Posts de Paulo Sérgio Rosseto (362)

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BOLINHOS

Ontem uma nuvem boba não se conteve
E derreteu suas vontades
Sobre a terra

Assim caiu uma aguinha à toa
Dessa esparsa que pouco molha

Os pingos fizeram bolhas na frigideira
Onde Jandira suava bicas

Amamos esse cheiro de terra úmida
Ventos rápidos
E bolinhos de chuva

 

PSRosseto

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VERSOS DE VIDRO

Opaco espelho
Desvencilha dos minúsculos ciclos
Esfarelados fincados na areia

Esse velho labirinto inútil estilhaçado
Refletia de um lado
As fases das faces monstruosas
Enquanto dormíamos distraídos
Nas escadarias das cavernas

Cuidava das imagens
Velava os mínimos pigmentos de luz
Das imediações
Pensando que nos iluminava
E ria porque nos enganávamos imortais

Nós continuamos iludidos
Robustos de carne e vidro

As suas migalhas no entanto
Transformaram-se de frente
Em versos e cacos
Que a dor quebrara!

 

PSRosseto

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INACABADO

Precisasse falar, diria.
Como não preciso calo
Porque sei que minhas mentiras
Nem mesmo eu as ouviria.
Não escutando ignoro
Ignorando desdenho
Qualquer coisa que suponho
Em nada ajudaria.
Entendam todos que tenho
A liberdade ao meu lado
Por isso entro e saio e passeio
Pelo ângulo e ótica que concebo
Em partir a verdade ao meio
E suas supostas metades
Retalha-las sem receio
Desvendando o que não vejo
Não vendo o que não pretendo
Tomar por prioridade
Deixo as suposições de lado.

Ninguém conclui a própria obra
Sempre haverá um novo verso
Em um momento inacabado.

 

PSRosseto

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POR UMA CAMA DESTAS

Por uma cama destas

A gente se deita e abre a estrada.

 

Seguiremos imperfeitos

Por qualquer caminho,

Amassaremos as coisas

Em meio a ausências e rejeitos

E roupas amarrotadas.

 

Escolheremos como e de que ter medo

Que cores tingiremos as paredes

De quais verdades iremos brincar

Em quais brinquedos passaremos a crer;

 

Se no tempo certo ou agora cedo

Deixaremos o porvir dizer

Em que solo devemos pisar.

 

Haverá sempre um abrigo

Próximo a uma margem mínima

Entre os sinceros sentimentos.

 

Nenhum estrondo ou silêncio

Irá abalar nossos propósitos

Mas caso haja a hora derradeira

Será esta única dose íntima.

 

Conviveremos com os ventos

Que têm por habito desalinhar

E tornar perplexo o propósito

Do que se acha fortaleza.

 

Jamais duvidaremos do que brota

Ainda que a madrugada esgote

Qualquer vontade em seguir.

 

Entre mãos firmes e dadas seguiremos.

 

PSRosseto

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O VENTO TE ALISA

Quem traz mais ilusão ao teu cotidiano
A noite ou o dia ambos repletos de magia;
Quando o sol acende o meridiano
Ou sempre que no ocaso descansa?

Quando afirma, indaga ou das paixões duvida,
Põe teus sonhos na precisão da balança
Vê se cabem naquilo que atende
E se adaptam à tua fantasia de vida.

Lastime somente se perder o compasso
De resto é sorte que se rende ao acaso
E ininterrupta luta por harmonia.

Deixa entender de onde vem tua brisa
O ar com quem divides o que respira.
Os dias virão enquanto o vento te alisa.

 

PSRosseto

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UM EXPRESSO NA LIVRARIA

Em meio aos milhares de livros
A moça de leve eleva até a boca
A borda da delicada xicara
E abraça com os lábios
O líquido que arrebate expresso
A espuma quente da beira da louça.
A fumaça lhe embaça as lentes
O negro néctar alveja ainda mais seus dentes

Ela sibila, cerra os olhos com candura
Enquanto sorve e disfarça a voz
Envolta em doce encantamento
Depois arrebatada de momento
Deita a chávena no colo do pires
Observando a vastidão da mistura
Vestígios do seu batom no café
Açodado por um torrão de chocolate
Como quem lesse placidamente as entrelinhas

E o moço admirando ali as displicentes capas
Floridas dos mágicos títulos da livraria
Retém da memoria uma infância de rimas
Torrando as sementes de um vasto cafezal
Banhado por dizeres, frases e poesias

 

PSRosseto

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RABISCOS

Fico a perguntar
Qual a diferença da fome
Entre um lado e outro da fronteira
Da sede se é maior ou menor aqui ou acolá
Das ideias, ideais, culpa e ideologias
Da necessidade de entendimentos
Das concepções, expectativas e experiências
Da beneficência que assimila o beneplácito
Das nuances da língua, transcritas na fala
Da confidência do acerbo causal
Que por vezes exacerbados nos toma

Achamos que somente nós detemos
A bandeira mais bela
Um hino emblemático
A épica epopeia
Um enviesado ontem de glórias
A certeza mais pródiga
Um futuro tão próximo
E esse presente útil e absoluto
Que nos imprime soberanos

A mesma chuva que aqui orvalha ali molha
E quando aqui encharca talvez ali apenas serene
Mas a neblina é só uma
E jamais apequena a terra
Apesar das duras penas e da febre
Que sem dó tapa, impõe, arrolha
A consciência de quem labuta e assume a batalha

Quem dividiu os lados
Esqueceu-se de desligar os rabichos
Dos rabiscos sujos de guerra

 

PSRosseto

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PARA DEPOIS DO CARNAVAL

Deixem as batalhas para depois do Carnaval.
Contenham os ânimos
Embainhai as espadas
Guardem os rifles e canhões, fuzis
Poupem a língua do sarcasmo hostil.
Deem às crianças liberdade e fantasia
Às deusas fantasias e malemolência.
Desmanchem os pelotões
Criai apenas blocos.
Cessem as marchas para ouvirem os coros
Das simétricas matreiras marchinhas nas ruas e salões.
Hasteiem as bandeiras das escolas
Os estandartes das agremiações
Os santos mantos dos desejos
Estampados nos mastros da alegria dos trios.
Desnudai os sentimentos que invadem as praças
Com sonoros tambores e tamborins.
Arrastões somente de ousadia
Excessos de explosões de felicidade nas avenidas.

E depois, quando tudo isso passar pela cidade
Riremos incomodados da paz que essa guerra de folia
Por alguns inconsequentes e deliciosos dias
Conseguiu nos dar.

 

PSRosseto

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PASSARINHAR

Não invejo os pássaros
Pelas asas
Pelo canto
Ou pelo pio
Muito menos pela leveza da pluma
Ou pelo ziguezagueio matreiro no ar

Não os invejo por serem passarinhos
Pelo desenho de seus ninhos
Ou por outra razão alguma
Senão o relance no olhar

- Isto sim me põe zonzo de arrepio
Enxergando a diferença
Entre seus necessários voos
E meu reles caminhar

 

PSRosseto

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PERGUNTO

Pergunto
Se no futuro haverá criancices
Dessas corriqueiras sandices
Feitas por mim e qualquer um
Nas esquinas das ruas
Amoitadas no banheiro
À beira da piscina
Escondidas no mato
Amassadas nas beiras
Rabiscadas no muro
Debaixo das fuças
Onde todos passam
E os loucos nem sonham
Que possam existir
Assim tão saborosas e boas

Pergunto
Somente porque
Sempre haverá perguntas

 

PSRosseto

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ROTINA

Minha cidade tem apenas alamedas

Não existem ruas
Nem vielas avenidas travessas trilhas ou becos
Mas sim somente alamedas
Por onde largamente disfarço
E vivencio
Na rotina dos meus medos
A imprecisão dos meus passos
 
PSRosseto
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IRREALIDADES

O que prende as águas ao leito
É unicamente a aparência das imagens
O que segura as ondas sobre a flor
É puramente a coincidência
Não há beirais
Não existem orlas
Inexistem as margens
Não há prudência na testa das tormentas
São meros paradigmas boçais

Achamos que alicerce prende e separa
Que amarra ancora
Que âncora sustenta, fixa e aferra

Tolos conceitos, tudo esvai ligeiro, degenera
Ensaboa como nó na garganta, dor no peito
Prenúncio de temporal

Tão frágil é o mundo
Fortes são as sombras
Que assopram e assombram
Irrealidades coadas sobre todos nós

 

PSRosseto

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TAMANHO FAMÍLIA

O tamanho da família é maior
Que se consegue contar nos dedos ou listar
Família é ser maior
Que estar no afago das mãos

Não é possível mensurar por empatia e amor
Não é possível mensurar apenas na coincidência
Nem pela incidência de sobrenomes puramente convergentes
O tamanho da solicitude é maior
Que as razões em tornar-se tamanho família

PSRosseto

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SONETO

As tuas mãos desenham coisas tão bonitas

Linhas infinitas que se completam em cada ponto

Que me põem tonto admirando as habilidades

Da tua preciosa e discretamente arte

 

Olhando os teus rabiscos sinto sede

Sonhando teus riscados tenho medo

Velando os teus desenhos transfiguro

Medindo tuas figuras compreendo

 

O que nas entrelinhas me revelam

Silenciosamente como músicas

Aquebrantando os ritmos dos segredos

 

Acendendo a tua áurea de artista

Quando uno a ti os vértices do poema

Transcritos por teus ágeis e habilidosos dedos

 

PSRosseto

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GAIOLAS

No pequeno alpendre, a mesa e seis cadeiras
Uns bancos malfeitos com restos das madeiras
Reaproveitadas das destocas do terreiro.
Sobre a mesa maçãs, folhas, flores e jarros
Desenhados na toalha plástica cheia de poeira.
Lembro ainda dos palitos queimados
E guimbas amassadas, dos palheiros pisados.
Logo à frente um risco de agua vazado da torneira
Das galinhas ciscando sobre as próprias fezes
E dos cachorros e gatos deitados na soleira.
Roseiras plantadas em canteiros separados
Por tijolinhos enterrados na diagonal.
Cascas de laranjas, pés de mamão macho
E os portões tortos amarrados
Junto aos mourões das cercas escangalhadas
Entre touceiras de mato, guariroba e pimenteira.
Um silêncio lascado se estendia pelas ruas do milharal
Cujas bonecas tagarelavam ou dormiam quietas
Transtornadas de gostosa meiguice.

Era apenas domingo, dormiam, ninguém trabalhava.
Os parentes viriam de novo somente no Natal.
Enquanto isso o presente era a saudade e a velhice.
Nós? Assistíamos a tudo de dentro das semiabertas gaiolas
Penduradas por pregos à sombra, nas paredes.
Comíamos restos, matávamos a sede.
Recordo daquela vida como fosse agora:
Cantávamos solidários blues desafinados
Alimentando os sonhos daquela gente da roça
Até que batessem asas para o mundo
E aprumados como nuvens livres
Em busca das cidades torpes fossem embora!

PSRosseto

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ESPERA

De seu coração tudo espero
- Desde a sublime paciência
Em compreender minha espera
Até mesmo a complacência
Por entender o desespero
Cuja tormenta me desespere
Caso a saudade conflite, admoeste, debilite
E atormente esta alma aflita
Repleta de bem querência
Porem inconstante e impaciente
Imatura, avara, intransigente
Sem saber se a desejo porque preciso
Ou se preciso porque a quero

PSRosseto

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AUDIÊNCIA PÚBLICA

Essa ideia íntima
Resiliente colada a ti
Que gemina quântica
Ainda que aos olhos vãos
Traduz-te santa e pérfida
Mesmo aos pudicos apiedados

Entendes putífera
Propositalmente lisa e lúcida
Paralisada à sílaba diáspora
De uma legião convicta
De débeis alucinados
De ouvidos moucos
Que fazem pouco dos que se interpõem
Ou se opõem a ti

Enquanto cálidos transeuntes mórbidos
Se sentem quedos
Aos gestos mais insensatos
Inventados por tuas ramas
Destróis os argumentos toscos
Artífices das cláusulas inexatas
À sombra das sobras
Dos teus próprios medos

Te arranjas forte
Acima dos loucos
Dos tolos
Da loucura oca
E seus artefatos

PSRosseto

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PEIA

Um dia coubeste inteira

Dentro do meu alforje

Eu bem pude move-la

Amassar, derreter, esfarelar e sobrepor

Como desejasse fugir, soerguer

Completamente verdadeira

 

Então criaste descontrolada

Quando eu não mais percebi

Não conseguia dobra-la

Não mais amassara

Jamais derretera

Muito menos se esfarelara

Apenas crescera independente

Enquanto demovido suspeitei

Desconhecer sua lógica velada

 

Saudade é mesmo assim

Transborda, explode

Arrebenta o embornal

Agiganta e dói feito peia

 

PSRosseto

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NO LADO OCULTO DA LUA

Deus agora está morando
No lado oculto da lua
Aonde no princípio descansou
Após a criação do firmamento
Onde guardou as armas peculiares
Usadas na composição do universo:
O verbo, o sopro, a onipresença
Magnanimidade e onipotência
E nos alimenta de bondade e misericórdia,
Persistência, persuasão
Esperança e sobriedade
Cuja saciedade me faz sorrir
Até das graças dos arcanjos endiabrados
Como fossem divinamente argutos
A ponto de me tornar secularmente feliz

Eu, que não me atrevo
Nem mesmo a explorar
O lado escuso da minha rua
Jamais recomendo xeretar o escuro lunar
Se bem que de certa forma
O mistério estelar instiga:
Desconfio que ali exista
Um celeiro de alminhas
Conservadas em invólucros de inocência
- Essa que perdi olhando o céu enluarado
Sonhando achar você!

PSRosseto

Saiba mais…
CPP