Culpo-me por confessar, à caneta,

O quanto te quis, o quanto te amei.

Culpo-me por me ter como Poeta

 

Francis Raposo Ferreira

13/12/2019

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Doido Encerado

Doido encerado

 

Num mundo de doidos varridos,

Sinto-me um privilegiado,

Pois entre os estados oferecidos,

Escolhi ser doido encerado.

 

Nada tenho contra as vassouras,

Mas sempre fico mais brilhante,

Quem sabe até espelhe senhoras

E algum de todo o seu desplante.

 

Muitas vêm bem perfumadas,

Com seus casacos de vison,

Sem se saberem assim observadas.

 

Despem os casacos, descontraídas,

Então é que lhe vejo o bem bom,

Bigodes e barbas bem compridas.

 

Francis Raposo Ferreira

17/12/2019

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à Porta da Igreja

À Porta da Igreja

 

À porta da igreja de S. Domingos,

Uma cena deveras hilariante,

Protagonizada pelos mendigos

Que ali são presença constante.

 

Uma troca de palavras mais dura

Conduziu a algumas agressões,

Assistiu-se a uma cena de loucura

Com as mais caricatas situações.

 

O coxo esqueceu-se das muletas,

Levantando-se num salto de artista,

Ensaiando umas quantas piruetas,

Que até o cego ganhou nova vista.

 

O maneta assentou tal estalada

Na face seu valente opositor,

Que esta ficou tão avermelhada

Como o mais vivo desta cor.

 

O mudo só gritava, com malicia,

“Parem, olhem que triste figura,

Não tarda muito está aí a polícia,

E nós é que vamos pagar a factura.”

 

Os turistas não percebiam nada,

Pensavam ser algum acto de Natal,

O Sacristão tinha a porta fechada,

O Padre não saíra do espanto inicial.

 

Chega a policia, mais confusão,

“Eu conto, eu é que vi tudo”

Diz o cego com grande convicção,

Nisto ouve-se um grito do mudo.

 

“Calma aí, eu é que vou contar”

O maneta joga as mãos ao papelão,

O coxo aproveita e põe-se a andar,

Deixando a muleta pelo chão.

 

A policia fala com o sacristão,

“Vão sair todos daqui, toca a andar”

Vem o Padre “Oh Sr. Agente, então,

Estamos no Natal, deixe-os ficar.”

 

Vai-se a Policia, vêm os mendigos,

Tudo volta à Santa normalidade,

Pede-se esmola à porta de S. Domingos,

Passeiam os turistas pela cidade.

 

Francis Raposo Ferreira

17/12/2019

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Novos Contos de Natal da Matilde 2019

 

16 - O Pai Natal.

 

- Avô, esta noite dormi maravilhosamente bem, conta-me outra história de Natal com um final como o de ontem.

O avô, percebendo o que a neta queria dizer, não se fez rogado, pois histórias com uma moral forte no fim, era o que mais gostava.

 

David, um miúdo na força dos seus sete anos, era oriundo de uma família muito pobre, talvez a mais pobre da sua aldeia, pelo que as suas prendas de Natal eram sempre coisas que muito jeito, lhe dariam no dia-a-dia, um pijama, um casaco, umas calças, etc.

O pai de David emigrara há alguns anos para o Brasil, pelo que o último Natal que passara com o filho já distava três anos. A mãe, que deitava mão a tudo que lhe pudesse ajudar a atenuar a constante falta de dinheiro, trabalhava no campo, caiava as casas dos vizinhos, tratava do gado e tudo mais o que lhe fosse oferecido, pelo que pouco tempo tinha para estar com o filho.

As noites eram demasiado curtas para recuperar energias, o que fazia com que deitassem sempre muito cedo. Havia, no entanto, uma coisa que Maria Adelaide sempre fizera questão, principalmente depois do marido partir para o Brasil, passar a noite da consoada acordada até que o filho se deixasse vencer pelo sono. Nesse momento, Maria Adelaide vestia um fato de pai Natal, que ela mesma confecionara, escapava-se sem acordar o filho, saía e batia à porta imitando o tão querido velhinho.

Mas neste ano, ah neste ano, David iria receber o presente com que todos os meninos sonham, todos quer dizer, aqueles que não o têm. Estavam ainda a jantar, era sempre a mesma coisa na noite da consoada, bacalhau com natas, o prato preferido de David, quando ouviram bater à porta. Trocaram olhares. Quem poderia bater à porta àquela hora, principalmente com o mau tempo que se fazia sentir naquela aldeia perdida na serra. David sentiu medo e correu para o colo da mãe.

Maria Adelaide perguntou quem era. A única resposta que obteve foi novas duas pancadas no batente da porta. Levantou-se, agarrou na longa pá do forno onde cozia o pão, e dirigiu-se à porta:

- Quem é?

Uma voz meio rouca respondeu-lhe:

- Pai Natal.

Maria Adelaide, tão assustada quanto o filho, abriu o pequeno postigo da porta e viu uma cabeça com farta cabeleira branca, tal como as longas barbas:

- Mas que brincadeira é esta!

O homem estendeu-lhe um embrulho e disse-lhe:

- Sei que este ano não tiveste tempo para comprar uma prenda para o teu filho, por isso vim trazer-lhe uma.

O homem afastou-se sem mais palavras:

- Quem é, mãe?

- É o pai Natal, vem cá depressa.

David correu para a mãe, esta abriu a porta e gritou:

- Pai Natal, queres jantar connosco?

- Sim.

Jantaram os três. David estava encantado, tinha a história mais linda para contar aos amigos. Até resistiu mais do que era costume ao avanço do sono. No dia seguinte, ao saltar da cama, apercebeu-se que a mãe não estava sozinha, foi pé ante pé, mas não conseguiu esconder o seu espanto:

-Pai. Pai. Que bom que pudeste vir. Só tenho pena que não tenhas podido vir mais cedo. Sabes quem jantou cá em casa, ontem à noite?

- Não. Quem foi?

- O Pai Natal. Eu vi o Pai Natal.

David aninhou-se no colo do pai:

-  Sabes uma coisa pai?

- Não. Diz lá.

- Sempre sonhei poder ver o Pai Natal ao vivo, mas se, ontem à noite, me dessem a escolher entre jantar contigo ou com ele, eu escolhia-te a ti.

 

Moral: Se o sonho é que comanda a vida, o sangue é que nos permite viver essa mesma vida.

 

Francis Raposo Ferreira

16/12/2019

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Traços de Ti

Traços de ti

Em todos, cada um, de meus tristes traços
Traçados, e a traçar, sobre o papel,
Recordo-me do calor de teus braços,
Da suavidade de tua pele.

Deixo-me levar no ritmo dos dedos,
Esquecendo-me de minha vontade,
Sonhando desvendar alguns segredos
Prometidos na doce intimidade.

Abstrais-te de meu traçar, totalmente,
Entregando-me as rédeas da leitura,
Sabendo que te traço, fielmente.

Temo não encontrar o traço perfeito,
Aquele de tua fina cintura,
Olho-te, sinto que lhe ganho o jeito.

Francis Raposo Ferreira
15/12/2019

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Pensamentos que Voam

Pensamentos que voam

 

Pensamentos que voam

Até ao teu corpo,

Palavras que nos soam

Num ritmo louco.

 

Penso em ti, fico inquieto,

Penso na tua pele macia,

Fecho do teu vestido, aberto,

Que pelas costas descia.

 

Teus ombros desnudados,

Brilhavam no meu pensamento,

Perdido em encantos recusados.

 

Teus seios, de bicos erectos,

Tornaram-se meu tormento,

São meus pensamentos secretos.

 

Francis Raposo Ferreira

15/12/2019

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Novos Contos de Natal da Matilde – 2019
 
15 - Mistério de Natal
 
Matilde acorda com a felicidade ainda estampada no rosto, desce as escadas a correr, vai até junto do avô e diz-lhe:
- Bom dia avô, obrigado pela linda história que me contaste ontem à noite.
- Gostaste mesmo de verdade?
- Sim, hoje quero que me contes uma daquelas tuas histórias com moral no fim.
À noite, logo após o jantar, enquanto Bela lia junto à lareira, a pequenita aninhou-se no colo do avô e este não tardou.
 
Era uma vez uma mulher muito pobre, ela era tão pobre, tão pobre, que para poder dar de comer aos seus dois filhos, muitas das vezes ficava ela sem comer. Mas aquela mulher tinha tanto de pobreza como de alegria, é verdade, ela levava os seus dias a sorrir, nunca ninguém na aldeia a vira com uma cara triste e também nunca ninguém ouvira da sua boca qualquer lamento pela vida de pobreza que levava.
Um dia, o padre da aldeia resolveu investigar como é que era possível que alguém que nem tinha de comer, conseguia levar uma vida de resignação tão forte e com uma alegria que surpreendia a todos. Assim procurou uma forma de se cruzar com a mulher:
- Olha lá minha filha, está a aproximar-se o Natal e eu gostava de ter uma conversa contigo. Importas-te de ir comigo até à igreja?
- É claro que não me importo nada, Sr. prior. Só lhe peço que não me demore muito, tenho os miúdos sozinhos em casa.
- Podes ficar tranquila, será uma conversa rápida.
Caminharam, lado a lado, até à igreja e, uma vez aí entrados, disse-lhe o padre:
- Minha filha, não queres aproveitar para te confessares?
- Ora Sr. Prior, se eu me pusesse a confessar nunca mais saíamos daqui, tantas são as cabeçadas que tenho dado na vida.
- Qual quê minha filha, também não deves ter tantos pecados assim como isso, vejo-te sempre a sorrir.
O padre sabia como conduzir a conversa para o caminho que mais lhe convinha para atingir os seus objectivos.
- Então Sr. Prior, o que é que uma coisa tem a ver com a outra?
- Então minha filha, quem tem a consciência pesada de pecados não consegue levar uma vida tão risonha como tu levas, ainda por cima com todas as dificuldades com que vives, isso só pode ser conseguido com a ajuda de Deus.
O padre foi insistindo e o tempo foi passando, sem que qualquer um deles tivesse ao certo a noção de como este voava. Os filhos começaram a estranhar a demora da mãe e resolveram ir à sua procura, perguntaram a duas ou três pessoas da aldeia, mas ninguém vira a sua mãe, até que um velho homem lhes disse que a vira passar na companhia do padre. Resolveram ir até à igreja. Empurraram a porta devagarinho e foram entrando, deixaram os seus olhinhos habituarem-se à penumbra que se instalara no interior e percorreram-no com o olhar. Descortinaram a mãe junto ao confessionário e combinaram não a interromper, caminharam em bicos dos pés e aproximaram-se o mais que puderam:
- Mas então, se tu nem tens comida que chegue para ti e para os teus filhos, como é que consegues andar sempre a sorrir?
- É precisamente por não lhes poder dar a vida que eu tanto desejava dar-lhes, é que eu ando sempre a sorrir, pelo menos dou-lhes a minha felicidade. Quando me deito, a sós comigo, então sim, liberto toda a minha dor e todo o meu sofrimento.
Os filhos estão perplexos, então tudo o que a mãe lhes contava não passava de simples histórias que ela inventava para lhes fazer crer que havia comida com fartura para todos e que ela levava a vida com que sempre sonhara. Decidiram retirar-se.
A mãe assustou-se, quando se apercebeu do tempo que entretanto passar, pediu desculpas ao padre e correu para casa. Os filhos tinham decidido não lhe dizer nada.
Na manhã do dia seguinte, os garotos deixaram sair a mãe e resolveram pôr o seu plano em marcha, saíram de casa, correram e …
- … Mas o que é isto? O que significa tudo isto?
- Minha senhora, permita que me apresente, eu sou um homem muito rico, mas também um homem muito agradecido. Posso contar-lhe uma pequena história, real?
- Sim pode, é claro que pode, mas eu gostava que me explicasse o que é isto tudo.
- Quando ouvir a minha história, compreenderá.
A mulher sentou-se num dos bancos, quase a ameaçar partir-se, que existiam na sua humilde casa e ofereceu a cadeira melhor ao ilustre desconhecido, este sentou-se, cruzou as pernas, entrelaçou as mãos e começou:
- Há muitos anos atrás, numa noite de consoada, eu e a minha esposa tivemos uma terrível discussão por causa de ela ter gasto dinheiro numa prenda para oferecer ao filho de um empregado nosso, então a minha esposa resolveu ir para casa dos meus sogros, levou o nosso filho com ela enquanto eu fiquei em casa a deliciar-me com o banquete que ela preparara para nós. Estava uma tempestade terrível, mas eu só me preocupava com o dinheiro que ela gastara, nem me dei ao trabalho de a tentar convencer a ficar, foi só no dia seguinte, quando vi surgir o meu sogro que percebi toda a tragédia, a minha esposa e o meu filho não tinham chegado ao seu destino. Entrei em pânico, compreendi a gravidade dos meus actos. Procurei-os por todo o lado, mas nada, parecia que a terra os tinha engolido. Começava a perder a esperança de os encontrar com vida quando os vi aparecer à minha porta, vinham muito maltratados, minha esposa mal conseguia caminhar e o meu filho era transportado ao colo de um velho homem. Tinham sido atingidos por uma árvore que a tempestade derrubara, e fora aquele velho homem que, ao ouvir os seus gritos, os fora socorrer, lutou quase toda a noite para os retirar de debaixo da árvore, abdicando da sua própria noite de consoada junto da mulher e dos filhos. Jurei nesse mesmo dia que, todos os Natais, iria de aldeia em aldeia a oferecer um Natal melhor a quem precisasse, não queria mais saber de dinheiro.
- Sim, mas o que é que isso tem a ver com tudo isto?
- Hoje de manhã cheguei a esta aldeia e fui falar com o Sr. Prior, para ele me indicar quem mais precisava da minha ajuda, foi nessa altura os seus filhos apareceram na igreja, parece que iam falar com ele. Indicou-mos de imediato. Perguntei-lhes o que mais desejavam como prenda de Natal. Sabe qual foi a resposta deles?
- Não senhor.
- Que a melhor prenda era poderem realizar o sonho da mãe. Contaram-me a conversa que ouviram entre a senhora e o Sr. Prior. Compreende agora?
- Vocês ouviram a minha confissão?
- Sim mãe, ouvimos, mas…
O ilustre desconhecido olhou-os nos olhos e fez-lhe um sinal para que parassem.
Nessa noite, enquanto a mãe meditava em tudo o que se passava e se convencia, cada vez mais, de que reconhecera Jesus no rosto daquele homem, os filhos interrogavam-se um ao outro:
- Mano, como é que aquele homem adivinhou os nossos desejos? E como é que ele soube que nós ouvimos a confissão da mãe?
Nenhum dos dois conseguiu encontrar resposta para as suas dúvidas. Deitaram a cabeça sobre a almofada, aconchegaram a roupa e adormeceram.
 
Moral: “O coração das crianças é a maior fonte amor, por vezes os adultos é que a contaminam ”
 
 
Francis D’Homem Martinho
15/12/2019
 
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Novos Contos de Natal da Matilde 2019

 

O Livro Mágico

 

O avô, após conseguir recuperar do estado emocional provocado pelas doces palavras da neta, lá começa a contar a prometida história.

 

Era uma vez um menino que vivia muito feliz, mas um dia, essa felicidade que trazia sempre estampada no rosto desapareceu. Toda a gente sabia o motivo da mudança do menino, seu pai tivera de emigrar para bem longe.

O menino nunca mais foi aquele menino de sorriso espontâneo. Saía da escola a correr, entrava em casa ainda a correr, e era a correr que subia as escadas até ao sótão onde seu pai lhe construíra o seu quarto. Atirava a sacola para cima da cama e deixava-se ficar, de cotovelos apoiados no parapeito da janela, a olhar o horizonte, como se estivesse permanentemente à espera de ver surgir o pai.

O menino tinha esperança que com a aproximação do Natal, seu pai regressasse, mas o local para onde ele emigrara, era mesmo muito longe. A verdade é que sua mãe não lhe contara a história verdadeira, seu pai tinha ido para a guerra e lá tinha sido dado como morto, embora o seu corpo nunca tivesse sido encontrado.

Na noite da consoada, a mãe teve de fazer um enorme sacrifico para não contar a verdade ao filho, quem sabe se também ela mantinha acesa a esperança que tudo não passasse de um engano e o marido surgisse de repente.

Como sempre faziam, reuniram-se, em casa dos avós maternos, com o único tio do menino, irmão de sua mãe, com aqueles e também com os avós paternos, visto seu pai ser filho único. Jantaram e, numa tentativa de animarem o menino, decidiram não esperar pela meia-noite para distribuírem os presentes. Nada servia para tirar o menino daquele estado de tristeza permanente, a não ser um simples livro que apareceu, sem ninguém saber explicar como, na árvore de Natal Era um livro simples, “Histórias de um pai para o seu filho”.

O menino abriu-o, leu a primeira história e não deu mostras de grande interesse no livro, mas, mesmo assim, apertou-o entre os braços e não mais o largou. Quando se foi deitar, era costume dormirem em casa dos avós durante toda a quadra de Natal, fez questão de levar o livro consigo.

No outro dia, o menino acordou com aquele sorriso de outrora, todos se entreolharam, mas ninguém ousou perguntar nada. Assim foi sucedendo noite após noite, o menino ia-se deitar mas acordava com um sorriso digno de se ver.

A mãe, passados alguns dias, ainda continuava intrigada com o que se passava com o filho, pelo que, uma tarde em que ele voltava da escola, convidou-o a sentar-se junto a ela e preparava-se para lhe perguntar o que estava a acontecer, quando o menino a surpreendeu:

- Sim mãezinha, sei que deves pensar que sou maluco, vou-me deitar triste e acordo a sorrir, mas não sou. Vou contar-te um segredo, mas fica só entre nós. Prometes?

- Sim.

- É o pai. Sabes, aquele livro que apareceu na árvore de Natal, foi o pai que o escreveu. Agora, todas as noites me vem ler uma daquelas histórias.

- Que bom, meu filho. O pai ama-te muito.

- Não! O pai ama-nos muito.

Nessa noite, a mãe foi, pé ante pé, até à porta do quarto do filho, abriu a porta devagarinho e nem queria acreditar no que via. Era verdade, o marido encontrava-se sentado na borda da cama, com o filho sentado nos seus joelhos e ia-lhe lendo uma das histórias que fazia parte do livro. Retirou-se em segredo e foi-se deitar.

No outro dia, depois do filho sair para a escola, foi ao seu quarto, folheou o livro e!!!

Não podia ser, as páginas do livro estavam todas em branco, só com o nome do marido, escrito com letra do filho, no final de cada uma. Percebeu tudo. Estava na presença de um livro mágico, um verdadeiro milagre de Natal.

 

Moral: “Nunca desfaças o sonho de uma criança e, ela, de nada mais precisará para ser Feliz.”

 

Francis D’Homem Martinho

14/12/2019

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Novos Contos de Natal da Matilde 2019 – 13

 

Amor Genuino

 

 

Matilde não consegue perceber o que se passou. Não tem ideia alguma de se ter deitado, mas o que é um facto é que está deitadinha na sua quente caminha.

Esfrega os olhos, coça o queixo e constata uma verdade, no dia de ontem, o avô não lhe contou o habitual conto de Natal. Ah, mas isso não é nada que não se possa resolver.

Levanta-se, trata de lavar a cara, pois nem sequer quer estar a demorar-se com um banho mais demorado, logo mais tratará disso, agora é hora de ir ter com o avô e pôr a escrita, o que é o mesmo que dizer, a conversa, em dia:

- Bom dia avô.

- Olá minha dorminhoca. Isso é que é dormir.

- A Bela, não está em casa?

- Não. Querias alguma coisa em especial dela, ou é algo que eu possa resolver?

- Claro que podes, aliás, só tu podes resolver o caso.

- Verdade! Que se passa?

- Ontem, deixaste-me ir deitar sem me contares a minha história de Natal.

- Contar-te uma história, ontem! Com o sono que tinhas, nem uma boa história te manteria acordada.

- Pois, é verdade, mas hoje, para compensar, tens de me contar duas. Como a Bela não está cá, podes contar-me uma enquanto tomo o pequeno-almoço, pois sei muito bem que se ela cá estivesse, te desculpavas com ela e não me contavas história nenhuma.

- Estás completamente enganada. Estava aqui mesmo a pensar em qual história te haveria de contar para compensar a noite de ontem.

- Avô! Tu és cá um espertalhão. Pensas que eu não sei, muito bem, que estavas era a desejar que a Bela chegasse antes de eu descer, para te raspares.

- Sinceramente, eu aqui preocupado e triste por não te ter contado a história e é essa a paga que me dás.

Matilde vai abraçar o avô, pedindo-lhe desculpa:

- Pronto, está bem, reconheço que fui injusta contigo. Qual é a história que tens para me contar?

- É a história de um menino e o seu livro mágico.

- Avô! Outro livro mágico?

- Sim, é verdade, mas este não tem nada a ver com dinheiro ou alguma coisa do género. Quero que a escutes com atenção e depois me digas qual a lição que esta minha história te ensinou. Sabes que eu, de manhã, estou sempre assim mais virado para as lições de moral.

- É verdade, avô, já há algum tempo que não me contas uma dessas tuas histórias com uma grande moral no final. Sabes uma coisa?

- Eu não sei, mas calculo que tu me vais dizer. Não é verdade?

- Claro que sim, tu sabes que eu te digo, sempre, tudo.

- Estou à espera.

- As tuas histórias, sejam elas de Natal, ou não, têm sempre uma moral em comum.

- Sim! E qual é ela?

- Tenho o avô mais querido do mundo, mesmo sabendo que ele nunca ajudou o pai Natal a distribuir prendas, ou que nunca ofereceu livro do dinheiro algum ao Tio Patinhas.

- Oh miúda, acho que ainda estás meio a dormir, ou então estás a delirar com febre.

- Avô, se não te lembrares de história nenhuma para me contares agora, não faz mal, deixa-me só ficar assim no teu colo e encostada ao teu peito.

O avô não consegue evitar que uma lágrima lhe corra face abaixo e se vá depositar na cabecinha da neta.

 

Francis D’Homem Martinho

13/12/2019

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CPP