Aonde foram todos?

Aonde foram todos?

por J. A. Medeiros da Luz

Em solitude de natureza-morta vejo
Joguete de luzes e penumbras
No volume desta copa, desabitada hoje.
Xícaras de borco sobre pires, na bandeja,
A um canto do balcão, do aparador,
Esperam o tato de mãos conhecidas
— Que já não se fazem presentes.


A mesa redonda arremeda
Maquete terraplanista para insanos,
Na refletância da toalha polimérica,
A fazer convidativo à prosa o seu tampo.
Banquetas, a seu redor, aguardam usuários,
Ausentes deste presente que escoa.
Aqui e acolá, setas de luz resvalam, hesitantes,
Pelas paredes, tão quietas, tão quietas...


E, pois, se oculta onde aquele convidativo
Aroma de café a ser coado,
Perfundindo no espaço, em mescla com a pura
Risadaria de comensais fraternos?


Na evanescência dos minutos, horas e milênios,
A grande verdade que nos eflui do neocórtex,
Cogitabundo neste mundo de sombras, é que
Afinal não somos, com efeito, seres humanos;
No cerne somos todos (quando muito)
Uns efêmeros estares humanos,
A luciluzir um fugaz instante
Naqueles etéreos azimutes do cosmo.

Ouro Preto, 2020.

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • Por onde andam?

    Do topo da escada observo
    e ouço o silêncio dos espaços,
    onde, antes deste meu estado
    solidão, a profusão de vozes
    e risos enchia todos os cômodos.

    Neste insulamento da vida,
    claudicante em meus passos,
    na ilha das minhas lembranças,
    nada a construir, apenas aguardar
    o passar do tempo.

    Por onde andam aqueles que
    presenciaram o esvair-se
    do tempo em mim?

    Quando chega o tempo da inutilidade
    os sorrisos se perdem,
    os abraços se escondem,
    as vozes se emudecem.
    Aos poucos, o silêncio vai
    chegando e, quando se percebe
    todos partiram em seus trens,
    lotados de sonhos.

    Edith Lobato

  • No dia postaste este texto eu li e tua poesia inspirou.

    Eu amei teu poema, amei ler-te!

    Deixo a inspiração abaixo.

    Parabéns pela exuberante poesia.

    • Cara Edith:

      Fiquei sensibilizado por haver suscitado, mediante aqueles eventos ocasionais da vida,  o despertar de seu belo poema. Parece-me que fazem parelha filosófica neste mundo um tanto embaralhado. No que tange a minhas motivações pessoais, a primeira (um tanto esperável) foi a visita, ao anoitecer, à modesta copa de nosso departamento, esvaziado pela pandemia, aqui na UFOP. Entretanto, a principal razão subjaz e é fruto do falecimento de familiares nos anos recentes (uma irmã mais nova, minha mãe e meu pai). As perdas — por intensas que sejam — não podem paralisar a nossa pactuada caminhada; mas, por outro lado, não podemos (e nem mesmo queremos) apagar as pegadas já impressas na poeira do caminho, registros de afetos e paisagens...

      E,  afinal, páginas algo sombrias também se fazem necessárias, pois, empregando somente poemas jubilosos — essas belas pinceladas de cores quentes a la van Gogh — não conseguimos trazer à vida aquele palpitante claro-escuro do viver.

      Abraço fraterno do j. a.

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