Planeamento

Planeamento

 J. A. Medeiros da Luz

 
Inda Vésper tremula na borda do horizonte.
Por seu turno, também, em retardo,
Nem se dissiparam por completo,
A espiralar de modo errante, vaporoso,
Assenhorando-se de todos os percursos,
Os inebriantes perfumes que perfazem
Os duzentos eflúvios da noite,
Feromônios do desejo.


E já, espevitadas e levípedes
 — Ricocheteando na lisura das pétalas
A matizar a policromia da campina —,
As flechas rosadinhas, alvas, amarelas,
Da luz do sol no alvorecer
Arrancam brilhos de mil pedrarias:
Maravilha, presente, oferenda magnânima
Daquele esquivo, enamorado,
Rocio da madrugada.
 

Pois, nesta hora, plena de aromas e trinados,
Com as barras das calças umedecidas
De perpassar por ervas e folhagens,
Eu — ó Lavínia suspirosa, que está
Ainda sonhando de fechadas pálpebras —,
Pervago por estes caminhos solitários,

No albor de um novo dia,
A coligir com zelo, em samburá de vime,
Umas florezinhas silvestres, multicores,
Enquanto conclamo, desassombradamente,
Meus desfortalecidos fiapos de coragem
Para enfim, enrubescido embora,
Após tantas malogradas tentativas,
Bater-lhe à porta… e lho ofertar!

 

 

Ouro Preto, 24 de agosto de 2021.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]

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J. A. M. da Luz

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Comentários

  • Maravilhosa inspiração regada a muito lirismo e um enlevo doce e agradável na leitura. Parabéns

    • Agradecido pela visita e pela generosidade do comentário, cara a Lilian. O fenômeno da empatia, no mundo dos humanos e naqueles de outros poucos animais gregários e inteligentes, é poderosíssima ferramenta para nos compreendermos mutuamente. E, no que tange a nós, entes humanos, embora cada qual tenha sua visão de mundo e sua carroça inalienável de vivências, nossas emoções podem tocar-se  — em especial com o emprego dessa coisa diáfana, chamada poesia. E a mim me espanta conseguirmos essa comunicação com seres de outras plagas e de outras eras, seres seguidores de rimas e de métricas e seres desatrelados de maiores formalismos. Talvez resida nisso a magia da poesia: falar a língua universal de nossas almas, a despeito da variabilidade de suas manifestações. Abraço fraterno do j. a..

  • 9477273899?profile=RESIZE_400x

    • Obrigado, cara Marcia, pela leitura e apoio. 

      Algum secreto refluir de sangue em zonas (por mim desconhecidas) do encéfalo toma as rédeas da autoria, quando surge o fenômeno que se quer poético. O autor se transmuda em medium (seja-me permitido o termo de empréstimo do bigodudo Sr. Kardec) e a obra — boa, sofrível ou má — materializa-se. Pode ser até um modo convenientíssimo de o alegado autor minimizar responsabilidades… Quanto ao caso em tela, esse poemeto romântico, em que pese suas outras dissonâncias, só quedei desconfortável (após relê-lo) pela raridade, nele, de vocábulos de matriz ameríndia ou africana. Tirante o tupi samburá, não detectei mais nenhum nitidamente dessas duas categorias. Acaba que, pelo vocabulário, de base greco-latina, parece que o idílio tormentoso de nosso pastor bucólico se dá pelas barrancas do Tejo ou do rio Meandro, e não — como havia forçosamente de ser — pelos trilheiros margeando córregos de cerrado, plenos de cipó-arranha-gato, de capim-meloso, de  sempre-vivas e açucenas, com voejos abruptos de perdizes, carreirinhas de nhambus assustadiças, e pipilos de corruíras-do-brejo e caga-sebos tímidos.

      Julgo que só faltou eu acrescentar, a essa paisagem mais defensável por parte de nativo do altiplano central sul-americano, as películas ferruginosas à superfície das poças d'água, pontuadas de juncos, nos banhados, poças essas povoadinhas de girinos cabeçudos e cinzentos, naquela irrequietude das manadas lépidas e medrosas; ainda totalmente inscientes das pernas, que o porvir a eles reserva, em sobrevivendo aos perigos que pululam lá naquele cantinho de mundo…

      Abraço do j. a.

  • Pessoal: 

    Eis, a despeito de meu autoproclamado (vá lá…) pragmatismo, um poemeto bucolicamente salpicado de borrifos de romantismo, suscitado talvez — e de modo não premeditado — como peça de contraventamento das paredes de nossas moradas espirituais, empenhadamente a suportar o vendaval destes tempos nada suaves que despencam da ampulheta do presente. Abraço do j. a.

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