Voltaram a Ser Crianças

Voltaram a ser Crianças

 

Encontraram-se por acaso, no Largo da Conceição, em Beja, e na encruzilhada dos caminhos das suas vidas.

Inês, ainda a tentar ultrapassar o trauma provocado pelo fim de um namoro com mais de sete anos, acabara de sair do Museu Rainha Dona Leonor, não por qualquer interesse especial, mas somente porque não conhecia nada da cidade e aquele lhe pareceu ser um local fresco, enquanto David, como fazia tantas vezes desde que enviuvara, se decidira a meter-se no carro e ir sem destino, pelo que chegando a Beja à hora do almoço, resolvera entrar na cidade e procurar um sitio onde pudesse comer alguma coisa e, sobretudo isso, saciar a sede, era daí que acabava de sair quando, tão distraído ia, não viu Inês e chocou com ela..

O forte calor Alentejano caía a pique sobre a cidade, como que tirando a capacidade de reacção a quem não estivesse habituado a ele, como era o caso de Iambos.

Ao sentirem o choque dos seus corpos, entreolharam-se mutuamente, primeiro de um modo disfarçado, depois já mais insistentemente e, como que hipnotizados, começaram a descobrir pontos de interesse no que viam no outro.

Nenhum tinha a noção do tempo que ali ficaram a olhar-se, até que vencida a timidez inicial, ele lhe pediu desculpas, se apresentou e, dizendo-lhe que era para a recompensar pelo encontrão, a convidou para uma bebida fresca.

Inês achou-o educado, simpático e divertido, mas ao mesmo tempo, triste.

David por sua vez achou-a muito bonita, atraente, parecendo-lhe, sem saber explicar porquê, ser uma rapariga de cabeça limpa, embora lhe parecesse receosa, talvez até um pouco carente.

Inês aceitou o convite, confessando-lhe estar mesmo a precisar de uma bebida fresca, tal o calor que parecia querê-la sufocar. David deu meia volta, gostara do restaurante onde almoçara e fez-lhe sinal para que tomasse a dianteira, não o fazia somente por uma questão de delicadeza, mas também para a poder apreciar na plenitude das suas formas:

- É curioso, toda a minha família é desta zona, nunca cá tinha vindo e hoje, sem querer, aqui vim parar e aqui estou com uma linda rapariga à minha frente.

Inês começava a engraçar com ele, revelando-lhe ser a primeira vez que estava em Beja e o motivo da sua viagem, fugir para longe dos lugares que havia visitado com o namorado que a abandonara a duas escassas semanas do casamento. David revelou-lhe ser viúvo há pouco mais de um ano e ainda estar a começar a despir a viuvez.

O calor da tarde parecia estar combinado com o destino deles, convidando-os a deixarem-se ficar a falar de cada um deles, como se fossem velhos conhecidos que há muito se não viam:

- Olha, sabes o que estou a pensar?

- Não, mas acredito que me vais dizer.

- Estou a pensar que com todo este calor, talvez não fosse má ideia procurar onde dormir esta noite e, caso assim o aceites, fazer-te companhia até amanhã.

- Não só o aceito, como te agradeço, pois desde que o outro se foi, não me tem apetecido falar com ninguém, mas contigo está a saber-me muito bem. Se quiseres até podemos ir ver se a senhora onde estou hospedada, ainda tem algum quarto vago.

- Agradeço-te, com este calor, tirando o teu, não deve ter mais nenhum alugado.

- Tens razão, qual a louca, tirando eu, que se aventuraria a vir passar o fim-de-semana a Beja.

- A louca não sei, mas o louco, talvez mesmo só eu. Vamos?

Afinal, sem saberem explicar porquê, ficaram aquela noite, a outra, e a outra:

- Tu não tens de ir trabalhar? Hoje já é quarta-feira.

- Eu não trabalho, ou melhor, sou empresário por conta própria. E tu?

- Sou professora, estou de férias.

Os dias passavam e o prazer de estarem juntos, renascia todos os dias com a mesma força com que o sol renasce nas terras Alentejanas. Nenhum sabia explicar o que os continuava a prender ali.

Inês, vendo nele a confiança que tanto ansiava, não tinha problemas em dizer-lhe o que pensava dele e dos seus planos, ao que David respondia com sinceros galanteios, tanto à sua beleza física, como intelectual.

Inês, passada mais de uma semana de se terem conhecido, ousou confessar-lhe nunca ter rido com tanta felicidade como ele a conseguia fazer sorrir. ele respondia-lhe que o fazia, simplesmente porque adorava vê-la a sorrir, pois quando sorria, ficava mais, ainda mais, bonita:

Foi ao aproximar-se novo que ele a surpreendeu:

- Sabes como é o tempo, umas vezes parece que nunca mais passa, outras, infelizmente, parece que passa depressa demais.

- É verdade, agora que acredito ter redescoberto uma razão para voltar a sorrir à vida, é que o tempo passou depressa demais.

- Depressa demais, aqui nesta calma toda?

- Sim.

- Estava a brincar contigo, também lamento que o nosso tempo esteja a acabar.

- Enganas-te David, se tu quiseres, por mim, o nosso tempo ainda só está a começar. Tu soubeste fazer com que voltasse a sentir-me criança e, eu, fui uma criança muito feliz.

David, pela primeira vez desde que enviuvara, também ele ousou deixar voar o pensamento até aos seus tempos de criança, quando era muito feliz, colocou-lhe as mãos no rosto e voltou a saborear o prazer de beijar uma mulher.

 

Francis D,Homem Martinho

15/01/2020

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Comentários

  • Belíssimo!! Meus aplausos!!! Parabéns Francis!!! 

    • Amiga Angélica, reconstituição de uma história veridica. Beijinhos.

       

  • Amei a singela narrativa de um lindo desfecho, tal qual linda foi a forma poética com a qual foi concebida! Meus parabéns, caro escritor! Que Deus te abençoe. 

    • Amigo Geraldo Coelho Zacarias, a vida dá-nos os factos, nós só temos de os passar para o papel. Abraço.

       

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