Sátrapa
por J. A. Medeiros da Luz
Sou zênite e nadir, a envergar
Meus punhos rendados, meu chapéu tricórnio
E bengala encastoada em ouro de Ofir;
E, contrapondo-se ao dourar
Das fivelas fagulhentas dos sapatos,
A corrente do relógio reluzindo,
Catenária tridimensional
No percurso amplo do trajeto
Entre botão e algibeira do colete,
Pando na convexidade de meu ventre.
Zênite e nadir sou, vice-rei
(Com minha fúlgida cabeleira empoada)
Desta amplíssima província,
Quase sem lindes, tão descomunal.
Das lunetas minhas (encaixadas
Nos flancos dos ossos nasais),
Se abaixo as pupilas, posso ver
O deambular arisco, cauteloso,
Dessa arraia-miúda que popula
Meus domínios continentais.
Do zênite ao nadir eu incorporo,
Açambarco o quanto de útil possa haver.
E ai da tonta borboleta que ousar
Lamber néctar em meus jardins
Sem a mais que requerida
Licença Vice-Régia para tal!
Pois, gerânios e nenúfares e ipês,
E rosas e petúnias — tudo é meu.
Na lonjura dos césares reais,
Sendo eu — sim, eu! — vice-rei por cá,
Pertencem-me coisas e seres semoventes
Que acaso cruzem por meus olhos,
Neste vice-reino dadivoso, que, afinal,
Circunscreve o orbe
Entre o zênite e o nadir.
Ouro Preto, 7 de agosto de 2022.
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]
Comentários
Concordo com sua dialética.
Somos todos irmãos sim .
Há uma interdependência do ser humano com os demais que habitam o planeta e toda a conjuntura do universo.
Parabéns por sua cultura vista aos nossos olhos....Uma benção sua.
Abraços de Antonio Domingos
Caro Antonio Domingos: É pena que, geralmente, só nos apercebemos da beleza desse concerto universal das coisas e dos seres quando já vamos nos afastando do frenesi da juventude. Enfim, é uma dádiva que recebemos o darmo-nos conta desse espetáculo que é o viver, por difíceis, ínvios e desanimadores que por vezes nos pareçam os nossos caminhos.
Abraço.
j. a.