Bucólica, embora esconsa

 

Bucólica, embora esconsa

J. A. Medeiros da Luz

"Litterarum radices amarae, fructus dulces" —– Cícero

 

Qual pastor da Arcádia — aquela que existia

Só na mente de uns tontos versejantes —

Canto, insistindo em insuflar ao vento

Estes meus versos anecoicos,

Que os líquens dos paredões do promontório

Absorvem em silente anonimato.

 

E dulcíssimos haviam de ser os frutos

Que da árvore de amarga raiz

— com seus mil trabalhos, a literatura —

Iríamos colher, nos asseverava,

Mui professoral, o velho Cícero,

Lá daquelas barrancas pedregosas

E sangrentas do grão império do Lácio...

 

O sol eis que se inclina no horizonte;

No entanto, a rude flauta insiste

Em imitar as aves canoras, que, por agora,

Já se retiram, naquele ir-se abrigando

No aconchego de seus ninhos,

Imersos nos recônditos da espessura.

 

Se correto enfim Cícero não estava,

Que se combata sempre o bom combate,

Pois que há que cantar, mesmo

Na tentativa algo vã de afugentar

A penumbra que, justo agorinha,

Lá vem alçando as sobrancelhas,

Pachorrentamente, pachorrentamente,

Por detrás das colinas do levante,

Deixando-nos ainda uns minutos

Para — conforme rezam os regulamentos —

Fruirmos os nossos derradeiros desejos do dia.

 

Ouro Preto, 7 de setembro de 2019.

Do livro: Vielas Enoitecidas, a sair pela Jornada Lúcida Editora.

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J. A. M. da Luz

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