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BESTA DE GÉVAUDAN

BESTA DE GÉVAUDAN

Miguel Carqueija

 

Não saia de casa à noite,

aguarde até de manhã;

que ela vem como um açoite:

a Besta de Gévaudan!

 

Quem tem um uivo medonho

e matar é o seu afã,

quem mais parece um mau sonho?

É a Besta de Gévaudan!

 

Ela é a fera noturna

que ataca para matar:

e pela noite soturna

está sempre a vaguear!

 

Nada consegue por medo

na perversa criatura,

que carrega o seu segredo

desde o monte até a planura!

 

 

Ó Deus, protege este povo!

Como será o amanhã?

Sempre mais mortes, de novo,

na vila de Gévaudan?

 

A Besta quer muito sangue

e não receia morrer:

deixa sua vítima exangue,

ela mata por prazer!

 

Que mal que fez esta terra

pra tamanho merecer?

E sustentar esta guerra

Com tão poderoso ser?

 

Cavaleiros e cachorros

o monstro já perseguiram

pelas charnecas e morros

porém nada conseguiram!

 

Precisamos de um herói

ou então de um grande santo

porque esta matança dói

e a Morte estende o seu manto!

 

É grande a dor no horizonte

e reina a fatalidade;

de onde será a fonte

que gerou essa maldade?12425227869?profile=RESIZE_584x

 

As patas pisam silentes

como forradas por lã;

punindo os impenitentes:

a Besta de Gévaudan!

 

Olhos de sangue injetados

cheios de ódio a nós espiam

enquanto os mortos, coitados,

pelas estradas jaziam!

 

É um lobo, uma hiena,

ou um dragão repulsivo

que nos mata sem ter pena?

Será dos céus um aviso

 

do que virá sobre a França

e que fará perecer

homem, mulher e criança

e será ver para crer?

 

Este é o flagelo de Deus,

a Besta é um vaticínio:

protejam os filhos seus

que aí vem o morticínio!

 

E o bispo na procissão

suplica o auxílio dos santos:

livrai-nos da maldição,

enxugai os nossos prantos!

 

Rio de Janeiro, 6 de abril de 2024

 

 imagem pinterest

 

A Besta de Gévaudan é um animal misterioso, que agiu na região rural de Gévaudan, na França, entre 1764 e 1767, gerando muitas lendas. Consta ter morto 113 pessoas, tendo sido por sua vez morta a tiro de espingarda por um camponês. O corpo se deteriorou, por isso hoje não há entendimento sobre que tipo de animal era.

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A Quarta Guerra Mundial

A QUARTA GUERRA MUNDIAL

Miguel Carqueija

 

O Tenente Orloff espiou por uma fenda na rocha que se erguia a pouca altura, no meio do deserto. Ajeitou seu traje de pele e chamou:

— Samuel, vam cá.

O sargento se aproximou, apertando sua clava na mão direita:

— Sim?

— Você enxerga muito bem. Quantos inimigos você calcula?

— Estão muito longe, tenente, mas eu diria que são quase duzentos. Tem muita mulher também.

— Isso é que eu acho ruim, é horrível lutar com mulheres.

— Parece que já estão levantando acampamento.

— Não podemos deixar que passem. Vamor reunir o pessoal. Voltaram depressa para junto da tropa e o tenente foi dando ordens:

— Artilharia! Sargento Sebastião, tem pedras suficientes?

— Sim, tenente. Essa região é bem pedregosa. Temos para vários disparos de catapulta!

— Ótimo! Infantaria, todo mundo está com o seu cacete na mão? Todos estavam. O Tenente Orloff passou rapidamente a vista na cavalaria: quatro cavalos, dois burros e seis soldados armados de chuços.

— Eles ainda não nos viram graças a essa formação rochosa! Soldaods, preparem suas armas! Eu vou ficar observando e quando o inimigo estiver bem perto, faço um sinal e todo mundo ataca de surpresa! E mais uma coisa: não quero ninguém sem capacete! Qualquer pedrada na cabeça pode ser fatal!

Assim começou uma das batalhas da Quarta Guerra Mundial.

 

Rio de Janeiro, 17 de janeiro de 2024.

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AMIGAS PARA SEMPRE

Amigas para sempre

 

Já não sei o que farei

se um dia eu te perder;

no dia em que te encontrei

a minha vida mudou

e ganhou todo o sentido;

meu caráter se elevou

como nunca tinha sido;

descobri porque existo

e quem eu sou na verdade;

e assim hoje eu não desisto

de combater a maldade

sem ter medo de morrer!

Sou Sailor Moon, esta é Luna,

desta gata eu fui aluna!

 

 

NOTA: Sailor Moon, a Princesa da Lua Branca, foi criada no Japão por Naoko Takeushi em 1991. Em sua origem, era a estudante Usagi Tsukino, de 14 anos, que não conhecia a sua herança cósmica do extinto Reino Lunar até ser procurada pela gata falante Luna, vinda da Lua e de um remoto passado, que a ensinou a se transformar e utilizar seus poderes e a orientou na sua missão de defender o Amor e a Justiça. Com o tempo Sailor Moon já não precisava mais do encorajamento e orientação da gata, mas nunca pensou em se separar dela e deu a Luna, para sempre, um lugar de destaque em seu coração.

 

imagem de arte: Pinterest12310345483?profile=RESIZE_400x

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O extraterrestre no telefone

 

O EXTRATERRESTRE NO TELEFONE

 

Miguel Carqueija

 

 

         Deviam ser três horas da madrugada, no melhor do sono, quando o telefone começou a tocar desesperadamente, arrancando-me de um longo e confuso sonho cheio de omeletes, faraós e macacos-prego. Tudo acontece e tudo se mistura nos sonhos, como vocês sabem. O fato é que, estremunhado, sentei-me a contragosto e estendi a mão para o aparelho.

         — Alô! — minha voz devia ter um acento levemente irado, como a dizer: “Isto são horas?”.

         — Alô! — uma voz nervosa, rouca e aflita, masculina, se fez ouvir. — Quem fala aí?

         — É o morador — de fato, eu achava um desaforo ter de me identificar perante um estranho qualquer que me acordava intempestivamente altas horas da noite.

         — Por favor! Eu sei que o senhor não vai me acreditar, mas preciso da sua ajuda! Eu estou preso aqui!

         Deveria desligar? Como qualquer pessoa normal, abomino trotes.

         — Ligou para o número errado. Eu não sou advogado.

         — O senhor não está entendendo! Eu estou preso na linha! Isto é, na linha do telefone!

         — Muito interessante, mas agora não tenho tempo! Boa noite!

         Desliguei e tentei voltar para o travesseiro.

         O telefone tornou a tocar.

         Atendi de novo, já imaginando quem era.

         — Alô! Por favor, não desligue! Deixe ao menos que eu explique a minha situação!

         — Quem é você, afinal?

         — Bem, o meu nome é Jykvskyoulhmninsky...

         — O que?

         — ... e sou habitante de Strkpqôzthzon, e é a primeira vez que passo por aqui...

         — Olhe, eu não conheço esse lugar que você falou...

         — É claro que não! Vocês não sabem viajar pelas dimensões!

         — Hein?

         — Agora o senhor começa a compreender. Nossa raça está acostumada a fazer passeios entre as várias dimensões do Universo, e geralmente não somos percebidos pelos habitantes locais em razão da diferença de frequência. Mas dessa vez aconteceu um acidente comigo: fiquei preso na frequência do seu aparelho, e não consigo sair de dentro da sua linha. E eu preciso voltar para casa! Tenho dezenas de oquinozes para lustropicar amanhã, e meu patrão não é muito camarada. Não posso chegar atrasado!

         — Ah, meu Deus... isso só acontece comigo — pensei amargurado. Assim mesmo tentei enfrentar a situação:

         — Bem, não se desespere, homem. Afinal, isso é o tipo da coisa que pode acontecer a qualquer um. Mas esclareça alguns pontos: quantas horas tem o dia no seu planeta?

         — Não muitas... só 74.

         — E que horas devem ser lá agora?

         — Umas 63 ou 64... já é tarde, percebe? Eu tenho que pegar amanhã às 30 e tenho que dormir pelo menos algumas dezenas de horas...

         Lembrei-me que não tinha indagado quantos minutos tinham as suas horas, mas faltou-me coragem.

         — Mas, Jyk... mas, meu amigo, você é um ser corpóreo, desculpe perguntar?

         — É claro! Está pensando que eu sou algum fantasma?

         — Não, não... mas como é que você pode ter ficado preso numa frequência telefônica, como se fosse uma onda ou sei lá o que?

         — Ah, isso — pareceu-me que ele sorrira de alguma maneira. É fácil entender, facílimo. Acompanhe o meu raciocínio:

         — Antes de mais nada, a saída dimensional provoca uma dissociação da nossa matéria original, e o todo do nosso conjunto — corpo, roupas, equipamentos e personalidade — ficam como que unificados numa faixa de campo vibratório. Por isso podemos, se assim o quisermos, passar despercebidos em outras dimensões ou universos. No retorno ao meu mundo eu serei devidamente decodificado pelo aparelho transdimen, que me reconstituirá plenamente. Como pode ver, é simplíssimo.     

         — Tem toda a razão. Mais fácil que isso, só o bê-á-bá.

         — Só o que?

         — Esquece. Mas considerando o acidente ocorrido, você conseguirá retornar assim mesmo, sem problemas?

         — Certamente, pois a máquina transdimen está sintonizada com o meu comprimento de onda pessoal e nosso ser conserva sempre um tropismo que o faz retornar caminho passado algum tempo, muito embora no presente caso isto não seja possível, magnetizado como eu me encontro dentro do seu aparelho.

         — Mas então... ah, antes que eu me esqueça: afinal como é que você fala a minha língua?

         — Eu não falo a sua língua. Acontece o seguinte: no estado sutil em que me encontro eu me adapto, quiçá sem dar conta, ao código que passa habitualmente por esta linha, código que vocês chamam de Português.

         — Mas como você aprendeu tanta coisa assim de repente?

         — Eu não aprendi nada. A vizinhança de tantas comunicações por via eletromagnética, cuja velocidade é imensa, é que transmite ao meu corpo etéreo o conhecimento, como se fosse por osmose, entende, não é?

         — Claro, é claro que entendo — respondi descaradamente. — Mas vamos ao que interessa. Como foi que você caiu numa armadilha dessas?

         — Acidentes dessa natureza são muito difíceis de ocorrer. Acredito que esteja havendo uma tempestade magnética no sol do seu sistema, pois quando me aproximei deste universo parecia estar atravessando uma verdadeira ingurunga. Então, de repente, não pude mais me deslocar. Quando percebi o que estava acontecendo, não me restou alternativa senão chamá-lo.

         — Ah, sim. — dei um longo bocejo. — Bem, eu também preciso dormir. Como é que vamos fazer para tirá-lo daí?

         — Ah, isso é você que tem de arranjar. Eu não estou familiarizado com o sistema de comunicações do seu orbe.

         — E enquanto isso, se alguém me telefonar?

         — Receio que eu bloqueie a ligação com minha presença. Ou então serei forçado a escutar tudo.

         — Compreendo.

         Idéia bastante desagradável.

         Pensei depressa:

         — Me dê um tempo, por favor. Arranjarei logo a solução, ou assim espero. Vou desligar, mas evite voltar a chamar, está bem? Preciso pensar.

         — Está bem, eu aguardo. Mas não demore muito, por favor. Não é agradável permanecer aqui dentro.

 

 

..........................................................

 

 

         Meia hora depois ocorreu-me finalmente uma idéia brilhante, e essa idéia resolveu o busílis. Eu havia pensado em desmontar o fio, mas as consequências me pareceram por demais duvidosas. Idem para desligar o fio da tomada, pois a exata localização do alienígena era incerta e provavelmente ele continuaria preso na parede. Além disso, não seria razoável pedir à Telemar para desligar a telefonia no bairro inteiro, na suposição de que isto libertasse o visitante. Então me ocorreu a idéia de como desmagnetizá-lo.

         E assim peguei o fone outra vez, o que foi o bastante para que a voz novamente se apresentasse.

         — Então? Já tem a solução?

         Lembrei-me de ter lido certa vez sobre um “duende”, numa cidade alemã, que fizera soar um telefone continuamente, mesmo depois de o terem encerrado numa caixa. Teria sido um caso semelhante? Como quer que seja, disse “ouça” e desejei boa viagem ao nosso amigo.

         E pus para tocar um CD de funk...

 

 

............................................................

 

 

         Bem, o caso foi esse. Convenhamos: disco de funk, nem alienígena no telefone aguenta.

         Nunca mais tive notícias dele. Suponho que conseguiu liberar-se e retornou ao seu mundo, como me garantiu que podia fazer. Até hoje eu pergunto a mim mesmo se tudo aquilo aconteceu de fato, ou foi só um elaborado trote de algum fã de ficção científica...

        

        

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HARLOCK

HARLOCK

 

E pela Arcádia eu viajo

singrando o espaço profundo

e é sempre assim que eu ajo:

à Terra eu vou protegendo,

lutando pela Justiça,

vou vivendo e vou morrendo

sem nunca fugir da liça,

mas sem poder retornar;

é a sina de um renegado:

no espaço ter de ficar,

pela Terra exilado,

um pária em meu próprio mundo!

 

 

Nota: o Capitão Harlock, pirata espacial, foi criado pelo desenhista japonês Leiji Matsumoto, é personagem de mangás e de desenhos animados da Toei, e é um herói trágico, que fugiu da Terra, considerado um criminoso por um governo global despotico. Impedido de viver em seu próprio planeta Harlock, que guarda do passado uma grande cicatriz na face esquerda, permanece no espaço com sua nave Arcádia e uma tripulação fiel, e se esforça em proteger a Terra de inimigos externos. A Arcádia é uma nave espacial majestosa e especialmente preparada para combates.

Harlock não tem medo de nada nem de ninguém, mas sua existência é triste e trágica.

 

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A menina que roubava livros: o romance

A LADRA DE LIVROS – O ROMANCE

Miguel Carqueija

 

Resenha do romance “A menina que roubava livros”, de Markus Zusak. Editora Intrínseca, Rio de Janeiro-RJ, 2014. Título original: “The book thief”. Tradução de Vera Ribeiro. Capa: imagens do filme.

Obra fascinante e volumosa, “A menina que roubava livros” é uma obra-prima e desmente amplamente que os romances atuais, se para o público adulto, tenham de ser sórdidos. O autor é australiano e lançou “The book thief” em 2005; o romance foi filmado em 2013 numa co-produção EUA/Alemanha.

É a história fabulosa de Liesel Meminger, uma garota que cresce na Alemanha nazista. Sua mãe, caída em desgraça por ser comunista, viaja com ela e o filho mais novo, Werner, que morre durantew a viagem de trem, aparentemente de pneumonia. O destino era a pequena cidade de Molching, perto de Munique, e a Rua Himmel, onde as crianças — Liesel tinha 9 anos – seriam adotadas pela família Hubermann. Mas só Liesel chega lá. Ela nunca mais verá a mãe, desaparecida no mistério.

Uma curiosidade é que toda a saga de Liesel é narrada pela Morte, como se fosse uma pessoa, o que confere um toque sobrenatural à narrativa. A Morte parece ter gostado de Liesel, que porém viverá muitos anos.

Ela acaba descobrindo que ama os seus pais adotivos. Rosa, embora severa e por vezes bruta, porém humana e bondosa, lavadeira, e Hans, pintor de paredes e tocador de acordeão, figura popular mas tido como suspeito porque não se filiara ao Partido Nazista — e quando tenta fazê-lo por prudência já não o aceitam.

Havia um casal de filhos, ausentes na maior parte do tempo. Havia os vizinhos e os fregueses de Rosa. E havia os colegas de Liesel, especialmente Rudy, que tinha um fraco pela menina, mesmo sabendo que ela podia bater em garotos. O episódio em que ela desanca Ludwig Schmeikl, seu colega de turma, por zombar dela, é marcante.

“Vieram as crianças, tão rápido, bem, tão rápido quanto crianças gravitando para uma briga. A misturada de braços e pernas, de gritos e vivas, engrossou em volta deles. Todas assistiam, enquanto Liesel Meminger dava em Ludwig Schmeikl a maior surra de sua vida.”

Depois surge Max Vandenburg, o jovem judeu que o casal esconde no porão da casa, generosamente. Uma família pobre, abrigando um fugitivo da perseguição de Hitler. Max era humilde e sensível. Seu relacionamento com a garota que já era adolescente chega a ser comovente, como o amor vai se insinuando com total pureza. Mas a brutal realidade do regime nazista e da guerra com todas as suas tragédias logo envolve a todos. Especialmente quando os bombardeios chegam a Molching.

Deve ter sido terrificante viver num país onde todo mundo devia saudar um ditador monstruoso e megalomaníaco, onde judeus eram perseguidos cruelmente pelo crime de serem judeus e onde para muitas famílias a fome era uma realidade onipresente.

Notável o desenho dos personagens, inclusive do rapaz judeu de 24 anos, obrigado a se alimentar pouco e se ocultar no frio de um porão:

“Quando Max ficava só, sua sensação mais clara era de estar desaparecendo. Todas as suas roupas eram cinzentas — houvessem ou não começado assim — desde as calças até o suéter de lã e o paletó, que agora escorria dele feito água. O rapaz verificava com frequência se sua pele estava escamando, pois era como se ele estivesse em processo de dissolução.”

Um romance que comprova, no século 21, que ainda se escrevem bons livros.

 

Rio de Janeiro, 19 de junho de 2023.

 

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NEVERLAND

NEVERLAND

 

Sempre acordo meio triste

e assim encaro a manhã:

que o mundo me aponta em riste

o meu amargo destino

e a traiçoeira sorte:

e tilintando o meu sino

aguardo a distante morte:

pois sou uma longeva fada

sentindo falta da vida

que recordo amargurada

em que eu voava, atrevida,

ao lado de Peter Pan!

 

Rio de Janeiro, 27 de abril de 2023

 

Nota: Sininho ou Tinkerbell é personagem criada pelo autor britânico James Barrie em 1904 e aparece em filmes de Walt Disney e John Lasseter (Estúdios Disney) e em histórias em quadrinhos. 11037607278?profile=RESIZE_400x

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VIRGÍNIA

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VIRGÍNIA

 

Vou cumprindo o meu destino

com decisão e com arte,

coragem e muito tino:

e mesmo de roupa rota

eu vivo no meu degredo

como pirata e garota:

da vida não tenho medo,

sigo o Longo Bacamarte!

 

Família eu tive na vida

com irmão, com mãe e pai;

chamava-me Margarida;

mas numa reviravolta

expulsaram-me do lar,

foi um caminho sem volta

e eu tive que me virar;

mas me mandei sem um ai!

 

Por causa de namorado

a minha vida virou:

lembro dele com enfado:

era um mentiroso nato

e eu, de tão inocente

deixei que ocorresse o fato:

com a lábia de quem mente

ele então me deflorou!

 

Depois não quis mais saber,

tudo foi promessa vã:

ele tratou de correr,

o canalha sem pudor,

sem caráter e sem brio,

não sabia o que era amor;

e eu fui pra rua no frio,

sem uma roupa de lã!

 

E na rua da amargura,

pensando em quanto o amei,

quanto havia de ternura

em meu coração de moça

eu me vi angustiada,

sob a chuva e sobre a poça,

sozinha e abandonada,

mas não me desesperei!

 

Eu sempre fui alta e forte

e portava a minha espada;

não tinha medo da morte

e quem experimentou

na rua me hostilizar

em mau estado ficou,

pois eu tive de lutar

quando me vi atacada!

 

De qualquer maneira enfim

vivendo em plena sarjeta

eu soube cuidar de mim:

fui uma sobrevivente

na cidade da neblina,

num meio tão inclemente,

eu não era mais menina,

o que eu conto não é peta!

 

Mas eu via em toda parte

retratos de procurado

do tal Longo Bacamarte,

uma figura lendária

que enganava a Marinha,

um fora-da-lei, um pária,

e eu sonhava, sozinha,

com o pirata afamado!

 

Com o cabelo comprido

e uma barba por fazer

como um herói era tido,

em sua tripulação

havia um elfo famoso,

e o grande Capitão

de todos era zeloso,

ele era ver pra crer!

 

Não, não era um matador,

só procurava tesouro,

mas carregava uma dor

secreta no coração:

a formosa Rafaela,

que amava com paixão

e vivia a pensar nela!

Rafaela era o seu ouro!

 

E um dia eu esbarrei

com Bil, o grande pirata,

por acaso o encontrei

quando ele foi acossado

pelo bando da neblina

e lutamos lado a lado

numa tenebrosa esquina

sob uma Lua de prata!

 

E Bil, Longo Bacamarte,

seguiu logo pro navio,

eu a seu lado, destarte,

não pensei nada em deixá-lo:

agora eu serei pirata!

Eu não vou abandoná-lo,

sou aventureira nata

e estou com fome e frio!

 

E assim entrei um dia

a servir no Renegado,

e foi bela melodia

a tocar na minha vida!

Amei Bil com toda força,

eu quis ser sua querida,

sentia-me como uma corça,

o coração disparado!

 

Mas o Bil pensava só

na distante Rafaela

e de mim não tinha dó!

Meu Deus, eu pensava então:

que faço pra merecer

ganhar o seu coração,

fazer o amor nascer

se ele só pensa nela?

 

Quinze anos de procura

já tinham corrido então,

Bil sofria de amargura!

Pensei em me conformar

e servir meu bucaneiro

sem mais nada ambicionar

como serve um escudeiro

ao seu amado barão!

 

Vivemos tanta aventura

com Primus e o anão,

mas eu retinha a ternura

e enfrentava os perigos

com meu florete afiado;

assim fiz novos amigos,

mas Bil, sempre algo amuado,

fechava seu coração!

 

Mas o destino por fim

mostrou a ele onde estava

Rafaela, e eu enfim

conformei-me com a derrota;

e o Bil, entusiasmado,

mudou de seu barco a rota,

estava meio aloprado!

E eu, pobre, definhava...

 

Mas veio a decepção!

A vida como ela é:

Rafaela disse não;

o passado já passou,

sinto nojo de você,

esta página virou,

sou hoje como me vê,

cantora de cabaré!

 

Ele voltou arrasado,

pois foi tanta a humilhação!

De coração revoltado

eu procurei Rafaela

naquele antro tão feio

e ao me ver diante dela

segui o impulso que veio:

acertei-lhe um bofetão!

 

Há muito mudei de nome,

Virgínia agora eu me chamo,

e só o amor me consome!

E o meu Longo Bacamarte

é o que eu quero na vida:

dele agora eu faço parte,

e sou a sua querida:

Bil é o homem que eu amo!

 

 

Rio de Janeiro, 10 de fevereiro de 2023.

 

 

 

Nota: o Longo Bacamarte foi advogado antes de se tornar pirata e, ainda muito jovem, conheceu a bela Rafaela, artista plástica, numa viagem de navio. Iniciaram um romance de amor intenso, mas houve um naufrágio e, socorridos, foram levados para locais diferentes e perderam as direções mútuas. Desiludido da vida, Bil abandonou tudo e se tornou o pirata conhecido como Longo Bacamarte, dedicando sua vida a procurar Rafaela pelo mundo inteiro. No dia do encontro com Virginia, Bil tinha uma pequena tripulação escolhida a dedo e como braço direito o elfo sábio conhecido como o Professor Primus, mencionado no cordel. Nem todos aceitaram Virginia, mas ela soube se impor. 

O final do cordel refere-se ao incidente em que Bil localiza Rafaela após 15 anos de separação só para descobrir que ela se tornara uma pessoa de baixo nível, em ambiente vulgar e amigada com um sujeito de maus bofes. Ela ridicularizou Bil por ele ter abandonado a carreira de advogado e se tornado um pirata "com roupas sujas". Ele também foi ameaçado pelos homens do cabaré, mas ficou sem reação e em estado de choque. Virgínia, que o seguira às escondidas, entrou e o retirou, sob as zombarias de Rafaela. Então, deixando o atordoado Bil com o elfo, ela retornou e agrediu Rafaela na frente de todo mundo, e brandindo o florete manteve todos a distância e foi embora. Assim deixou de existir a barrreira psicóloga que impedia Bil de aceitar o amor de Virgínia.

Para mais informações desta saga veja o romance "As aventuras do Longo Bacamarte":

https://www.recantodasletras.com.br/e-livros/5984718

 
 
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EMINÊNCIA PARDA

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Intriga, ódio e romance,

o Brasil engatinhando,

o despertar de uma raça:

Primeiro Império, nuance,

Dom Pedro e a Marquesa amando,

e a pobre Leopoldina

traída, foi sua sina,

os Andradas expulsados

do poder e desterrados,

Dom Pedro saiu do sério

achincalhando o Império,

por trás de tudo o Chalaça!

 

imagem wikipedia (o Chalaça)

poesia baseada no romance "A Marquesa de Santos", de Paulo Setúbal

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MENTIROSO

Ele disse que eu sou linda,

mais que uma pedra safira,

dona de uma graça infinda;10908890259?profile=RESIZE_584x

ora vejam, sim senhor!

Isso eu acho que é amor,

pois não sou linda, é mentira!

 

 

 

imagem pinterest

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Das dificuldades para atividades culturais

DAS DIFICULDADES PARA ATIVIDADES CULTURAIS

Miguel Carqueija

 

Muito tempo atrás eu havia começado a ministrar palestras, e mesmo tendo sido a maioria gratuitas, percebi os obstáculos para essa atividade cultural.

Lembro de como me aproximei de uma entidade (não direi qual) onde existia espaço para tal atividade. Eu falava em geral sobre assuntos culturais relativos a livros, filmes, ficção científica. Não palestrava sobre política; não é assunto agradável. Em suma, fiz a minha proposta. O porta-voz da instituição pareceu interessado, mas veio com a seguinte pergunta: — E quantas pessoas virão?10881324294?profile=RESIZE_400x

Como é que eu poderia saber? Ele pediu um número aproximado. Mesmo isso porém é impossível saber de antemão. Claro, como principal interessado, eu iria fazer propaganda, espalhar pelos meios disponíveis, avisar os amigos. Mas nada disso garante a vinda de uma única pessoa. Sejamos realistas. No Brasil, com o relativo pouco interesse pela cultura, mesmo a cultura pop (a não ser que se consiga um direcionamento muito bom), o comparecimento do público pode vir a ser exatamente igual a zero. As pessoas têm seus assuntos pessoais a resolver e mesmo os amigos podem faltar, ainda que digam que irão.

Isso pode ter sido há mais de três décadas, mas lembro vagamente que, para satisfazer ao sujeito, chutei um número qualquer (hoje eu acho que deveria ter ficado firme em declarar impossível a previsão).

A palestra, porém, não se realizou porque a pessoa em questão apareceu com outra exigência. Já que eu ia ocupar um espaço da instituição, deveria pagar o aluguel.

Mas como? Pagar para dar uma palestra, que é atividade remunerada?

Dificuldades parecidas ocorrem quando a gente quer fazer uma tarde de autógrafos. Uma vez, por volta de 2012, consegui um centro cultural até muito bom, mas me jogaram para uma sala desviada de rota e nesse dia caiu um daqueles temporais homéricos do Rio de Janeiro, de modo que gente que garantiu que iria não apareceu. Creio até que foi a maior chuva do ano, um azar e tanto. Em outra ocasião o responsável por um espaço quis saber o que é que ele ganharia. Ora bem, nós escritores por via de regra estamos muito longe de ser ricos.

Por aí se vê que até para coisas simples como ministrar palestras ou promover tardes de autógrafos não são fáceis de conseguir em nosso país. Recentemente tentei palestrar em outro local, mas exigiram um “projeto”. Eu não sei elabora projetos, tudo o que eu me proponho é palestrar.

Por que as pessoas complicam?

 

Rio de Janeiro, 13 de novembro de 2022.

 

 

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DUAS PRINCESAS

DUAS PRINCESAS

Miguel Carqueija

 

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Do Reino Lunar que um dia

existiu e se acabou

conserva-se a dinastia

por quem na Terra ficou.

 

E a Usagi Tsukino,

Sailor Moon, a maravilha,

realiza seu destino

agora com a sua filha.

 

Já não existe heroína

que iguale a sua fama;

com Chibiusa, a menina,

chamada a Pequena Dama,

 

ao Amor ela defende

e à Justiça, sem dar furo;

seu destino compreende:

ser Rainha no futuro!

 

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Mas que super-heroína

tão romântica e tão pura,

Sailor Moon é uma menina

transbordante de ternura!

 

E num distante passado

o Mal cruelmente estanca

aquele mundo encantado,

o Reino da Lua Branca!

 

E a legítima herdeira

vive agora em nossa Terra,

a poderosa guerreira,

às trevas fazendo a guerra!

 

A Endymion dá seu amor

com grande sublimidade;

o que traz tanto calor,

amar com tão pouca idade?

 

Mas Usagi simplesmente

sabe bem o que ela quer:

exercer completamente

o amor de uma mulher!

 

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Chibiusa é do futuro,

lá da Tóquio de Cristal,

onde reina com apuro

a rainha sem igual,

 

Sailor Moon conhece a filha

antes dela até nascer;

é uma grande maravilha,

um milagre pra valer!

 

O futuro vem pedir

socorro e ajuda ao passado;

Sailor Moon vai pro porvir

proteger o seu legado!

 

Evento incompreensível

irá se realizar:

parece mesmo impossível

Usagi a si encontrar!

 

A Princesa e a Rainha

que a mesma pessoa são,

a mãe de uma garotinha

que amam de coração...

 

Se a si mesma encontrar

esbarra em proibição

o Tempo vai franquiar

pra Usagi uma exceção!

 

Entre o futuro e o passado

Chibiusa ficará:

com Sailor Moon ao seu lado

qualquer tempo servirá!

 

E é um trio encantador,

homem, mulher e criança,

vivendo plenos de amor

e espalhando esperança!

 

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Rio de Janeiro, 7 de junho de 2021.

 

 Nota: criada no Japão em 1991 pela desenhista Naoko Takeushi, Sailor Moon é a super-heroína da não-violência, do amor e da justiça, e Chibiusa é sua "filha do futuro" que viaja no tempo para pedir ajuda; Sailor Moon vai ao futuro para ajudar a si mesma. Chibiusa participa de duas épocas diferentes, conhecendo duas versões de sua mãe e de seu pai Mamoru Chiba. A saga é uma das mais bem elaboradas da fantasia.

 

 

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Notícias da guerra

Notícias da guerra

 

Parece que a mídia e a opinião pública, no Brasil, perderam um pouco de vista os acontecimentos da guerra Rússia x Ucrânia, embora o Papa Francisco com frequência continue pedindo orações para que esse absurdo acabe.

Busquei notícias e encontrei na UOL, com data de 25 de agosto, artigo de Will Vernon, da BBC News, que fala no recrutamento que está em andamento na Rússia. Lá não fornecem números mas observadores do Ocidente calculam que os russos perderam 70 a 80 mil soldados em seis meses de conflito. Muitos, creio, além dos feridos, também ficaram doentes pelas privações da guerra.

"É uma mensagem que se repete em todo o país. Nas redes sociais, televisões e"outdoors " os homens são instados a assinar contratos de curto prazo com o Exército para lutar na Ucrânia."

E vão sem experiência.

A notícia acrescenta que oferecem dinheiro e outras recompensas mas os que retornam nada recebem.

Já várias vezes foi dito que o ditador Putin está encurralado. Não pode encerrar a agressão sem a vitória pois estará desmoralizado. E, ao que parece, esse monstro não se importa de arruinar o próprio país para não dar o braço a torcer.

E se não tiver outra saída ele é bem capaz de espalhar a guerra, aliando-se inclusive com a China que ameaça invadir Taiwan.

O mundo está em grande perigo.

 

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A lenda da abelha de mel

A LENDA DA ABELHA DE MEL

Miguel Carqueija

 

Resenha da animação de longa-metragem “As aventuras de Honeybee Hutch” (honeybee=abelha de mel) ou “The adventures of Hutch the honeybee”. Tatsunoko Productions, Japão, 2010. Direção: Tetsuro Amino. Roteiro: Bochibochi Uchida, Juri Takeda e Kenko Koyama. 101 minutos em cores.

Elenco de dublagem:

Hutch the honeybee.....................Ayaka Saito

Ami...............................................Ayaka Wilson

Kunekune.....................................Naoki Tanaka

Poncho.........................................Jim Komori

Koganenash..................................Eiji Benado

 

            Simpática e agradável esta animação de longa-metragem japonesa, que se passa no mundo dos insetos e outros animais pequenos. Surpreendi-me ao descobrir que a personagem Hutch, a abelha-de-mel (abelha operária), já existia numa série de 1971 em produção germano-japonesa. Ao que parece o argumento básico é que Hutch é filha da abelha rainha, que desaparece durante um raide de vespas. Separada da colméia, Hutch (erroneamente chamada Kathy numa legendagem) inicia um périplo pelo mundo à procura de sua perdida mãe. Dizem que a série original, que não foi a única, tem episódios bem cruéis com a morte de amigos de Hutch. O fato é que a abelhinha é generosa e, ao largo da sua jornada, vai estabelecendo diversas amizades e sempre se mostra bondosa, prestativa e determinada em sua missão. O desenho de longa-metragem resume certamente a série e tem poucos detalhes mais tristes.

Embora as vespas sejam as grandes vilãs, o louva-a-Deus conhecido como Pata-Serra é muito violento e agride covardemente a abelhinha, só ficando seu amigo e aliado quando ela salva os seus filhos.

Uma figura muito especial é Ami, a menina que consegue entender e falar com os insetos. É antológica a cena em que Hutch fica emaranhada nos cabelos de Ami e é uma luta para conseguir se livrar. Ami custa a acreditar que possa falar com uma abelha. A menina, porém, será de grande ajuda no esforço final para resgatar a mãe de Hutch.

Os roteiristas fizeram ótimo trabalho. Quanto ao visual, não é de todo bom: o traço é meio tosco. Entretanto o colorido é belo, as plantas são bem desenhadas.

A história da abelha-de-mel Hutch é uma exaltação da amizade, da lealdade e da solidariedade. Desde as primeiras cenas, quando Hutch encontra e protege a borboletinha Blance, pessando pela sua linda amizade com a menina tocadora de gaita, e pelos encontros com outros pequenos animais, sem esquecer a perseverante fidelidade com a mãe, Hutch é uma personagem exemplar em sua ética e o filme é altamente recomendável para o público infantil.

 

Rio de Janeiro, 17 de novembro de 2017.10747172301?profile=RESIZE_400x

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Vida de mordomo

VIDA DE MORDOMO

Miguel Carqueija

 

Não é fácil nossa lida

cuidando desta mansão:

o patrão é um boa-vida,

a patroa uma bacana;

ele um dia foi em cana

por causa da bebedeira;

inda diz que eu fiz besteira

contando para a patroa,

mas tudo aqui nesta casa

passa pela minha mão:

eu preciso até ter asa

se a campainha soa,10303412857?profile=RESIZE_400x

se a filha tem dor de dente,

se o garoto bate o carro,

estou na linha de frente:

na cozinha eu esbarro

com a cozinheira apressada

que só vive atarantada;

tem dia sinto um enfado

de tanta da amolação;

e o pior é que a novela

ainda quer impingir

pra todo mundo engolir

uma fama que só ela,

de que em qualquer confusão

o mordomo é que é o culpado!

 

Rio de Janeiro, 1º de maio de 2021.

 

 

imagem pinterest

 

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A ponte

                                                  A PONTE

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                                            Miguel Carqueija

 

 

   É quase meia-noite, uma noite feia e soturna de nevoeiro, quando Priscila, deixando o orelhão, dirige-se a passos rápidos de volta para o hotel, cruzando os braços de frio e liberando névoas com a expiração.

   Priscila Barros, 26 anos, morena, magra, estatura média, bonita; veste-se com roupa preta, adequada à temperatura, sapatos escuros e mangas compridas; uma mochila marrom às costas. Ela está há uma semana em Solidão, pequena cidade portuária do sul; está apenas pesquisando os peixes da região, para a sua monografia. E também curte uma recente decepção amorosa.

   Priscila é uma pessoa comum – e não pode imaginar que, em poucos minutos, sairá do padrão normal da existência para penetrar numa região diferente... um anexo da realidade.

   Ela atravessa a rua soturna e silenciosa, sentindo-se enervada com o ruído dos próprios passos, bate com os braços no corpo para se aquecer e de repente avista, ao lado do pequeno poste, na calçada para a qual se dirige, a figura de um homem.

   É um rapaz branco, de faces encovadas como um zumbi. Veste-se mais ou menos, e a fita com um olhar que não deixa lugar a dúvidas. Priscila recua.

   Com os olhos injetados, como se sofresse de alguma febre malsã, ele se move em sua direção. Priscila recua mais, olha para os lados; tudo é negrume e silêncio.

   -Venha cá! – diz o rapaz, agora encaminhando-se decididamente para a garota.

   Nos contérminos do pânico, ela dá meia volta e desata a correr.

   -Volte aqui! Volte, sua cadela! – grita ele, e parte atrás dela.

   Priscila já lera sobre fisiognomonia.  Aquele rosto, chupado e cheio de enanteses, diz a ela – ou assim crê – das taras íntimas daquele indivíduo. Priscila corre, como nunca correu na vida; pedir socorro parece-lhe inútil e um desperdício de energia, quando já sente faltar-lhe o fôlego. No pavor da fuga, com os passos da corrida de seu perseguidor reboando nos seus ouvidos, a jovem nem planeja a rota de fuga – e quando menos espera está na ponte que leva à outra cidade, do outro lado da angra. Como passou pelos empórios portuários sem nem reparar e chegou aqui tão depressa? Mas como conseguiria alcançar o outro lado? O atacante ganhara terreno, aos poucos vai se aproximando.

   É então que a cerração que encobre a ponte de pedra vai se adensando rapidamente. Espantada, Priscila constata que a visibilidade vai diminuindo num instante, logo já não enxerga praticamente nada à sua frente a não ser aquele espesso  smog cinza-azulado. Mesmo assim, confiante na retidão da ponte, ela prossegue a corrida, escutando o tenso e ameaçador arfar do seu inimigo.

   Algo lhe parece estranho nisso tudo. Primeiro, a ponte não acaba; segundo, após alguns metros dentro do nevoeiro, o seu fôlego, já nos estertores, parece retornar plenamente. Como é isso?  Quem diria que a neblina possuía efeito estimulante?

   E aí a visão começa a clarear. O arfar parece ter mudado de posição. Algo está errado: à sua frente não se avista a cidade de Redobre, mas a mesma Solidão, que ela deixara para trás. Sutil e rapidamente, o seu estado de espírito parece ter mudado de forma misteriosa. Ela sabe que, mesmo cega pela neblina, não retornou sobre os seus próprios passos, continuou correndo em linha reta. E agora um vulto corre à sua frente, em desabalada carreira, quase aos tropeções, parando de vez em quando para olhar para trás, com olhos esgazeados de terror...

   Um vulto masculino. O mesmo homem que, antes, a perseguia.

   Priscila lera certa vez e apreciara muito “Alice no País do Espelho”, aquele livro fantástico do Lewis Carrol.

   Quem sabe, do outro lado do espelho – ou de um “fog” super-espesso – ficaria o mundo do reverso, um mundo onde as coisas funcionassem de maneira oposta?

   Um mundo onde os homens é que fugiriam, apavorados, das mulheres que quisessem violentá-los?

  

(imagem pinterest) 

  

  

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Guerra aos super-heróis violentos

GUERRA AOS SUPER-HERÓIS VIOLENTOS

Miguel Carqueija

 

            Vocês, super-heróis fajutos da DC e Marvel, e Cavaleiros do Zodíaco,

            Vocês, arautos da brutalidade

            Vocês, que propagam a violência, a intolerância, a monstruosidade, o ódio e o cinismo

            Vocês, que incutem a agressividade nas mentes jovens em seus quadrinhos e filmes...

            Fiquem longe das nossas crianças!

 

9904849465?profile=RESIZE_400xYomiko Readman "The Paper"

 

9904849653?profile=RESIZE_400xSininho ou Tinkerbell9904849299?profile=RESIZE_400xKim Possible

9904907475?profile=RESIZE_180x180W,I,T.C.H.: as Guardiães

 

 

Esta matéria dá apoio às heroínas que transmitem amor, compaixão, senso de justiça, amizade e doçura:

  • Sailor Moon, criada por Naoko Takeushi (Japão)
  • Kim Possible, de Mark Mc Corkle e Bob Shooley (EUA)
  • Yomiko Readman, de Hideyuki Kurata (Japão)
  • Sininho ou Tinkerbell, criada por James Barrie (Reino Unido) na versão de John Lasseter (EUA)
  • As Guardiães da série W.I.T.C;H. (criadas originalmente por Elizabetta Gnone, na Itália)

 

Rio de Janeiro, 13 de dezembro de 2021. 

 

Sailor Moon          9904848286?profile=RESIZE_710x

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Wood-chuck


WOOD-CHUCK
Miguel Carqueija

Só porque sou um ladrão
meu destino está traçado:
vivendo na contramão
do mundo sou renegado!

Porque foram vinte anos
nas grades de uma prisão;
vivendo nos desenganos
sem receber compaixão!

E Parn, Deedlit, Etoh,
e Ghim e até Slayn:
eu estou com vocês só
enquanto não chega o fim...

Meu passado foi perdido
e a idade já me dói:
esta é a sina de um bandido
tentando ser um herói!

E os meus novos amigos,
elfa, cavaleiro, anão,
monge e mago, nos perigos
praticam a união!

Porém é fácil prever
que um ladrão não tem bom fim:
só peço, se acontecer...
que não lamentem por mim!

Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2021.



NOTA: Wood-chuck é um personagem da série "Crônicas da Guerra de Lodoss", um mundo de fantasia criado no Japão por Ryo Mizuno em RPG e livro, franquia que passou para mangás e desenhos animados. Wood-chuck era um ladrão que passou mais de vinte anos preso por um roubo, perdendo os melhores anos de sua juventude. Tentando fazer alguma coisa útil na vida une-se a um grupo de aventureiros empenhados numa missão contra o mal: o cavaleiro errante Parn, o mago Slayn, o anão Ghim, o monge Etoh e a personagem mais marcante do grupo, a singela e valorosa Deedlit, "a elfa nobre que caminha entre os humanos". Infelizmente, Wood-chuck terá um destino trágico.
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(imagem pinterest)

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CANAAN CORDEL

 

 

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Miguel Carqueija

 

Bem cedo compreendi

que não passo de uma pária,

já criança eu aprendi

a ser uma mercenária!

 

Nem posso compreender

carregar esta missão

e o nome receber

da Terra da Promissão!

 

Foi Siam quem nos criou

a mim e mais a Alphard,

tudo a nós ele ensinou

mais eu só descobri tarde

 

que ele criava a serpente

que havia de nos trair;

e cozinhava na mente

que iria nos destruir! 

 

Nós tínhamos tatuada

cada qual pela metade

uma serpente enroscada,

esta era a nossa verdade:

 

como irmãs fomos criadas,

duas cobras pela Cobra,

nós não éramos amadas

pois má era a nossa obra!

 

Pois o grupo terrorista

queria o vírus roubar,

e Alphard como artista

planejou nos enganar!

 

Assim Siam descobriu

que a fé que tinha foi vã

em Alphard, que o traiu

restando eu, Canaan!

 

Ao matar nosso mentor

Alphard renunciou

toda decência e amor

e ao puro mal abraçou!

 

Eu tenho sinestesia

e vejo o que ninguém vê;

a visão tem sintonia

como em tela de tevê;

 

com sentidos misturados

vejo até o sentimento;

e assim foram derrotados

oponentes num momento!

 

Mas será que é meu destino

viver só para matar?

Escutar da igreja o sino

sem ter coragem de entrar?

 

A minha vida é tão triste,

uma existência malsã,

que o mundo me aponta em riste

o que é ser Canaan!

 

E eu seguia nesta sina

da morte trilhando a via

quando em manhã cristalina

vim conhecer a Maria!

 

A fotógrafa inocente

não conhecia a maldade;

tão jovem, tão sorridente,

era a face da Verdade!

 

E assim pude lamentar

por ser uma matadora;

levar a vida a lutar,

sina desesperadora!

 

Com Maria eu aprendi

a moderar meu instinto,

por fim eu compreendi

que compaixão também sinto!

 

Mas a ONU promoveu

conferência anti-terror

e Xangai ela escolheu

pra ordem no mundo por;

 

a Cobra porém logrou

o vírus introduzir

e com míssil atacou

para a guerra produzir;

 

Chefes de Estado isolados

sem poder de lá sair

por contágio ameaçados

e o míssil a cair!

 

Com o mundo deslizando

para inevitável guerra

só com meu poder chamando

poderá ser salva a Terra!

 

Com a sinestesia enfim9742719459?profile=RESIZE_400x

pude a arma desviar;

a paz não chegou ao fim;

o mundo eu soube salvar!

 

Porém Alphard, eu bem sei,

terei que um dia enfrentar;

a irmã que um dia amei

mas que tentou me matar...

 

Mas aprendi com Maria

a não odiar ninguém;

mesmo Alphard, nesse dia...

ainda quero o seu bem!

 

Ó Deus, me tira o destino

de os inimigos matar;

que eu Vos cantarei um hino

se Alphard eu puder poupar!

 

 

Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2019.

 

NOTAS

 

“Canaan” (ou por outra grafia ocidental, “Canaã”) é uma mercenária e justiceira, heroína japonesa de mangás e animês. É uma personagem trágica que oscila entre a violência que cerca a sua vida e os bons sentimentos que ela carrega.

 

SINESTESIA

É uma espécie de sentido ou melhor, uma mistura de sentidos, pela qual Canaan tem uma percepção da realidade muito superior a das pessoas comuns; assim ela conseguiu rastrear e desviar o míssil, impedindo-o de cair sobre o prédio onde se realizava a conferência anti-terror e salvando o mundo de uma guerra generalizada. Mas o segredo da operação fez com que o gesto heróico de Canaan permanecesse desconhecido.

 

ALPHARD

 

A grande inimiga de Canaan, embora fosse no início uma espécie de irmã mais velha. Canaan é uma órfã de guerra, uma das muitas guerras que assolam regiões da Ásia. Foi criada por Siam, um misterioso mercenário que já havia treinado Alphard. Ambas foram treinadas como guerrilheiras e mercenárias, sendo extremamente habilidosas no manejo de armas de fogo e na luta corporal. O trio foi contratado para roubar o vírus Ua, utilizado como arma biológica. Entretanto Alphard, que viria a se tornar líder da organização terrorista Cobra, recebeu ordem de eliminar todas as testemunhas, inclusive Siam  e Canaan. Ela efetivamente mata Siam, mas Canaan escapa e, após isso, dedica a sua vida a destruir a Cobra e vingar-se de Alphard. Entretanto, Canaan conhece uma pessoa luminosa, a jovem fotógrafa Oosawa Maria, e a amizade surgida amenizará o caráter de Canaan, que se torna menos fatídica (embora estivesse acostumada a matar seus inimigos). Ao longo da série Canaan e Alphard se combaterão várias vezes, mas até a batalha final Canaan terá de fazer a escolha moral entre a vingança e a justiça.

 

DETALHES TÉCNICOS

 

“Canaan” (Kanan). Estúdio PAWorks, 2009. Criação de Kinoto Nasu e Takashi Takeuchi com base em seu jogo “428: Shibuya scramble”. Direção: Masahiro Andõ. Produção: Hiroshi Kawamura, Jiro Ishii, Kei Fukura, Kenji Orikawa, Shigeru Saitõ, Yaswhi Õshima. Roteiro: Mari Okada. Música: Hikaru Nanase.

Elenco de dublagem original:

 

Canaan..................................Miyuki Sawashiro

Alphard al Sheya...................Maaya Sakamoto

Oosawa Maria.......................Yoshino Nanjo

Minoru Minorikawa (Mino)...Kenji Hamada

Siam.......................................Akio Õtsuka

Liang Qi..................................Rie Tanaka

Yunyun...................................Haruka Tomatsu

Cummings..............................Toru Okawa

Santana..................................Hiroaki Hirata

Hakko.....................................Mamiko Noto

Yuri Natsume.........................Junko Minagawa

Kenji Oosawa.........................Atsushi Ono

Jin (taxista).............................Joji Nakata

 

  

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