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TEM UM GATO NO MEU QUINTAL

Tem um gato no meu quintal!
Miserável vagabundo ousado
Anda por aqui como se fosse rei
Ordinário e metido bichano
Tem um gato no meu quintal!
Nem acredito quando o vejo espreitar entre as roseiras
Olhos amarelos estreitos em fenda
Cauda serpenteando na expectativa do bote...
Do próximo bote!
Tem um gato no meu quintal!
Como pode ser? Eu não entendo...
Temos dois cães aqui em casa
Barulhentos... aguerridos territorialistas...
Como pode o gato estar aqui?
Tem um gato no meu quintal!
Pelo sujo manchado amassado
Não é jovem o felino posso ver
Não é jovem não!
Quando surge o novo dia ele me espia junto a minha cerca
Desconfiado... desafiador...
Tem um gato no meu quintal!
Cretino malvado caçador de pássaros eu sempre penso
Mas...
Mas...
Hoje o vi como nunca antes
Mancando, cansado
Parece enfermo
E que marcas são aquelas em seu dorso?
Que estranha e longa cicatriz e esta quase cobrindo seu olho?
Oh felino que terríveis batalhas travastes?
Terá sido contra rivais?
Contra cães?
Contra homens?
Que força e esta que o impele a continuar vivendo?
Que teimosa e maravilhosa força e esta que o faz insistir em permanecer no mundo?
No meu quintal?
Já não é jovem eu disse!
Sim posso ver... já não é jovem!
Quanto tempo ainda tem?
Olho para os cães (guardiões falhos de meu lar?) e penso que talvez eles já soubessem do que ate então eu não sabia sobre o gato!
Afago a ambos sentados em meu alpendre vendo a forma fugidia do gato entre as flores
Tem um gato no meu quintal!
Afago os cães murmurando baixinho...
Deixem-no onde esta... apenas deixem.

Rodrigo L.Cabral

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O NOME QUE AS CORES TEM

O que você não pode entender e que já não sou normal
A tanto de mim por ai nestas ruas sujas e becos escuros
A tanto de mim nos miados noturnos dos gatos vadios
A tanto de mim no latido estridente do cão da noite
Tanto de mim...
O que você não pode entender e que talvez eu não queira ser entendido
Não quero fazer parte do sentido das coisas
Não quero ser coisas...
Coisa alguma!
O que você não pode entender é que li Bukowski e gostei
O que você não pode entender é que já vi Ginsberg uivar
Eu vi e sei o que vi...
O que você não pode entender é que agora vago por um mundo onde as cores têm nomes
E não falo do verde, não falo do amarelo, não falo do negro...
Não nem conheço mais estes nomes...
Neste meu novo mundo as cores são pessoas...
Neste meu novo mundo as cores acordam cedo (ou não) trabalham vão ao banco pagam contas...
As cores aqui podem flertar...
As cores amam e odeiam...
As cores transam
As cores pagam para transar...
O que você não pode entender e que agora eu pinto com aquarelas só minhas
Que sou capaz de colorir telas e mais telas de visões tão reais quanto oníricas
O que você não pode entender e que aprendi a seguir outro ritmo no mundo
Que agora sei onde sibilam as serpentes
Que agora sei como sibilam as serpentes...
Por cartas por sms por e-mails por telefone
La onde estão sibilam as víboras para quem quiser ouvi-las
E quem não souber ouvir?
Será picado...
O que você não pode entender e que nunca se pode parar as mudanças
E que minha parca poesia é só mais um débil grito no vazio do vácuo
Eu gritei onde ninguém mais podia ouvir
E sabe de uma coisa?
Vou gritar de novo, de novo, e de novo!
O que você não pode entender e que sou tolo o suficiente pra achar que posso fazer sempre minhas escolhas
E que sou esperto o bastante pra não fazer as escolhas dos outros
O que você não pode entender e que já encontrei refugio em garrafas de vinho barato
Que já ouvi relatos angustiados de futuros pais temendo o amanhã
E já lamentei com eles...
O que você não pode entender e que ansiei por beijos que não teria
Por corpos que não teria
Por vidas que não viveria
E espero pela morte que um dia terei
O que você não pode entender e que não me importo como começou
Mas tenho horas e horas gastas imaginando como vai terminar
O que você não pode entender e que vejo as putas nas vielas da cidade
Vejo os mendigos nas entradas dos supermercados
Vejo os ladrões nas sombras mortiças da noite
E não posso negar a realidade suja deles tanto quanto não posso negar a minha
O que você não pode entender e que vou ao banheiro mijar como todos
E já chorei sozinho no espelho mentindo que só escovava os dentes
O que você não pode entender é que o mundo não para
Mesmo que eu grite
Mesmo que eu chore
Mesmo que eu atire, escreva, ou sofra.
Mesmo que o terrorista exploda-se
O mundo não para...
Ele nunca para...
Nunca parou...
O que você não pode entender e que sou o que sou por que fiz minhas escolhas
Trágico e louco?
Patético e feliz?
Não importa pra mim...
Eu sou o que sou...
E para mim as cores tem nome.

Rodrigo L.Cabral

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Alguma canção


O que mais queres de mim velha amiga?
Será que já não me teve o suficiente?
Já lhe dei todas as minhas lagrimas
Gritei pra você com a voz dolorida da alma
Fiquei exausto

Não posso mais ser parte do teu sonho
Sonhos são só brancas nuvens que o vento sopra pra longe
Perdi-me de todos os antigos propósitos
Não sou ninguém

Por que é que nada é o bastante pra você?
Já não Le dei minha paixão e meu desejo?
Não e sua minha poesia?
Não sou o que você quer será que não percebe?
Eu queria uma estrada sem fim
Há... poder entregar-me a uma jornada sem rumo
Correr sem parar

Velha amiga estou cansado dos lamentos
São atrozes demais todas estas dores
Eu já sangrei por você
Eu que já lutei por você
Já Le dei toda a minha vida
E agora exalo morte
Minha alma exala morte
Ela esta fria e calada a tanto tempo
Por quanto tempo mais velha amiga? Por quanto mais?

Nossos jardins ostentam flores murchas
Não ouço mais a melodia no sopro do vento
Pra onde terá ido à brisa agradável do sopro da vida?
Já Lhe entreguei meus pensamentos minha amiga
Mas você os deixou minguarem na incerteza muda de teus lábios

Queria que minha voz alcançasse os anjos minha amiga
Talvez se eles me escutassem eu soubesse as respostas
Afinal o que e que você procura?
Terá você perdido em algum abismo da vida a capacidade se ser?
O básico elemento de amar e perdoar?
Quem e que a conhece de verdade?
Quem a viu nascer e crescer?
Será que esta pessoa sabe de tudo?
Será que seguiu sua vida e já viu sua morte?
O que será preciso pra ressuscitar você?
Tudo e tão estranho amiga
Tão diferente e gélido
Tenho medo

Não tenho mais nenhuma alternativa pra você
Mais nenhuma chance ou motivo
Nem mesmo uma ideia
Só o que posso fazer e esperar e rezar
Só o que sei fazer e incluir você nos meus versos
Talvez fazer de você a letra de alguma canção
Talvez simplesmente abraça La
Ou então partir e esquece La

Será que não percebe tudo o que ainda pode fazer?
Velha amiga o mundo não parou de girar naquele dia em que as coisas deram errado
Será que não entende isso?
A vida segue em frente não importam nossas perdas
A vida só quer de você e de mim a seiva da existência
Este prato tão raro e tão doce que ela consome

Não posso mais fazer por você velha amiga
Não posso
Seu castelo já caiu faz tempo e só você não vê
Esta ai estagnada com sua indolente pose de princesa
Quando e que você vai acordar?
Será que vai acordar?
E eu estou preso a sua corrente
Sinto você me arrastando consigo
Não aguento mais

Liberte-me velha amiga
Deixe-me seguir meu destino
Corte as amarras que prendem minhas asas de sonho
Deixe-me partir rumo ao resto dos meus dias
Deixe-me livre
Isto e despedida velha amiga
Isto e o fim com gosto de cinzas e morte
Será um adeus?
Talvez seja recomeço.

Rodrigo L.Cabral

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MUSGO

A cor da flor é previsível
Quando uma rosa só pode ser rosa?
O caminho do jardim é conhecido
Por ele ela vai
Por ele ela vem
E eu vou saber...
O silvo do vento esta audível
Contando segredos antigos a velhas arestas e calhas
Divagando sobre verdades em assovios para as gárgulas
A canção do canário não mudou
Não aprendeu ele novas melodias?
Não conheceu novos rumos certamente
Não conheceu ninguém...
Escalando a rocha vai o besouro
Terá ele a ideia de que é montanha o obstáculo?
Saberá de montanhas ele?
Farejando o gramado segue o cão
A que pistas dedica seu incansável focinho?
Miríades de mistérios para o ser canino
Furtivo sobre a sebe observa o gato
Não é senhor deste território, mas pode tramar.
E gatos tramam até onde posso saber
Gatos tramam...
Sei que há cavalos, pois ouço seus relinchos.
Na tarde fria do sul fazem o que cavalos fazem
No velho muro caçam as lagartixas
Insetos pululantes a seu alcance
Talvez perigosas aranhas?
Talvez agressivos escorpiões?
Talvez... Talvez
Alheio a tudo cresce o musgo
É frio e úmido em seu mundo
É o frio e úmido que ele quer
Alheio a tudo a tudo cobre o musgo
É menos vivo por ser menos belo?
Tem ele os dilemas do viver?
Não...
Alheio a tudo cresce o musgo
No jardim a vida faz espanto e estardalhaço
No silencio do que é ignora o musgo
Que não recente
Não discrimina
Onde o musgo vive o jardim não vai florescer
Onde o jardim morrer... o musgo cresce.

Rodrigo L.Cabral

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REI MORTO REI POSTO

As coisas que fiz... ficaram para traz
Ladrando como cães distantes em uma noite interminável
Os desejos que ocultei... Hoje urram nas ruas
Saltam da minha face marcada em total e imoral descontrole
Os medos que carreguei... não são mais dignos de mim
São apenas vermes coleantes diante das novas verdades
As descobertas que eu não quis... eu as tive todas
Eu fiz todas
Rudezas insensatas em meu coração ferido
As alvoradas pelas quais ansiei jamais vieram
Devem estar ate hoje paralisadas na garganta cruel de algum deus zombeteiro
E como zombam estes deuses...
Como zombam...
As lagrimas que eu tinha... eu as derramei todas...
Me vi  vazio de prantos...
Julguei-me imune a prantos...
Mas há sempre lagrimas nascendo aqui nesta terra
Os amores que cultivei...
Permanecem amores...
Mas tão isolados...
Tão tolamente alienados de minhas existências erráticas
Os amores que cultivei já não parecem o bastante...
As sombras os sorrisos as palavras todos os atos em  fim de tempos pretéritos e ainda assim tão reais... tão presentes ...hoje são fantasmas num castelo
Meu castelo...
A morada  que não parece um lar
Que não me acolhe...
Aprisiona...
Os favores que concedi foram esquecidos
Os que recebi sempre voltam em cobranças
A vida que eu conheci desvaneceu na esteira cruel dos dias
Desgastou...
Como desgastam os brinquedos de uma criança descuidada
Uma criança maldosa...
A vida que vivi esta morrendo...
Esta já morta...
Como um velho rei que pereceu
O rei esta morto...
Vida longa ao rei.

Rodrigo L.Cabral

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CINCO VOZES

Eu vi uma luz azul que oscila sempre
Vi o negror sem fim e sem pensamentos
Distendi ao Maximo os músculos etéreos do meu ego
Busquei a soma de todas as somas na matemática trágica da vida
Aprendi a dividir
A esperar o céu descer
Eu quis fugir buscando territórios distantes
Implorei companhia a velhas estatuas esquecidas
Terei chorado?
Louvei a deuses obscuros em altares mortos
Velhos senhores que o tempo carregou consigo
Nenhum deles respondeu
Lancei meus lamentos aos quatro ventos do mundo
O vento sul os carregou pelas terras frias
O vento norte os arrastou pelas areias escaldantes
O vento leste os dispersou pelas florestas ainda insondáveis
O vento oeste os entregou as montanhas secularmente velhas
Nenhuma palavra minha encontrou eco ou resposta
Perguntei-me... será este o meu destino?
Condenado a um silencio onde as respostas esvoaçam irrequietas e não se deixam capturar?
Segui desorientado as corredeiras da minha mente
Recebi visitas
GINSBERG veio e me disse que poetas são loucos
SOLOMON gritou pra mim que “acidentes” acontecem
KEROUAC contou historias intermináveis
BURROUGS discursou sobre sentidos sem sentidos
BUKOWSKI me inundou de crônicas sujas
Eles partiram depois
Mas jamais se foram de todo
Como arvores gigantescas que deixam sementes em solo fértil
Algo dali germinou
Eu segui equilibrado na navalha mental do meu cérebro
Tão incerto e louco quanto correto e cônscio
Ouvi bailados em meus cadernos
Perdia a mente que me fugia na tinta da caneta
Dancei com a escrita
Cortejei os versos
Fui correspondido
Não fugi
Não mais
Construo pontes com poesia louca
Caminhos que me tiram da realidade opressora
Fujo do mundo quando quero
Deslizo macio no céu de poemas
Meu coração sofre
Meu coração sangra
Minha alma chora
Minha alma grita
Desespera
Se alegra
Mas a dor não se foi à dor não acaba
Aprendi a expulsa La a alivia-la 
Agora quando meu mundo encolhe
Quando me dói o peito
Quando a sombra vem
Quando a lagrima se avizinha irritante e decidida
Eu não me abandono
O que faço... Crio poemas.

Rodrigo L. Cabral

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A beirada do mundo

Eu sofro do olhar calcinado de quem viu demais das sombras
Tantos cinzas manchando as paisagens do meu mundo
E eu precisando de algo
Alguma coisa minha que jaz perdida já há muito tempo
Nem sei bem o que
Eu deixo os olhos passearem no céu coalhado de estrelas
Deixar a Terra e vagar pelos astros
Há doce sonho
Desejo improvável que me mantém longe
Já não resta mais em mim nem mesmo uma pequena fagulha
A chama e agora mera lembrança
Só resta uma brasa extinta e dormida
Apagada de medo
Sou o sussurro sombrio e fraco
Anseio a mudança que não vem
E o alivio do peso que esmaga-me o peito cansado
E Deus como estou cansado
Tão farto destas batalhas sem glorias
Encharcadas de vitimas
Cansado de sonhar o sonho que se afasta deixando-me apenas a poeira da distancia
Quando é que a dor finalmente para?
Se é que para
Preciso de algo que abrevie o sofrimento
Alguma coisa qualquer pra apressar minha miséria no mundo
E que importa se e corda, bala ou faca o que põe fim a tortura?
Não careço do refinamento do método
Só da paz das trevas aconchegantes
Que não provocam lagrimas
Estou a um passo da beirada do mundo
E se pular... serei eterno.

Rodrigo L. Cabral

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OUTRORA BARBAROS

Pare com  isto amiga ninguém se importa mais
Se teus exército derrubaram as muralhas do castelo
Ou se fracassaram...
Ninguém liga...
Pra  que tantas perguntas formando-se em teus lábios rubros?
E este cenho franzido em mal disfarçada  impaciência vai te levar aonde?
Não há novos lugares para ir querida
Todos os continentes já estão velhos... E já foram descobertos
As pessoas saciam sua sede de aventura no cinema
Os mais corajosos talvez ainda busquem um livro
O mundo mudou...
Aceite
O teu destino não é mais ser musa
Não podes mais impelir minha poesia por tuas curvas loucas
Ah doces e traiçoeiras curvas as tuas...
Ainda as amo...
Ainda as busco...
Mas não tenho mais versos pra elas
Ah distantes e misteriosas terras de outrora hoje já não estão mais tão distantes
Nem são tão misteriosas...
Querida o Google  earth acabou de vez com os mistérios
A aviação comercial encarregou-se de tornar acessíveis nossos últimos rincões imaginários
O mundo ficou menor... mais funcional...mais simples
As descobertas estão a um clic de serem reveladas
As grandiosas e aventureiras jornadas não existem mais
Querida onde estão nossos velhos heróis?
O que o Sombra ainda sabe?
Com quem Conan da Cimeria ainda luta?
Será que o Zorro desistiu?
Eu sei que podes me apontar ainda à presença deles em pequenos bolsões de existência
Algum filme não tão antigo ou revista que ainda publica suas historias
Mas não é mais  o mesmo você percebe?
Solomon  Kane hoje parece tão perdido
O que são alguns fantasmas e lobisomens nestes dias em que tudo voa?
Em que a mídia esta cheia de garotinhos magos e vampiros adolescentes!
Em que tudo é super em uniformes coloridos!
Eu sei querida aqueles dias se foram...
Aceita...
Erga comigo sua taça de vinho
Brindemos ao nosso passado fantasioso e não vivido
Brindemos a nossas memórias irreais de dias mais simples
Vamos deixar a noite nos alcançar em alguma viela escura desta cidade
Só por  hoje como fizemos outrora... Sejamos bárbaros.

Rodrigo L. Cabral

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TOLO BILY


Bily veio ver a ultima morada
Tao tolo é você Bily
Destroços ainda fumegantes em alguma calçada
E Bily sabe...
Só Bily sabe...
Uma noite destas ele vai contar também a você aquela estória
A estória dele...
Bily agora conhece cada antro da noite
Ele já não tem medo
O que o assustava Bily?
Tolo Bily...
Em algum lugar Bily deu sua ultima risada
Quem te ouviu Bily?
Bily deu sua ultima risada onde ninguém podia ouvir
Que tolo...
Tão tolo é você Bily
Bily diz que quer uma ultima canção
Quer jazz Bily?
Quer Bird?
Bily diz que sabe quando acabou
Quem te contou Bily?
Como você percebeu?
Bily odeia este terno tão azul
Rabugento Bily...
Tão tolo...
Não podemos mais falar daquela manhã
Por que Bily?
Manhãs do Bily...
Bily diz que sua poesia nunca rimou
E quem liga para isso Bily?
Bily diz que quer uma marcha simples
Tao formal o Bily
Tão tolo... tão tolo...
Bily diz que lembra de tudo agora
Veloz e furioso
Luz e concreto
Metal e sangue
Derrapagem e silencio
Freeway final?
Estrada que acabou?
Ah Bily beberrão
Tão tolo Bily
Agora Bily esta na morada final
Lapide para Bily
Nenhuma canção para Bily
Silencio... silencio eterno Bily
Tão tolo...
Tolo Bily.

Rodrigo L. Cabral

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EU A VEJO

Ontem eu a vi
Divagando com taças de vinho
Só o álcool como conselheiro
As coisas não estão tão ruins assim garota

Às vezes vejo você na roleta russa
Tentando adivinhar onde esta a bala
E quem será o próximo?
Não devia ser assim
Não precisava
Você já da sinais de cansaço
Perdida entre a conversa e a cerveja
Absorta em fumaça de maconha
E um mundo idiota
E eu a vejo voltando na madrugada
Andar trôpego a boca borrada dos beijos
Da noite
Às vezes desgastada das trepadas
E diz chorando ao espelho que esta foi
Uma noite vazia
Sem perceber que assim (vazias)
Foram todas as outras
Eu a vejo repetindo isto ate o fim da vida
Não se diverte, mas ri nervosa.
Negando que dói
Achando que passa com uísque
Eu a vejo roubando prateleiras nos supermercados
Só pelo prazer ou pela fama
Sua turma fazendo barulho dentro de um carro
Você achando que tudo e perfeito
Eu a vejo chorando no escuro do quarto
E sempre assim quando você desperta
E tudo ainda esta La
Eu a vejo nos braços de um cara
Ontem era outro
Quantos serão ate o fim da semana?
Quando e que você vai encontrar o que procura?
Será que sabe ao menos o que é?
Eu a vejo nua no Box do chuveiro
Sentindo a água cair
Levando consigo os dias passados
Eu a vejo com rasgos nos pulsos
Água tingida de escarlate levando sua vida para o ralo
Eu a vi desistir naquele dia
E chorei de tristeza
Agora caminho sozinho nas ruas
Não a vejo mais.

Rodrigo L. Cabral

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EU ERA O DECIMO

Eu era o décimo...
Nove antes de mim...
Todos jovens e selvagens
Todos corajosos e indóceis
Todos melhores que eu
Eu fui o décimo...
Fiz o que fiz depois dos outros nove terem feito
Senti a terra entre meus dedos...
Senti o cheiro ocre do mato...
Meus ouvidos cheios das suplicas dela...
A meu redor burburinho indecifrável
No horizonte os clarões das bombas
E os estrondos...
Nenhuma piedade na minha cena
Éramos dez...
E eu fui o décimo...
Se saciei alguma fome naquele dia não foi a da carne
Não foi a da luxuria...
Foi apenas a selvageria
Fui apenas besta...
Animal sem amor só instintos...
A moça tremeu em meus braços...
A moça gemeu em meus braços...
A moça sofreu em meu domínio...
A moça chorou certamente...
Mas eu não vi
Não pude olhar-le o rosto
Era a guerra...
Eram dias de batalha e fúria
Momentos de chama e ódio
Só amigos ou inimigos a minha volta
Só o comando de meu capitão
Só a batalha a caça o caos e  morte...
A moça era inimiga...
Assim disse o capitão
Assim concordaram meus companheiros
Era inimiga não merecia cuidados
Eu assisti os outros nove...
Um a um saciarem sua fome brutal no frágil corpo dela
Pensava em minha mãe que me criou pra ser honrado
Pensava em minha irmã que devia ter a idade da moça
Tudo em mim cada fibra cada sentimento em revolta contra aquele ato
Mas os nove se sucederam
Todos foram a ela e todos voltaram
Todos sorrindo e saciados
Todos me olhando...
Esperando...
Cheio de horror e nojo eu hesitei
Pensei mil coisas
Mil palavras...
Mas fui...
Fui o décimo.

Rodrigo L. Cabral

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TINHA TETO DE ZINCO

Tinha teto de zinco
Ouviu a chuva no telhado
Tamborilar, tamborilar
Engolindo os sons da casa
Tinha teto de zinco
Ouviu o trovão La longe
Fechou os olhos assustada
Aguardou o raio...
O raio... não viu
Tinha teto de zinco
Perguntou-se se La fora agora era granizo?
Poc, poc o que seria?
Tinha teto de zinco
E paredes de madeira carcomida
Morava com os cupins que viviam nela
Dois gatos rajados na sala
Mas sem gaiolas
Nenhum pássaro
Tinha teto de zinco
E um quintal longo e estreito
Nos fundos bananeiras
Nos canteiros margaridas
Nenhuma rosa
Não tinha rosa
Queria a rosa
Tinha teto de zinco
Ouvia o vento na casa
O sentia nas frestas das paredes
O vento carregava detritos
Tinha teto de zinco
E uma enorme janela antiga
Perscrutava o céu assustada
Não via a lua
Não havia lua
Só tempestade
Tinha teto de zinco
E uma vela acesa embaixo da mesa
Como a mãe lhe ensinara
A tempestade caia La fora
Tinha teto de zinco
Ouvia o dilúvio no teto
Longa noite pra ela
Longa noite.

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PÉSSIMA MEMÓRIA

Andei esquecendo coisas...
Motivos,fatos,traumas...
Vergonhas,rancores...
Andei esquecendo coisas...
Nas ruas, nas vielas...
Nas janelas, nas praças...
Andei esquecendo coisas...
Nos olhares,nas palavras...
Nos gestos...
Andei esquecendo coisas...
Ao norte,ao sul...
Ao vento...
Andei esquecendo coisas...
Bendita seja minha péssima memória.

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MERETRIZES NÃO PRECISAM DE MEMÓRIA



A cidade é uma puta que vai cair
Cirrose,pra ela esta noite...e andar tropego na chuva
E chove medo...chove medo...
As esquinas e ladeiras,as pontes sujas e a merda no chão são suas marcas,suas cicatrizes...
Velhas meretrizes não precisam de memórias...
E o gemido longo e feminino que vem do puteiro vai te alertar
Vai querer viver esta noite garoto...
Vai querer viver...
Quem esta drogado é o Carlo? É o Jazz ?
É você?
Já pensou em procurar a verdade nos becos?
Imunda ela fica la onde ninguém precisa dela
Ninguém mais quer a verdade inconveniente
Ela é como aquele tio retardado que a família acolhe e ignora
A verdade agora bebe e fuma em bares...
Mas não sobe palanques...não não sobe...
A cidade vomita suas coisas nas noites mais negras...
São corpos em valas...
Soa a tiros...soa a lascas...e balas...
E cortes...e óbitos
A cidade é também cemitério
E você sabe...Não sabe?
Se a cidade canta é só distorção o que ela tem...
Nada de blues nas ruas...
Nada de poesia...
Obscena a cena...
Nenhum pudor nas praças
Só crack ,vinho ,maconha e cachaça
E que mal faz?
Tanta gente por ai juntando restos...
Deixando pedaços seus...
São como a sujeira nas unhas que tem...
São como o fedor que você quer mascarar...
Ma não ha pra onde fugir garoto...
Isto é você também...
A cidade é você também...
É sua mãe sua irmã e sua puta...
É uma velha louca e suja esperando num bar...
Vai beber com ela...
Vai beber com ela.

Saiba mais…
CPP