O almoço

O almoço (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)

 

            O sol luzira forte. A árvore iguala a sombra dos dois lados. Nenhuma nuvem corre no azul celeste. Um tico-tico canta suavemente no alto da árvore. O mormaço está bem forte. Meados de agosto. O pasto seco, as árvores querendo trocar as folhas, pois já é indício de primavera. O pequeno ruído de uma das poucas cachoeiras que correm na imensa pastagem. Por perto, está o gado branco, o gado comercial. Muito feroz, mas sempre acostumado com o tratador.

            O vaqueiro está montado no cavalo branco. De chapéu de palha, com uma cordinha contornando o rosto para segurá-lo do vento no mais longo e destemido galope do corcel branco, que se confunde com o gado no pasto. Camisa de mangas longas arregaçada até a altura do cotovelo. No bolso, à esquerda, um pequeno bloquinho ainda vazio e uma caneta esferográfica na cor azul, onde se via pequenos desgastes da tampa e sinal de minúsculas mordidas. No pescoço, pode-se ver um cordão transparecer no suado e queimado gargalo, nas cores bem brilhantes em prata. Sobre o peito e com duas casas de botões não abotoadas, três medalhas cobrem o peludo peito, que são vistas medalhinhas da Senhora Aparecida, uma cruz e a estrela de Davi com seis triângulos. O relógio automático “Orient”, com o fundo vermelho fosco, marca precisamente doze horas.

            Mobilizando o corcel para perto da grande árvore, o vaqueiro golpeia lentamente as rédeas, fazendo-o parar bem suavemente. Uma pequena fala da a ordem de parada e este obedece rapidamente. Com a cabeça erguida, olhos bem abertos, boca entreaberta e mascando lentamente o aço posto na boca comandado pelas rédeas, o cavalo respira várias vezes, pois está cansado pelo longo galope. A barriga encolhe e se alonga rapidamente. Alguns gemidos e pequenos passos em volta, o corcel obedece por completo. A manhã foi longa. Muitos lugares os dois passaram e a beleza era deslumbrante.

            Ajeitando-se a coluna lentamente, com a mão direita tira o chapéu como se estivesse agradecendo a Deus por mais aquele lindo dia, um dia de muito trabalho, de muito esforço e de muita coragem. Com a mão esquerda, já fora do controle das rédeas do cavalo, ele passa a mão no rosto como estivesse limpando algumas gotas de suor. Fala para seu cavalo que já está na hora de almoçar.

            Com a perna esquerda, ele firma o pé no estribo. Segura a mão direita do outro lado e vagarosamente a perna direita solta do estribo direito. O peso do corpo faz com que imediatamente toma o contato com o solo seco, debaixo da grande árvore, com sombra. Empurra um pouco a calça de brim azul e ainda meio úmida do suor dos forros dos arreios.

            Com tanta precisão, retira da cabeça do arreio uma pequena sacola, não muito grande, mas o suficiente para caber ali uma marmita, uma garrafa de café e uma vasilha de plástico com alguma merenda.

            Do outro lado do arreio, em um pequeno saco, retira uma pequena vasilha e lá despeja mais ou menos uns dois quilos de milho em grão. Rapidamente, retira as rédeas do amigo cavalo e este respira mais aliviado. Solta o cabresto e coloca o milho. Imediatamente o corcel abaixa a cabeça para saborear o lindo e gostoso almoço.

            Mal olha para o lado direito, um pouco longe, o vaqueiro vê alguns galhos secos. Encontra duas pequenas pedras. Ao encontro delas, recolhe os ínfimos galhos e os reúne ao lado. Com as mãos, reúne algumas folhas secas e um resto de ninho de passarinho caído do galho da grande árvore. Tirando do bolso direito, junto a uma penca de chaves da fazenda onde trabalha, um isqueiro a gás, na cor vermelha, aproxima das folhas secas e clica algumas vezes até que aparece a primeira lavareda. Aproximando mais folhas e alguns gravetos que estavam por perto, uma chama maior é vista entre as duas pedras. Ele, porém, levanta rapidamente e se dirige ao embornal que se encontra encostado no tronco da árvore.

            Respirando profundamente, ele olha para o fiel amigo corcel, que após comer o milho debulhado, o encara por um longo período, pois deve estar agradecendo o fiel amigo pelo almoço. Lambendo os beiços e balançado a cabeça, o velho amigo vai saindo lentamente, pois abaixando a cabeça inicia a pastagem de algumas verdes gramas por ali.

            O vaqueiro, enfim, pega o embornal. Com todo cuidado, ele retira a pequena marmita de alumínio, que está bem lacrada. Cautelosamente, ele abre o pequeno compartimento. A tampa vai separando do resto e dentro dela, bem separado, em cada canto, o arroz bem soltinho, o feijão bem passado, uma farofa feita com farinha de milho e nela alguns pedaços de carne, ovo, cebolinha de folha; dois pedaços de carne de porco com muita gordura, uma lasca de angu feito com fubá moído em moinho de água, um punhado de couve picada e muito fina e por cima, um molho de batatas com cebolinha de folha, pedaços de tomate e quatro azeitonas bem verdinhas.

            Com muito esmero, ele aproxima a marmita da trempe improvisada, que as lavaredas de fogo vão consumindo os gravetos e em poucos minutos, ouve-se um pequeno barulho da fervura do feijão. Espera um pouco mais para certificar-se de que já está pronta para o consumo. Com a mão esquerda, ele pega novamente o embornal e retira uma colher e um pano de prato, que provavelmente servirão para completar a mesa para o almoço. Retira, também, uma garrafinha com um suco de morango feito em casa, aquele feito com pozinho bem vermelho e bem adocicado. Destampa a garrafa e quase esvazia totalmente o líquido. Talvez seja o calor e a vontade de beber água.

            Olha para cima e mais uma vez vê o amigo cavalo, que se distancia um pouco mais e se entretendo com as poucas gramas ali. Com a mão direita, retira da cabeça o grande chapéu, segurando firmemente na cordinha e o coloca perto do embornal. Com a mão esquerda, ele pega o pano de prato e lentamente se aproxima da marmita. Ele a retira e a coloca entre as duas pernas, pois está sentado próximo ao fogo. Segurando firme, o cordão com as medalhas, ele faz o sinal da cruz e agradece a Deus pelo alimento, pela família, pelo trabalho e pela vida. Demorando mais alguns segundos, ele segura a marmita na mão direita e a forrando com o pano de prato a coloca na palma da mão esquerda. Com a colher na mão direita, ele inicia as primeiras garfadas do almoço. Come depressa, pois está com muita fome.

            Um pássaro canta perto dele e ele se distrai, mas restam alguns pequenos grãos de arroz, que ele, humildemente, com a colher, joga para que a pequena ave desça para comer. Estica-se um pouco, voltando para a garrafinha de suco, ele degusta os últimos goles. Tampa a garrafinha, tampa a marmita e as coloca novamente dentro da cevadeira, pois o dever lhe chama. Faz uma pequena pausa de uns quinze minutos. Quis cochilar, mas foi logo acordado pelo berro de um boi nas proximidades.

            Erguendo-se, ele assovia e o fiel amigo se aproxima. Apaga algumas chamas do fogão improvisado, coloca o embornal na cabeça do arreio, aperta novamente o acento e coloca o freio das rédeas no amigo. Monta-se rapidamente e sai à procura do gado para levar para a fazenda.  

 

 

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

José Carlos de Bom Sucesso

Para adicionar comentários, você deve ser membro de Casa dos Poetas e da Poesia.

Join Casa dos Poetas e da Poesia

Comentários

This reply was deleted.
CPP