Nova Vida

Nova Vida

 

Maria José, após se despedir do último dos amigos que lhe prestaram apoio nestas horas difíceis da sua vida, sentou-se à mesa, a mesma mesa onde, tantas e tantas vezes, tomou as refeições com o seu agora desaparecido Joaquim.

O novo dia veio apanhá-la sem ainda ter conseguido adormecer. Passara toda a noite a reflectir sobre o que poderia vir a ser o seu futuro. Não que temesse este mesmo futuro, pois a vida nunca lhe metera medo, nem mesmo nas horas de maior agonia, como sucedera naquele dia em que, conjuntamente com o marido, ouvira o médico pronunciar tão drástica sentença:

“Senhor Joaquim, o que tenho para lhe dizer, não é fácil, nada fácil mesmo...o senhor tem somente três meses de vida.”

O que realmente levava Maria José a pensar no seu futuro, era o desejo de conseguir continuar a viver a sua vida sem dar azo a que alguém se pudesse sentir tentado a querer ser o condutor dessa mesma vida. Não era ao acaso que Maria José se via confrontada com tais pensamentos, antes pelo contrário, ainda tinha bem presente na memória, o que se passara com a sua prima Celeste, que, tal como ela, também ficara viúva ainda bastante nova.

Foi há pouco mais de dois anos que Jaime, o seu primo e marido de Celeste, faleceu, pelo que ainda se recorda, perfeitamente, de como tudo se foi desenrolando. Primeiro fechara-se num luto que até metia dó e que motivaria muitos comentários do género:

“Sinceramente, uma mulher ainda nova a deixar de viver, logo por causa de um homem que nunca a soube respeitar.”

Aos poucos e poucos, Celeste foi conseguindo ultrapassar a dor da perda e lá foi recomeçando a fazer a sua vida, o que, de imediato, motivou novos comentários:

“Até já estava admirada com tanto recato, aquilo devia ser só fingimento, não tarda muito e aparece por aí com namorado novo.”

Maria José não temia os comentários de quem, na maioria das vezes, nem moral teria para os fazer, mas sim a eventualidade de vir a ser, directamente, confrontada com esses mesmos comentários e, tinha a certeza disso, não se ficar a ouvir tais boatos sem responder à letra, fosse quem fosse o seu autor.

Os dias foram passando e Maria José pôde confirmar, na plenitude, tudo quanto lhe passara pela mente naquela primeira noite após se ter despedido de Joaquim. Ao contrário da prima Celeste, não se entregara à solidão e à tristeza, tinha a plena consciência que tudo fizera pelo marido e que sempre o soubera respeitar, pelo que, agora que ele já cá não estava, tinha era de continuar a lutar pela vida. Logo os comentários começaram a circular por todo o bairro, até que alguns lhe chegaram aos ouvidos.

Naquela manhã, como nunca o deixara de fazer, após se arranjar, foi tomar café onde sempre o fazia, mesmo em frente a sua casa. Ao entrar, verificou que a autora do boato, também ali estava, passou por ela, deu-lhe os bons dias e seguiu até ao balcão:

- Maria José, peço-te desculpa por aquilo que te foram contar, apesar de ter a minha consciência tranquila, pois, ao contrário do que dizem, não fui eu que inventei tais boatos a teu respeito.

- Não sei de que falas. Não tenho por hábito dar ouvidos a boatos. Podes ficar descansada, pois tampouco me importa se te deitas com o Sr. Marcolino da mercearia, ou não.

- Como é que tu sabes isso?

- Não interessa. O que interessa, é que podes continuar a deitar-te com ele à vontade, pois, por mim, o teu marido nunca o saberá.

- Mesmo se vieres a descobrir que fui eu  quem lançou o boato sobre ti?

- Sim. A mim, só me preocupam as verdades e a minha consciência. Os boatos devem preocupar é quem os lança, pois poderá ter de os provar.

Maria José foi-se sem lhe dar tempo para mais conversas.

 

Moral: Quem se preocupa com a vida dos outros, fica sem tempo para olhar pela sua.

 

Francis D’Homem Martinho

20/01/2020

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Comentários

  • 3779176735?profile=RESIZE_710x

  • É sempre um prazer ler teus textos que nos surpreende com finais totalmente inesperados!

    Parabéns Francis!

    DESTACADO! 

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