Posts de Paulo Sérgio Rosseto (362)

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VELHOS DITADOS

Não há boca tão bela

Quanto a escarlate da noite

Nem queda tão doce

Quanto o cair da tarde

Um azul celeste

Quanto o do céu ao meio dia

Um azar tremendo

Quanto ser bode expiatório

Um risco iminente

O de bater o rabo na cerca

Ou a tremenda mancada

Em ter comprado gato por lebre

 

Por sequer um minuto

Ter dormido no ponto

Necessidade maior

Que a de mudar da água ao vinho

Oportunidade ímpar

Em botar as cartas na mesa

E se preciso por fim

Por as barbas de molho

Ousar prometer mundos e fundos

E depois fazer tempestades em copo d’agua

 

Esperar sentado que uma mão lave a outra

Riscar com giz as impossibilidades do mapa

Assuntar assombração sem pés nem cabeça

Resolver as ranhuras pondo os pingos nos is

E por resposta receber baldes de água fria

 

Seria o mesmo que ignorar por completo

O perfume que emana da rosa aberta

Por desejar na língua o gosto do orvalho

Que encharca suave o veludo da pétala

 

PSRosseto

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POESIA

Não sei bem se faço poemas

Sei que transcrevo os versos das canções

Que a tua presença impõe

Para que meu coração cante

Meu espírito louve

E minha alma te aclame

Intensamente dona de mim

 

Qual oração que recito

Medito, bendigo todas as formas

De ao rezar estar junto a ti

Num final de noite de outono

Quando a insônia e o abandono

Torna a poesia mais exata

O silêncio mais puro

O sussurro um enorme grito

Nos bilhões de anos luz

Do abismo infinito dos sonhos

 

Já não sei mais em qual planeta

Vivo, para onde irei ou venho

Apenas sei que te componho

 

PSRosseto

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INDEPENDENTE

Meu ousado coração insistente

Vive permanentemente em festa

Trabalha contente, bate cantando, pulsa o sangue

Com tamanho vigor e desenvoltura que por vezes

Destoa das regras intrínsecas

Da vida que o corpo leva

- Nem parece que tem a idade

Instigante a que se presta

 

Enquanto isso vou cuidando de mim o quanto posso

Porque bem sei do pouco tempo que ainda tenho

E da chance de sobrevida que me resta

 

PSRosseto

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ESTES MEUS VERSOS

Coloquei meus poemas em livros

E juntos saímos livres a passeio.

Primeiro andamos pelas praças

Debaixo de pequenos arvoredos

Colhendo flores, contando estrelas

Observando as singelezas da vida.

 

Depois dividimos ao meio as vicissitudes

As inquietudes e os pensamentos surreais.

Uns enxergaram-se singelos e feios

Outros mais completos, complexos e bonitos

Mas todos esmerilhados em sentimentos

Ainda que com motes abruptos ou aflitos.

 

E graças às vezes que os escrevo

E você decifra estes meus versos

Torno-me ainda mais fútil e passageiro

E eles ousadamente infinitos.

 

PSRosseto

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UM TECIDO QUALQUER

Apesar de ter sido um tecido qualquer
Um pedaço de pano que serviu no passado
Para enxugar teu corpo, limpar os teus pés
Forrar tua cama, proteger tua mesa
Recobrir teu sexo, colorir teu sofá
Secar tuas xícaras, guardar tua boca
Lustrar tuas botas, recolher tua lágrima
Teimosa que insistia verter na cheirosa
Fronha macia e alva do travesseiro

Acredito ter sido a tua camisa de linho,
Vestido de seda, chita xadrez
Meia de algodão, lenço de cambraia
Cobertor, colcha e lençol
Fina renda de lingerie, calça de tricoline
Panos elementares tão próximos de ti
Que causavam ciúmes e pensamentos infames
Às ideias quando secavas os teus cabelos
Com as felpudas toalhas de lã

Hoje quieto esfarelo as barras
Amarrotado, dobrado ao meio
Sem propósitos, mas ainda inteiro
Quem sabe um dia necessites de mim

 

PSRosseto

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CALOR

A pele aquece

A mão sua

A boca seca

A língua umedece

A garganta tosse mas não basta

Porque o calor brota

Aflora dos poros dos pelos

Das ideias que indecentes

Exploram explodem reviram e descem

Pela porta e janelas fechadas

Onde se tem a impressão e aparência

De que tudo se tornara

Um particular deserto em que nada nasce

Nem acontece senão entontece

Apenas disfarça um grito miúdo

Que se não se mata de imediato a sede

Simplesmente amaluquece

 

Estamos escravos incondicionais

De qualquer vento ameno que arrefece

E quando no quarto o ar

Não liga ou está mal configurado

E é isso o que acontece

 

PSRosseto

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COM OUTROS OLHOS

Deveria existir um controle remoto

Que retornasse os giros da terra

 

Pudéssemos escolher determinadas cenas

Retroceder um a um seus quadros

Dentro de um espaço de tempo gravado

 

Ganharíamos a chance de releituras

Da redescoberta de algum detalhe

Marcante que talvez se escondesse

Ou deixara de estar revelado

E porventura já estivesse perdido

Da memória

 

Sinceramente escolheria rever

Quando ainda a via com outros olhos

 

PSRosseto

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DESEJO

O desejo
De muita sílica anônima
Seria transformar-se
Em venerável vidro
Deixar de ser puramente
Cálcio e sódio
Soldar-se mansa
À ponta de um cadinho
Moldar-se em multiformes cores surreais

Ser para-brisa de carro
Copo americano, litro de cachaça
Travessa resistente, vitral de igreja
Janela de prédio, porta giratória
Gude de cristal, jarra para sucos
Tampa de farol, pote de geleia
Lente para óculos de grau

Depois de frágil massa
Transparente e dura
Cometer o risco
De mudar-se em farelo
Quebrada em mil caquinhos
Pela própria criatura
E se não conseguir voltar a ser óxido
Ao menos um átomo em algum milênio
De pó de mico levada pelo vento num sopro
De poeira sobre um móvel no quintal

 

PSRosseto

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A LUA

Tanta coisa se aclara com a lua

Até mesmo as emoções todas afloram

Na penumbra fina da luz rala

Entre silhuetas de fantasmas magricelas

Flana a passeio sobre vapores e velas

Atracada às ondas calmas e inquietas

Onde a indecisão e a certeza se resvalam

E fica horas sobre o monte a olha-las

 

Não se abala, adormece ou cala a noite

Martela nas profundezas ostras e pedras

Distorce as correntes, assusta corais

Remexe os silêncios, iguala as regras

Solta as amarras dos barcos nos cais

Fria, ri das calmarias, instiga os canais

 

Depois se desmancha pudica e indecente

Entre as risíveis falsas juras dos casais

 

PSRosseto

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ANSEIOS

Um ultimo gole me persegue

No copo transparente das intenções

Que arfam e ardem no peito de tequila

 

Melhor dormir antes que a tarde finde

Senão endoida a palavra

E nada mais me controla

Pendurado naquilo que desejo

E que me falta e falha

 

Uma eternidade profana

Dentro de uma dose mal tomada

Escrita na língua úmida de quem te olha

Absolutamente vive de anseios

E nada fala

 

PSRosseto

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MESTRE

Então agora sou mestre!

No entanto impressão que trago

É a de que nada tenho e quão pouco dei

De mim, pois poderia ter feito mais

Dessas jornadas intensas por onde fui

Cruzando de sul a norte pelo ocidente

As primorosas estradas por onde andei

Seguindo ordens, observando a vida

Que se transformara sob os meus pés

 

E das certezas de que cheguei

Ao olhar por onde estive e caminhei

Guiado, seguido, amparado

Generosamente sem reservas

Por todos que de mim se acercaram

Tornam-me também ciente de que fiz

Desmesuradamente por merecer

 

E se após desbravar tanto viés

Desfruto estar onde conquistei

Ah, mestre então permanecerei

Aprendendo sempre

Do que ainda tão pouco sei

 

PSRosseto

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DESACORDADO

Raramente sei quando durmo

Por onde ando.

Às vezes lembro os sonhos

Devem ser indícios

Das fugas que cometo

Quando acordo e venho

De qualquer outro espaço

Ou diferente mundo

 

Então me fico perguntando

Por que ter ido

Para lugar tão estranho

A ponto de ver perdido

Os restos de memória

Que ainda detenho

Ao estar novamente de volta

Enfim acordado

 

Seria como viver a experiência

De estar sedado

E não sentir qualquer arrepio

Nem de orgasmo

Nem mesmo de emoção

Vertigem ou desafio

Abobalhado e embevecido

De paixão permanente

 

Você que gosta e sabe

O que é dormir tanto

Por favor explica.

Talvez desperte

E me surpreenda

Quando agora deite

E lá na frente pela metade

Inteiro e sonolento levante

 

PSRosseto

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SEMINUA

Uma nuvem maluquinha
Endoidecida de vontades de chover
Derreteu-se inteira sobre a Cidadela

O que era uma chuvinha descuidada
Alagou quintais, telhados e avenida
Deixando ensopada também
A moça que de branco vestia
Os sonhos de alguém

Da janela embaçada e amorfa
Somente meu poema a notara
Encharcada de cantigas
Ardendo-se em chuvas
Seminua de alegria

 

PSRosseto

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ESCOLHA

À flor da terra

Ao invés da areia

Aprisionamos na redoma

Porções de tempo presente

Em cinzas ou labaredas

 

Essa alquimia de brasas

Produz chama incandescente

No translúcido vidro

Que ofusca ou aclara

O caminho às avessas

 

Se conseguir passar

Repartimos no tênue brilho

Convites para que outros venham

 

Em não vindo

Seguimos sentinelas

Ao menos iluminando

 

Arautos de lâmpadas acesas

Aguardamos que os eternos laços

Os chamem

Ou os matem as incertezas

 

Depende a escolha!

 

PSRosseto

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SOMENTE UMA VEZ

Morrer dói somente uma vez.
Viver sim seria muito mais sofrido.

Quando desapareces dos meus olhos
E te desprendes do meu abraço
Quando os teus passos se rebelam
E foges por caminhos que ignoro
Quando teus lábios não me dão consolo
E teu cheiro te ausenta de mim
Quando tua imagem não mais reflete
A luz que brilha em meu espelho
Quando a solidão me embriaga
Ao invés da tua doce companhia

Viver é muito mais sofrido.
Morrer sim doeria somente uma vez.

 

PSRosseto

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CONFIDENTES

Vivendo vamos tomando liberdades
E assim cada vez mais
Deixando de ser livres

Íntimos dos planos vindouros
Próximos das filas do acaso
Pertos das armadilhas dos segredos
Junto das inescrupulosas correntezas
Confidentes dos inacreditáveis complexos
Confessores de pecados rechaçados
Sabedores de incuráveis culpas
Conselheiros de promessas desmedidas

Nessa corda de nós que nos prende a alma
As intenções e a paixão nos tomam por guias

E quando percebemos estamos soltos
Porque são esses gestos que nos içam
E dão sentido aos nossos dias

 

PSRosseto

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NINGUÉM

Ninguém busca um poema perfeito

Nem quem o lê, nem quem o faz

Buscamos juntos um texto justo

Que dê sentido ao existir

Desses que complementam o agora

Que interrompem o vazio das horas

Iludem e abonam as perspectivas

Descartam as aparas da agonia

Balançam as expectativas da mente

E nos faz sentir qualquer item

Absurdo, conjuntural e diferente

Do momento que se vivencia

Nas palavras singulares e plurais

 

De resto nada mais é importante

Exceto a delicada e sinuosa opção

Incontestável de poder amar

 

PSRosseto

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INCÔMODA

Na menor porção

Esconde-se a grandeza do átomo

Com paciência

Infinitamente eterna

Onde o olho nu não alcança

Enxergar ainda que tente

 

Também eu não consigo ver

A debilidade que me rende

Apesar de gigante e imensa

A mediocridade que me prende

Ante as minhas despojadas

Incertezas que me tornam míope

 

Evidente que você não entende

Porque fico assim ilhado

E sempre aqui aguardando

A clarividência de sua fina lente

- Sou tão dependente de ti

Que me torno seu sobrevivente

 

Admito que não haveria momento

Se a vida um dia deixasse de ser

Tão docemente incômoda.  Lamento!

 

PSRosseto

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ATREVIDO

Meu menino aduaneiro
Mistura de propósito as conversas
E eu avô experiente
Mais propenso a ser criança
Sem noção fazemos o dia
Ferver às avessas

Servimo-nos das mesmas travessas
O alimento que permeia
Espremer-se pelo leito
Alimenta nossa vida travessa
E a hora pregressa e perversa
Que nos enche com promessa
De nada ou pouco adianta
Suporta ou contenta

A priori nos fartamos das verdades
Desafiamos cada uma das tardes
A nos transportarem para a noite

Há quem não chegue nem dormir
E tantos que nem acordar consegue
Porque a vida nem mais pulsa
Ainda que o pulso peleje

Isso tudo é mesmo uma bagunça
Ainda que nos aliemos ao tempo
Esse atrevido insano
No cotidiano se amoita
Impiedosamente de seu espaço
Nos expulsa

 

PSRosseto

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DESSINCRONIA

Meus olhos e minha boca

Chegam sempre comigo

A qualquer lugar que vou

 

Por vezes os olhos dizem muito

E a boca se cala. Em outros momentos

Dissimulam e a boca fala fala fala fala

 

Há quem não se importe

Ou note essa dessincronia

 

Apenas a mente ruboriza

Pelos descontroles da minha cara

Despojada de moldada ironia

 

Deixam-me sisudo ou risonho

Sempre quando e onde

Menos pode ou precisa

 

PSRosseto

Saiba mais…
CPP