Posts de Paulo Sérgio Rosseto (362)

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PAREDES

Dentro da casa as paredes são mais ousadas

Tem sentimentos

Já estão acostumadas com nossos ciúmes

Conhecem os pensamentos a pormenor

E comprimem ou enlarguessem nosso juízo

São confessoras e cumplices a todo momento

 

As externas são companheiras no gelo do inverno

Nos isolam das chuvas e dos ruídos

Protegem-nos das atiradeiras dos ventos

Suportam a quentura e o bruto peso do teto

Comprimem o piso, retraem o pavimento

Fazem do lar um reino

Onde penduramos nossas tralhas de vida

 

Algumas do lado de fora são vistosas fachadas

Outras no extremo interno tem invejáveis ângulos

Erguidas ambas as faces ao mesmo tempo

Pelo modesto pedreiro

 

Quando nuas revestem indômitas sombras

Porque se isolam mas somam mutuas

As externas desconhecem as de dentro

Como as internas ignoram as da rua

Mas sustentam a mesma estrutura e se complementam

Da casa do prédio do edifício entre colunas

 

Estar em paz é poder cuidar de ambas

Sem viver de aparência nem estar ao relento

 

PSRosseto

Saiba mais…

O AR DE SAL

O ar de sal não perdoa

Corrói o poste e a luminária

Carcome a cerca de arame

No bronze de orégano faz bolha

No vidro ocre cria mancha amarela

Estoura o metal da torneira

Estraga os pregos e a madeira

Derrete o visgo e o lacre

Desmancha o verniz estoura reboco

Descasca vinil destrói o plástico

Esgaça o elástico esfarela silicone

Debulha o pano queima a rede

Trava o motor apaga o led

Quebra a corda zinabra agua

Degenera o fio o pavio e a vela

Fura a panela e a louça

Embaça a prata

Teme somente o ouro

Que passivamente o enfrenta

 

Igual à língua do mentiroso

Com a mentira que inventa

Tudo estraçalha e arrebenta

Menos o tempo que a desmascara

 

PSRosseto

Saiba mais…

EM CADA PÁGINA

As ralas nuvens passeando

Parecem muito soltas e macias

Deixam entrever o azul através

Da transparente brancura

Brandas mexem-se medianas

Pelas beiradas do céu

Esticam colam erguem baixam

Gotejam e desaparecem

Irrequietas onde se afirmam

Simplesmente deixadas

Ao sol e se aquecem

 

Se parecem com as rendas das

Vestes leves que te recobrem

Quando na cama dissimulada

Retiras do barco que te atraca

Os versos que te envio

E te sentes com o privilegio

De ser lembrada e cumplice

Do que há escrito e encharca

Da agua que habita tua espuma

 

Façamos chover

Em cada página que nos flutua

 

PSRosseto

Saiba mais…

CHECK-IN

Não havia mais trem
Após tanto vai e vem
A manopla partiu
Um trilho para cada lado
E os dormentes fugiram assustados

Não foi possível avião
Reduziram a pista
Para sobrar tinta
Dentro da esticada tela
Do bastidor do artista

O ônibus desgovernou
O juízo do motorista
Após o assalto
Em pleno dia
Na avenida de asfalto

O navio não atracou
Devido à ventania
O capitão sentiu medo
De encarar
Os segredos do cais

Nem bicicleta
Nem charrete e carroça
Nada que rodasse
Foi aceito atravessar
As trilhas da roça

Então fizemos check-in e fomos a pé

 

PSRosseto

Saiba mais…

ONDE DEVERIA

Onde deveria eu agora

Estar buscando tua presença

Se justamente a tua falta

Inspira-me e faz com que

Minha arte aflora

 

Não fosse tua existência

Andar por outra morada

Não haveria essa ansiedade

Adivinhando teu vestido

Qual música adorna

Os sons nos teus ouvidos

Se há livro em teu colo

Anéis nos teus dedos

Brisa remexendo os cabelos

Sandália em teus pés

Que te levam a passeio

Ardor nos teus olhos

Arrepio nos teus pelos

Segredos nos lábios

Perfume em teu cheiro

Rima em teus braços

Certeza em tuas crenças

 

A poesia não é cruel

Apenas se farta impropria

Das simples ausências

 

PSRosseto

Saiba mais…

A COVA QUE CAVO

A cova que cavo pá a pá

Abre uma brecha no mundo

E nela planto a muda virgem

Da erva que gerará sombra

Flores, frutos e folhas

Que ajudarão a oxigenar

Os pulmões da terra

 

Depois nesse espaço nem raso nem fundo

Estarão sepultas as raízes dos meus dentes

As plantas dos meus próprios pés

O esguio tronco que sustenta

Todos os vértices e meu ventre

Além de restos da massa e seiva que sobrar

 

Continuarei assim parte de barro e calcário

Pó de pedra, musgo e areia

E quando por fim mais nada restar

Estarei presente em livro e retrato

No fundo de sua memória

Ou junto a uma velha estante

Em alguma sala de estar

 

PSRosseto

Saiba mais…

MANDA TEXTO

Manda texto, não envie áudio nem vídeo

Não quero simplesmente ouvir tua voz

Nem ver os teus olhos, teus lábios e sorriso

Preciso mais que isso

Desejo ler tuas palavras nas entrelinhas

Interpretar as frases, parágrafos

O contexto do teu poema

O significado de tua prosa

O capitulo da tua novela

Entender a tua história

 

Escreve um bilhete elegante

Posta uma carta cheirosa

Podem ser escritos a mão ou digitados

Que reflitam teus pensamentos

Com a fidelidade da luz e a tela

Ou da cumplicidade entre a tinta e o papel

A dobra e o envelope

 

Depois sela com um coração e um beijo

Pode ser de batom

Ou emoji

 

PSRosseto

Saiba mais…

JURAS, SONHOS E SAUDADES

Deita comigo enquanto há desejo
Os meses passarão junto aos dias de maio
E logo a libido acaba
Tudo se tornará relativo
Pouco adiantará se houver oportunidades
Nada significará ainda que exista
Depois um resto de vontade

Pense, não haverá necessidade de amor eterno
Nos motivaremos pela casualidade
Como tantos e inúmeros casos
Que extrapolam os padrões sociais
Sem alucinantes paixões
Apenas em axiomas imprecisos
Que satisfaçam os prazeres carnais

Mas se de repente um único olhar nos prender
Desses encontros de olhares lancinantes
Que cumpliciam os mais irrisórios casais
Ah, certamente após esse casual pormenor
A vida nos porá diferentes
E viveremos além dos tempos e concepções
Entre juras, sonhos e saudades

 

PSRrosseto

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VIVA A LIBERDADE

Quando te aparento ridícula

Mal sabes tu que não regresso

Vivo das gerações que se sucedem em seus ciclos

Construindo meu progresso.

 

Sou macro, muito além da pequenez dos insensatos.

 

Vivo da fortaleza de um povo calcado no futuro

Obstinado, desejoso de crescer

Que renasce todo dia e ressuscita-me.

 

Minhas normas e leis são perfeitas

Sem noção porem é minha justiça;

Meu regime democrático é soberano

Infelizes sãos os que conspurcam a política;

Sou farta, gigante, benfazeja

Maldosos são meus mandantes.

 

Diferentemente de tu que envelhecesses

Torno-me a cada dia uma nova nação.

 

Na verdade vivo testando teu orgulho de brasilidade.

 

Amanhã aniversario, viva a liberdade.

 

PSRosseto

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ATABALHOADO

Perco você como quem se atrapalha nos vagões do metrô

Em plena metrópole

Perco você como quem se embrenha no cerne oculto

Da mata espessa escura

Perco você como quem desaparece repentinamente

No meio da densa multidão

Perco você como se perdem os holofotes

Cansados do decaído artista

Perco você como perde o rumo

O navio sem bussola

Perco você como quem perde

A noção do tempo espaço

 

Perco você porque sobretudo nunca me encontrei

Tão fútil atabalhoado

Perco você porque talvez ainda

Nunca tenha me achado

 

E se nunca a tivera, como posso perde-la?

 

PSRosseto

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NEGLIGENCIADOS

Como se faz com os segredos

Quando já está evidente

Que se não cuidar explodem

 

A mente é esse disfarce que pode

De repente causar prazeres

Mas vive das evidências no medo

 

Vivemos trancafiados em nossas casas

Bloqueados nas ruas desconfiando

De que sempre erramos a estrada

 

Apesar de tão interligados conectamos

Nosso presente ao mesmo tempo

Ao futuro e passado onde vivemos

 

Mas não sabemos de onde viemos

Para onde vamos e porque somos

Assim tão negligentes irresponsáveis

 

A nós todos não nos falta fé

Na verdade as incertezas evidenciam que

Estamos sim carentes de generosidade

 

PSRosseto

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COMO FICO EU

Diariamente por dois momentos

O dia torna-se loiro alaranjado:

De manhãzinha quando o sol arde

E à tarde quando resolve cair

 

O firmamento colore-se assim

Em santo louvor a quem o fez

E eu poeta ganho esse presente

Num doce abraço do horizonte

 

Mas durante o dia e pelo meio da noite

Onde o azul predomina ou o negrume

Invade por inteiro céu, como fico eu?

 

Ah, fico lembrando os momentos belos

Em que o sol brinca acobreando as nuvens

Como faz você com os seus cabelos

 

PSRosseto

Saiba mais…

STREET VIEWS

(Pesquisei pelo lugar onde nasci; a conhecida e gentil voz do Google Maps
pausadamente assim descreveu):

“ - Subir devagarinho a Nossa Senhora da Aparecida
Vai-se a casa sete nove cinco.
Existe muita história ali!
Lá ainda está o pequeno alpendre de pilastras azuis
Aonde nosso pai no final do dia
Escondia bombocados de depois do jantar.
Nos degraus dos jardins
Ainda deve haver cheiro de gerânios rosas e espirradeiras
Porém já não há mais o abacateiro  do quintal vizinho.

- A caixa d’agua azul e branca ao fundo da matriz
A torre esguia do relógio da  Getulio Vargas
O clube de bocha da Nagib Asseis
A tinda tinda da arborizada  pracinha
O colégio Valeriano  Fonseca
A escolinha ao  lado  da velha estação ferroviária
O eterno laticínio Tânia da esquina da João Machado

- Tudo se encontra magistralmente  no mesmo lugar. 

Não  mais achei o Bar do Julio
A Farmácia do Maroca
O  Bar  da Esquina
O Bazar de Oshiro
Nem o Salão São Paulo...
Mas isso é tão relativo que a essa altura da vida
Muito pouco importa.

- Inclusive as portas são as mesmas e se
encontram abertas no mesmo lugar há seis décadas.

- Sinto cheiro de café na Albino de Geovane junto ao começo da Raul Furquim.  
Joãozinho ajuda Maria a embrulhar balas de coco e Vera corrige as provas da escola.

- Certamente Guaraçai não cabe em apenas um poema. ”

 

PSRosseto

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COLARZINHO AZUL

Hoje fui à praia roubar

Alguns clarinhos de sol

Pra fazer um colarzinho azul

Pra ela usar

Pra ela usar

 

Também resolvi recolher

Umas conchinhas do mar

Pra enfeitar o colarzinho azul

Pra ela usar

Pra ela usar

 

Estou esperando ela vir

Para eu poder entregar

A ela o colarzinho azul

Pra ela usar

Pra ela usar

 

Não sei se ela irá gostar

Ou então se vai desprezar

O colarzinho que fiz

Pra ela usar

Pra ela usar

 

E se ela então não quiser

Devolvo os clarinhos ao sol

Reponho as conchinhas no mar

 

E pronto

 

PSRosseto

Saiba mais…

CRUEL

Tento fazer poemas

Com as armas que tenho.

Algumas ideias banais

Uns conceitos ligeiros

Antigas normas gramaticais

Quase adormecidas.

 

Fico olhando olhando

A pagina em branco na tela.

Os dedos fogem das teclas

As letras confundem-se, esfarelam

Nenhuma palavra me permite escreve-las.

 

É tudo tão ácido, azedo, cruel

Tanta agonia que chega a dar medo.

 

Mas depois de sofrimento intenso

Eis a poesia pronta!

Pura ousadia ou talento?

 

PSRosseto

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A ARTE DE SER AMIGO

Canto só

Onde ninguém possa

Me ouvir cantar.

Canto assim na solidão do meu canto

Somente porque gosto de toda canção

E eu mesmo de mim sou meu fã.

 

Penso se me ouço e amo meu som

Que me importa você me escutar.

A musica que faço me transforma

Enleva, sublima, alivia minha alma

E me faz reticente cantarolar.

 

Mas tem dia que me vejo mudo imundo

Na deserta aridez do espirito

Onde nem eu mesmo ouso ouvir minha voz

E em lugar nenhum caibo estar.

 

Nessa hora solto o meu grito

Busco em seu ombro aboiar.

Generosamente você encanta comigo

E o que cantamos reconforta, renasce.

 

Repartir a música é viver a arte

De ser amigo.

 

PSRosseto

Saiba mais…

UM LADO DA RUA

A cidade essa noite ficou diferente

Apagaram-se as luzes, se acenderam as estrelas

E da varanda contando longínquos relâmpagos

Entre nuvens severas, pudemos vê-las

E enquanto as contávamos falamos das belas

Fotografias que juntamos no decorrer do dia

Olhando o escuro da praça e a ousadia da lua

 

Depois sorrimos desse momento leve

Dissemos adeus e até breve

E cada um seguiu para um lado da rua

 

PSRosseto

Saiba mais…

O PARTICULAR UNIVERSO DE CADA UM

Trabalha incansável ao meio dia o dedicado pedreiro

Erguendo sobre alicerces entre andaimes

As torres gigantes da catedral

Dentro do particular universo de cada um

 

Eu, humilde servente a servir-lhe a massa

Entrego-lhe também a colher, o prumo, nível e cinzel

E meço contente o produto que torna

Símbolo do perfeito na justa medida

Do que fora traçado pelo arquiteto em papel

Para o particular universo de cada um

 

Eis a arte real que sob o sol floresce e se espalha

Pedra sobre pedra lapidada por incansáveis mãos

Que unidas abraçam o mundo e beijam o solo

Do particular universo de cada um

 

Se preciso for, lhe corrijo as falhas

E também ele a mim me adverte em tempo

Aprendemos com a vida no trabalho mútuo

Construindo em conjunto um único templo

No particular universo de cada um

 

PSRosseto

Saiba mais…

NEM SEMPRE É POR FRIO

Quando o pelo eriça nem sempre é por frio.

Na maioria das vezes é a preguiça,

O pensamento vadio,

E a própria delicia que se apropriam da gente,

E traz por todo o corpo um suave arrepio.

 

Pode ser a incontrolável vontade de explodir

O vazio que causa a saudade.

Pode ser a maldade dos anjos

Brincando de esconde-esconde com nosso brio.

Talvez a espera do alguém distante em sintonia

Ou o estrago que causa engolir palavras

Que não possam ser ditas quando a gente entedia.

 

Imensa casa em que tudo inquieta em seu lugar.

Meus pés pelo chão gelado, deserto, estéril

Procuram teus rastros, teus saltos, as migalhas do teu andar.

E na moldura da noite no perfume do quarto onde estás

Parece que vejo descansar inocente na fria cama

A fina roupa que adornou teu corpo e aqueceu tua pele

Agora nua, solta, viva, sedenta de amar.

 

PSRosseto

Saiba mais…

NÃO LEMBRO, NEM SEI

O que seria tão intenso
A ponto de tornar-se renúncia
Tão imenso quase que prenúncio
E tão claro que somente
Se pudesse descrever como se pronuncia?

O que seria tão fácil de acontecer
Que jamais pudesse entravar
Intensificaria todas as maneiras de entender
E a gente não se alteraria
Nem se martirizaria por ainda não saber?

Apenas o que com o que a vida
Possa nos presentear
Porque meu ontem já o ignorei
E o meu passado – ah
Desse não lembro, nem sei!

 

PSRosseto

Saiba mais…
CPP