Posts de J. A. Medeiros da Luz (57)

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Visita na antemanhã

Visita na antemanhã

 por J. A. Medeiros da Luz

 

— Yossefe, assunte: tem uns caboclos chegando!

De três deles diviso os vultos na areia.

E lá vêm esses três montados em camelos.

Deixe o bebê no cocho, Yossefe, com as cabras,

E mais esses burricos e mais essas ovelhas;

Largue-o um só instante, que os peregrinos

Marcham em direitura para este aprisco.

 

— Sim, Miriam, e vejo também, lá no alto,

Uma estrela brilhosa sobre os caminhantes.

E são ricos... percebo as muitas pedrarias,

Rutilando igualzinho a estrelas nos arreios!

Ó doce Miriam, com medo me pergunto:

Que vieram fazer aqui por Nazaré??

 

 

Ouro Preto, 21 de janeiro de 2024.

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Ocaso

Ocaso

por J. A. Medeiros da Luz

 

Degustando um café, observo da varanda,

Ao lusco-fusco, no clarão sanguinolento,

Sobre os cumes dos montes, à luz do crepúsculo,

No que outras dezenas de asas buscam ninho,

De dorso azul negrusco uma andorinha única

Exibe acrobacias rápidas, nervosas,

Talvez tragando no ar desditosos insetos,

E quase competindo com algum morcego.

 

Nos últimos trinados que se ouvem, parcos,

A noite se avizinha e não demora muito

A lançar essa tal tarrafa de penumbras

Sobre os mil sortilégios secretos da noite.

 

— Recolha-te ao abrigo, ó louca avezinha,

Que a noite se avizinha, a pouco se avizinha!

Amanhã terás inda mais um novo dia,

Para teceres vãs evoluções ao vento.

E quem tal me sussurra chama-se Esperança.

 

Ouro Preto, 10 de dezembro de 2023.

 

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Arquimandrita

Arquimandrita

J. A. Medeiros da Luz

 

Ao se despedir das luzes, solitário,

O velho prior suplica, cantando ao vento,

O qual suscita o farfalhar das folhas

Neste alto de colina onde demoram

— Em cogitações silentes, fluidas,

Que nem pétalas à deriva no igarapé,

Quais arabescos de polens voejantes —

Seres angelicais, etéreos, plasmados a brisa.

 

Pois, assim, poderão eles insuflar,

Naqueles ignotos grotões do paraíso,

O eco das notas lamentosas do asceta,

A estradar a santidade, tão dificultosa,

Via o sinceríssimo fervor do salmo.

 

E, no que escoa o mistério imponderável

Da sucessão gotejante dos instantes,

Aves altivolantes, que giram com vagar,

Circum-navegando o limiar do zênite,

Por ventura põem-se lá a inquirir:

 

— Por que, após milênios, voltamos a ouvir,

A levitar nos rarefeitos ares da montanha,

Tais sílabas intensas em aramaico, idioma

Vetusto, proferido tendo sido, por primeiro,

Tão longinquamente deste outeiro,

Tingido, no momento, da luz do entardecer,

Tangido, no momento, dos dedos vaporosos do vento,

Já soluçante agora, em coro monotônico,

E em linha melódica com o velho santo?

 

Ouro Preto, 12 de novembro de 2023.

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Herói

Herói

J. A. Medeiros da Luz

Licht, mehr Licht! — [atribuído a] J. W. Goethe.

 

Eis, pois, que capitulo: desativo

O meu sabre de luz depois de muitas

Batalhas pelas causas improváveis.

Atiro ao monturo o meu elmo,

Mambrino invencível das galáxias.

No primeiro cabide dependuro

Aquela minha capa rutilante

Com que, por várias décadas, voei.

Paladino no cérebro e na alma,

Aposentei a máscara de ferro

Que minha identidade protegeu.

Arqueiro poderoso já não sou

E já apaguei as flamas comburentes

Que me envolviam todo o corpanzil.

 

No volver eu às velhas dimensões

(Três —e não mais — além do tempo, rio

Que carreia centúrias e batalhas),

Abro as cansadas pálpebras e vejo

Apenas o meu vulto, vacilando

Pela trilha dos sonhos em procura

De mais luz, de mais luz, tal como Goethe.

 

Ouro Preto, 7 de outubro de 2023.

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Sereia

Sereia

J. A. Medeiros da Luz

 

Cuidei, ontem à noite, a tardas horas,

Que acesa haviam lá deixado

Uma das lâmpadas do quintal.

Qual nada, qual nada!

A chuva de cristalitos virtuais

Emanava de globo iluminado, glacial:

Era mesmo a lua, borrifando

Seu halo de magia sobre o piso,

De palor cadavérico, alvacento,

E sobre a grinalda etérea da folhagem,

A qual, toda vestida de brisa e de aromas,

Vai balouçando de leve no quintal.

E a lua como que

A pulverizar sua neblina,

Plena de sortilégios, num convite

Para imersão na imaterialidade

Daquele oceano mágico,

Onde se dissolve o escoar das horas

E se dissipam os ubíquos dissabores

Daquilo a que chamam o real...

Era a lua a espargir tão docemente

Um cantar flébil, sonoroso de sereia.

Era a lua.

 

Ouro Preto, 05 de junho de 2023.

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Deleção

Deleção

 J. A. Medeiros da Luz

 

Repiso velhos caminhos ensombrados.

Nesta árvore nodosa

De harto caule, imemorial,

— Diga-me, Olegária, onde

Se escondem os nossos nomes,

Tendo por envoltória, tatuado

Em baixo-relevo, aquele coração;

Simulacro lógico dos tais

Cartuchos hieroglíficos,

A encapsular os designativos

De avelhantados faraós?

 

Ao contrário dos granitos, todavia,

O súber recompôs-se no decurso

Das décadas, essas apagadoras de ilusões,

Regeneradoras de floemas,

Multiplicadoras de calos e vivências,

Arrasadoras de calombos e quinas e arestas.

 

E isto constatando, minha cara,

Na fugacidade do instante em que retorno

A esta mesma praça de recreio e suspiros,

Eu (o seu velho Faustino)

Pergunto —entre ecos do passado —,

Pergunto, indago, inquiro afinal:

Onde está você, doce Olegária?

Em qual bifurcação de vias

Bifurcamos as nossas trajetórias?

 

Ouro Preto, 07 de novembro de 2022.

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Brota un recuerdo algo lejano

Brota un recuerdo algo lejano

— por J. A. Medeiros da Luz

 

Em vilegiatura recentíssima

— De trabalho embora —, por planuras

Onde a primavera foi fruída,

Revivo (nesta fina membrana

Do agora, do fugidiço instante,

Do galope fuginte do tempo):

 

Um fretinir sem fim de cigarras

Leva-me a páginas da vida,

Amarelecidas pelos dias,

Nas quais me sorriam com delícia,

Uns olhos, uns lábios, um porvir.

 

O estridular desse pretérito

Inda insufla música no espírito,

A evolar perfumes de saudade,

Tingindo de afeto o arco-íris,

Mitigando a bílis dos caminhos

Dos rugosos dias do presente.

 

 

Ouro Preto, 22 de outubro de 2022.

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Sátrapa

Sátrapa

 por J. A. Medeiros da Luz

 

Sou zênite e nadir, a envergar

Meus punhos rendados, meu chapéu tricórnio

E bengala encastoada em ouro de Ofir;

E, contrapondo-se ao dourar

Das fivelas fagulhentas dos sapatos,

A corrente do relógio reluzindo,

Catenária tridimensional

No percurso amplo do trajeto

Entre botão e algibeira do colete,

Pando na convexidade de meu ventre.

 

Zênite e nadir sou, vice-rei

(Com minha fúlgida cabeleira empoada)

Desta amplíssima província,

Quase sem lindes, tão descomunal.

Das lunetas minhas (encaixadas

Nos flancos dos ossos nasais),

Se abaixo as pupilas, posso ver

O deambular arisco, cauteloso,

Dessa arraia-miúda que popula

Meus domínios continentais.

 

Do zênite ao nadir eu incorporo,

Açambarco o quanto de útil possa haver.

E ai da tonta borboleta que ousar

Lamber néctar em meus jardins

Sem a mais que requerida

Licença Vice-Régia para tal!

Pois, gerânios e nenúfares e ipês,

E rosas e petúnias — tudo é meu.

 

Na lonjura dos césares reais,

Sendo eu — sim, eu! — vice-rei por cá, 

Pertencem-me coisas e seres semoventes

Que acaso cruzem por meus olhos,

Neste vice-reino dadivoso, que, afinal,

Circunscreve o orbe

Entre o zênite e o nadir.

 

Ouro Preto, 7 de agosto de 2022.

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Karábia

Karábia

J. A. Medeiros da Luz

"Navigare necesse, vivere non est necesse" — Cneu Pompeu Magno

 

Ó vós que haveis de ler

Estes assentamentos em nanquim

No diário de bordo que mantenho

Adicto às verdades extraídas

De uns astrolábios, giroscópios, bússolas:

 

Cá do alto, do cesto desta gávea,

Desde meu bergantim fantasmagórico,

Olhos fartos de tantas latitudes

Jogam sua tarrafa de mil fótons;

Contabilizo o meu cardume náutico.

 

Quatro dúzias de igaras, mais pirogas,

Vinte e dois brigues e dez caravelas,

Doze catamarãs e vinte iates,

Oitenta e um saveiros, cem bateiras,

Quatorze submarinos (que os vejo

Pela esteira que deixa um periscópio),

Mais de duzentos juncos e falucas,

Cinco vapores, bando de chalupas,

Dezoito belonaves, couraçados,

Dezessete caiaques, escaleres.

E duzentos e vinte seis ioles.

 

Vamos todos, assim febricitantes,

Por este furibundo Mar do Oblívio,

A ir por vendavais e calmarias,

Remando em rota rumo a nossa Roma:

A esquivadiça ilha da esperança,

Onde enfim nos aguarda a barcaça

Do incansável marujo, velho embora,

O limoso batel do deus Caronte.

 

 

Ouro Preto, 5 de julho de 2022.

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Escalando escadas de neblina

Escalando escadas de neblina
— j. a. medeiros da luz

Adorei-te, Calpúrnia, com transporte;
Amei-te em delírio, como o louco
— Se aproveitando de mais um cochilo
Do velho sacristão da capelinha —
Galga a torre do sino e divisa
O horizonte de vales e colinas
Verdejantes de vida e já conclui
Ser tudo dele; sim, dele é tudo!

Calpúrnia, (dói dizê-lo) bem o sabes,
Dia veio em que a pobre torrezinha
Ruiu súbita, fragorosamente,
Vítima do planeta, de intempéries.
Multimilenar seca, por seu turno,
Estorricou os vales, as montanhas.

E aquele pobre louco — que era rico —
Enfim depauperou-se; e o paraíso
Evanesceu-se em bruma, feito tu.

Ouro Preto, 2022 — maio, 25.

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Mamangaba

Mamangaba

J. A. Medeiros da Luz

 

Sob este sol de calidez oblíqua,

Nadando etereamente na brisa da manhã,

Ora a sotavento, ora a barlavento,

A traçar virtuais helicoides e parábolas,

Imerso num zumbido humílimo de umas asas,

Eu, esta pesada mamangava,

Com anéis heráldicos em jalne no abdômen,

Entre o belo negror de queratina,

Afrontando leis da física e da metafísica,

Sigo incansável, em voo, laboriosamente,

Em demanda de margaridas e rosas e begônias,

Pungindo de inveja o presumido espectro

Daquele fulgurante Leonardo da Vinci,

Que não voou, enquanto carne e pele e ossos.

 

Pois, num desplante, ousa-me considerar,

Sei lá por que (por mal de meus pecados?),

Um estrupício feioso e repelente

O moleque dentuço que agora há pouco

(Aquele biltre desalmado!)

Quase me acerta uma raquetada,

Lá na latada do maracujazeiro em flor?

 

Ou iguaria sou, na aferição,

Contabilização nutricional daquela,

Atilada lagartixa verde que,

Ali, do canto de seu muro, espreita,

Oscilando estranhamente o encéfalo,

Mira, remira, segue com volúpia,

Minha trajetória espiralada em arabescos

Neste sobrevoo sobre as azaleias,

De pétalas tão doces, tão dulciolentes?

 

E por que, afinal, nos importaria isso?

Fruamos os dias, ó amigos que me observais,

Recostados nas cadeiras rendilhadas da varanda

Empunhando, também alvas, porcelanas,

Plenas de café da variedade arábica,

Com ar meditabundo como se estivésseis

Prestes a — novos próceres do mundo,

Novos Leonardos! —

Aclarar os vastos segredos do cosmo.

 

Talvez, em vossas perquirições insignes,

Tenhais descobrido que a vida, ela mesma,

Não passa de iguana, de camaleão, de lagartixa

Esperando aquele dia gravado nas estrelas

No qual a sua língua do destino, pegajosa,

Irá nos finalizar os dias de voejo.

 

E deixando, de nós outros, somente o rastro

Nas moléculas do céu, e a convicção

De que, embora ínfimos, teremos, sim,

Sido úteis ao concerto universal,

No semear inesgotavelmente o futuro,

Levado a reboque, sem estardalhaço,

De jardim para jardim, de horta para horta,

Aderido às patas minhas peludas

E abarrotadas de pólen, grávidas,

Grávidas de vida futura.

 

Ouro Preto, 01 de março de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

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Mensagem na botelha

Mensagem na botelha

J. A. Medeiros da Luz

Como posso, Deus meu, numa só lauda,
De versos decassílabos, se tanto,
Agradecer a dádiva esplêndida
Que me há ofertado azo a que possa
Ver maravilhas mil e mil encantos
Pelas bordas dos ásperos caminhos?
Que tem me extasiado com frequência,
No levantar do sol, no fim do dia,
No negrume da noite estrelada,
Aqui, nesta ilha náufraga que habito.
Dádiva portentosa a que chamam,
Num misto de ternura e medo: vida!

 

Ouro Preto, 26 de fevereiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]

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Que cavalgadura estive sendo!

Que cavalgadura estive sendo!

 J. A. Medeiros da Luz

 

Pois busquei por vales e mil terras

Quase toda a vida (e aqui confesso)

Em demanda, muito aventuresca,

Da pedra do ardor filosofal,

Da senda secreta de Eldorado,

Na busca daquele Santo Gral,

Do excelso elixir da longa vida,

Do invencível elmo de Mambrino.

 

E, por todas essas maravilhas,

Tendo me arrojado em jornadas

Dignas dos heróis assinalados,

Só quando tornei, cansado e lúgubre,

A curtir mazelas e derrotas

É que percebi o diamante,

Perto da porteira da morada,

Que, pois, me esperara com paciência,

A contar cem luas se alternando.

 

Foi ao dar-me conta que eras tu

Que, enfim, conquistei o meu tesouro.

 

Ouro Preto, 25 de fevereiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]

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Ora eu a ouvir estrelas!

Ora eu a ouvir estrelas!

J. A. Medeiros da Luz

 

Fúlgida estrela-cadente

Se afundou no milharal.

Mas de todos dessa gente

Ninguém quis me acompanhar.

 

Dos que chamei para vermos,

Dizem ser muito normal

Caírem meteoritos,

Que são apenas detritos

Do espaço sideral.

 

Escavei todo o quintal,

Buscando em todos os ermos

Em baldado esforço ingente...

Quis alguém me sabotar,

Furtando-me cabalmente?

 

Com o coração contrito,

Suplico aos ladrões medonhos:

Queiram por fim devolver-mos.

Mesmo sendo algo bisonhos

Meteoritos no ar —,

São, afinal, os meus sonhos.

 

Ouro Preto, 23 de fevereiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

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Motim

Motim

— J. A. Medeiros da Luz

 

Presta atenção, ó renitente pluma,

Que, a rigor, de pluma só o nome tens!

Este mestre, mais um (entre bilhões)

Errante bípede na caatinga do cosmo,

Senciente observador de eventos,

Suplica, demanda, quer, exige agora,

Um poema de ti,

Pena rústica no estilo, mas

A esnobar técnicas eletrônicas

No simular rabiscos de píxeis nesta

Tela de líquido cristal, no ecrã.

 

Ordeno, repito, um poema exato,

Carregadinho de alegria,

Como de flores e frutos se carregam

Os caules das jabuticabeiras lá pelos

Meados de setembro, ou depois

Da primeira chuvarada.

Peça lírica onde paixão, felicidade

Estejam, como irmãs siamesas,

Enfeixadas em um só poema.

 

Vai, toma nota, e não te confundas:

Especifico que terás que ser também

Repleta de doçura, mel

Aos ouvidos daqueles suspirantes

Que se demoram a ouvir estrelas,

A balbuciar em êxtase um nome...

E tal poema terá de se primar

Em ser muitíssimo sincero!

E que isso seja-te óbvio, pois,

Que olor se espera de rosas

De plástico, de polipropileno colorido?

 

Vê: tenho laborado até hoje

Somente a expelir palpites,

Pitacos, insinuações tímidas a ti.

Agora, não mais — a postos!

Anda; o que estás a esperar,

Ó pena, tu que embirravas

— Nas décadas passadas, hoje pó,

Penumbras do inexistir, por certo —

A te derramar em penas?

 

Pois, doravante, eu decreto,

Deves sempre te lembrar da regra:

O verbo principal terá forçosamente

Que ser amar, amar, amar.

  

Ouro Preto, 13 de fevereiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

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Koko & All Ball (elegia a um primata não-humano)

Koko & All Ball

— J. A. Medeiros da Luz

 

E vieram lhe contar, minha cara irmã,

Que o seu gatinho,  em se extraviando,

Havia sido pisoteado por pneus;

Se o Todo Bola era de pelos aveludados, fofos,

Foi planificado, e o sangue, coagulando-se,

Fez da esfera peluda uma prancha inerte.

 

E vieram lhe contar, irmã,

Que a vida não é desfinita;

E cedo ou tarde há de se transmudar

Em vapores, éter, rememorações.

A amizade permanece, enquanto formos.

O amigo, por seu turno, transcende,

Vai em demanda de guloseimas, irmã,

Para além das trilhas ignotas de África,

Para além da linha do horizonte.

 

Irmã do Jota, minha pobre Koko,

Ponha-se alegre novamente!

Afaste de seus olhos as névoas da amargura,

Espaneje, da testa, as rugas de desolação.

Lembre-se, irmã, que o passado fica

Como colorido móbile, oscilante,

Sobre nossas cabeças, alegrando-nos,

Avivando a doçura das recordações,

Quando a brisa vem nos afagar,

Antevendo que estamos a carecer

De abraços dos amigos idos.

 

Você sabe bem:

Que as borboletas encherão sempre

Os jardins na estação certa;

Que o sol há de nos acalentar

Nos dias frígidos;

Que novos amigos se farão,

E que a dulcíssima lembrança

Dos que se foram se eterniza,

Até que nós mesmos partamos,

A buscar guloseimas

Para além da linha do horizonte.

 

Veja — neste exato agora —:

Ali voeja, voeja breve, um colibri

De dorso furta-cor e lindo.

Sorria, irmã, pois se você

Bem sabe falar, nos seus sinais,

Por certo há de saber sorrir...

 

Ouro Preto, 12 de fevereiro de 2022.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

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Nada de novo sob o sol

— J. A. Medeiros da Luz

 

Ah! O velho Sêneca, tão dado a consolações!

Vivesse hoje, argentário embora,

Com seu metódico discurso

De o mais estoico dos ascetas,

Montaria suas termas — sua tenda —

Com determinismo de engrenagens acopladas,

Naquele mais elegante bulevar

Incrustado em Beverly Hills, artéria

Por onde se escoam cédulas com a efígie

Do Franklin, não a daquele patife,

Que atendia pelo nome de

Tibério Cláudio César, et cetera.

 

E desandaria a lançar ao vento

Prospectos volantes,

De  veículo aéreo não tripulado;

Reclames, lindamente ilustrados,

A conclamar — eu o pressinto, ó Sêneca! —

Os plutarcas do entorno a sessões

Da mais lídima psicoterapia de plantão,

Verdadeiro (que se nos permita o paralelo)

Bisturi de aço ao cromo niquelado,

Desentranhando as vísceras da alma.

 

E, caro Sêneca, se tal assim se der,

Que ao menos nos escute este conselho:

Queira avisar, sem a mínima tardança,

A sua progenitora, já viúva,

A pobre Hélvia, desconsolada ainda,

Que de lhe obrigarem, novamente,

A navalhar os próprios pulsos seus

Perigo não haverá, porque

(Que se assossegue vosso coração, ó Hélvia!)

Os detestáveis Neros do presente,

Tais dissimuladíssimos dinastas

— Azeitados na posse de carroçadas de

Ações em bolsas de valores, criptomoedas —,

São um tanto mais sutis e mais polidos;

Ouso afirmar, mesmo (diga-o a Hélvia),

Que são um bocadinho mais civilizados.

 

Ouro Preto, 6 de fevereiro de 2022.

 

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Sem a esvoaçante túnica da fantasia

Sem a esvoaçante túnica da fantasia

J. A. Medeiros da Luz

Vincit qui se vincit” — provérbio latino.

 

Perdoai, amigos, ao dublê de vate,

Com um quê de trôpego na marcha,

Mesmo que se nos coagulem os miolos,

Pela iconoclastia sobre nossos mitos;

Cutucando (arrojadiço!) um vespeiro,

Ele nos convida a que miremos

A verdade desnuda, em pelo,

A emular fotos indiscretas,

Se for certo que aceitemos,

Dos preceitos do demônio (esse coiso!),

Que a carne enferma é, e frágil.

 

E isso dito, digo mais um pouco.

Aninha, em moça, era assaz namoradeira:

Maridos alheios lhe ouviram récitas.

O Carlos, aquele, passava em revista

Fila de Dulcineias... del Toboso, do Arrudas

(Mas perdendo para o Braga no merecer

Do Prêmio Motel de Literatura).

 

Difícil crer até na incômoda verdade,

Mas o pivete do Rimbaud, afirmam,

Traficava seres humanos em África

— E dizendo que, por delicadeza, perdera a vida...

 

Excelsos poetas, dúvidas não restam.

Haveriam, pois, de ter por meta

O usufruir, da parte de seus pósteros,

Do rótulo de equânimes com aquelas

Almas outras: dos pares, de terceiros?

 

Inda nestes tempos malucos

De sensata esquizofrenia coletiva,

Nisso não cremos, mas em que — se tanto —

Miravam benévolos verbetes biográficos,

Complacentes no quesito “vida pessoal”.

 

Ora vide, por conseguinte,

Damas e cavalheiros que tal ledes,

Como pulsam,  afinal, os ímpetos

De hormônios nas artérias dos mamíferos,

A que chamais humanos.

 

Faunos  cálidos fruindo esses trópicos,

A cujos próceres de gênio, inexpugnáveis,

Vós outros  cantais altivos hinos, reverentes,

Privativos dos veramente imaculáveis

Querubins, anjos, santos, serafins.

 

Ouro Preto, 04 de fevereiro de 2022.

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