Sentimentos Distintos

Sentimentos distintos
 
Quando se apresentou no gabinete de Fiscalidade do Dr. Vítor Laranjeira, para iniciar o seu estágio como fiscalista recém-licenciada, Inês estava longe de poder imaginar no que a esperava.
O chefe do gabinete e homem de confiança do conceituado Fiscalista, era um homem de seu nome jovem e cujo semblante não agradou muito à jovem:
- Espero que venha para ajudar, que seja uma mais valia para este gabinete e não somente mais uma para fazer número, pois para isso, já cá temos muita gente, quase todos quantos aqui trabalham. Sempre gostava de ver como é que o Dr. Laranjeira se desenrascava se não fosse eu.
Inês, na ingenuidade dos seus vinte e dois anos, nem sequer se apercebeu do verdadeiro sentido das palavras do chefe de gabinete, isto é, ele tinha-se como o mais importante de todos e o único indispensável ao funcionamento do gabinete, assim como também não se apercebeu de como as feições do homem se alteraram quando a ouviu pronunciar o seu apelido: Inês Castelo Novo.
É verdade, Jorge, ao ouvir o apelido da jovem, sentiu como que um aperto no coração. Não, não era possível que a sorte estivesse assim toda do seu lado:
- Desculpe, por acaso é familiar do Dr. Fernando Castelo Novo?
- Sou pois, sou filha. Conhece o meu pai?
Jorge negou conhecer, pessoalmente, o pai da jovem, argumentando só o conhecer através das notícias, visto tratar-se de um conhecido médico ao mesmo tempo que usava de toda a hipocrisia que lhe era, sobejamente, conhecida para conseguir controlar todo o azedume que aquele apelido lhe provocava.
Assim que se conseguiu livrar de tudo quanto o Dr. Jorge lhe dera para fazer, Inês, ignorando o que se passava nas suas costas, correu para casa a dar a boa nova à mãe, o gabinete do Dr. Laranjeira era mesmo aquilo que ela desejava.
Quem também se apressou, mais do que o costume, a ir para casa, foi o jovem Dr. Jorge:
- Lourenço, não vais acreditar no que tenho para te contar. Imagina só quem começou, hoje mesmo, a estagiar lá no gabinete.
- Quem foi? Alguma vedeta do jet-set nacional?
- Não. É a menina Inês Castelo Novo.
- Quem!
-Sim, é isso mesmo que estás a pensar, a filha do canalha do Fernando Castelo Novo. Vê só como o mundo é pequeno, eu que tenho andado a jurar vingar-me do que aquele canalha te fez e que não via como o fazer sentir todo o ódio que sinto poer ele, vejo, agora, assim sem mais nem menos, entregarem-me a filhinha dele nas minhas mãos.
Lourenço, conhecendo, muito bem, o irmão, assim como o seu mau temperamento, assustou-se com o que ele pudesse vir a fazer à jovem:
- Jorge, a filha não tem culpa alguma do que o pai dela me fez.
- Não tem culpa o quê, aquilo é tudo da mesma gente. Ele que se vá cuidando, pois a vingança não tardará a chegar.
- Jorge, peço-te que não faças sofrer uma inocente.
- Qual inocente, qual quê!
- Jorge, ou me prometes que não vais fazer nada contra a miúda, ou, eu mesmo, vou falar com o Dr. Laranjeira e contar-lhe tudo.
- Tu eras capaz de fazer isso? Depois de tudo o que o pai dela te fez, ainda eras capaz de a ir defender?
- Sim. Só eu sei o que sofri por ter sido despedido assim como fui, por isso não quero que mais ninguém, ainda por cima uma inocente, sofra da mesma forma que eu sofri. Promete-me que não vais fazer nada contra essa rapariga. Como disseste que se chama?
- Que importa como ela se chama? O que realmente importa é que é filha daquele canalha.
- Diz-me, diz-me o nome dela.
- Inês…Inês Castelo Novo.
- Agora promete-me que não a vais machucar.
Jorge, conhecendo o irmão como conhecia, lá prometeu que não iria fazer nada contra Inês, apesar de pensar fazer precisamente o contrário.
Os dias foram passando, Jorge comportava-se como se Inês não existisse e a sua presença no gabinete não lhe fizesse despertar incontroláveis desejos de vingança:
- Mãe, não sei que mal fiz ao chefe do gabinete do Dr. Laranjeira, tem-me feito, desde o primeiro dia, a vida num inferno.
- Queres que peça ao pai para dar uma palavrinha ao Dr. Laranjeira?
- Não. Ou supero o desafio por mim mesma, ou abandono o estágio.
Havia quase um mês que Inês estagiava no gabinete do Dr. Laranjeira, quando um dia, quase ao sair do gabinete, uma sua colega lhe disse que alguém lhe desejava falar. Apesar do adiantado da hora, pensando tratar-se de algum cliente, resolveu prolongar o horário de trabalho e receber o jovem que lhe desejava falar:
- Dra. Inês, quero pedir-lhe desculpa por a vir incomodar à hora que deveria estar a sair daqui, mas só agora consegui apanhar uma oportunidade de lhe falar sem correr o risco de poder vir a ser visto pelo seu chefe.
- Desculpe, não estou a entender. Conhece o Dr. Jorge?
- Sim. Conheço-o até muito bem, é por isso que lhe quero falar. Eu tenho vindo a acompanhar a sua presença aqui.
- - Desculpe…
- Não precisa ter medo. Não sou nenhum tarado que se apaixonou por si e a tem seguido dia após dia, embora tenha de reconhecer que a Dra. É uma mulher muito bonita. Eu sou irmão do Dr. Jorge, o seu chefe.
- Que me diz…?
Lourenço convidou-a para tomarem um café, pois temia que o irmão pudesse chegar a qualquer momento e apanhá-lo ali. Inês, mesmo sem saber porquê, confiou nele e aceitou o convite.
Lourenço ia contando tudo quanto se passara entre ele mesmo e o pai dela, ao mesmo tempo que lhe ia admirando toda a beleza do seu rosto e graciosidade do seu perfeito corpo, enquanto ela, sem compreender porquê, se começava a sentir atraída por aquele jovem a quem seu pai estragara a vida, mas que mesmo assim não hesitara em impedir que o irmão a pudesse magoar, somente por a considerar inocente de tudo quanto se passara:
- Pai, mãe, este é o Lourenço, o meu namorado.
- Jorge, como já sabes, esta é a Inês, a namorada de que te falei aqui há dias atrás.
- Não Dr. Fernando, não diga nada. O meu amor pela Inês, é superior a tudo quanto se passou.
- Não Dr. Jorge, o meu amor pelo Lourenço é muito maior que toda a sua sede de vingança.
 
Moral: “Nem a Injustiça e o desejo de Vingança conseguem vencer o amor.”
 
Francis Raposo Ferreira
14/02/2020
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