CICLOS

Tive a opção de ser advogado,

Mas a lei não estava do meu lado.

Minha mãe rezava pela medicina,

Sangue não me apetece.

Engenharia custaria caro,

Sou fora de esquadro.

 

Não estava em meus sonhos,

Não estava em meus planos,

Sem ideias, sem ideais.

Neste mundo real

Eu não tinha alcance,

Minhas chances

Estavam no rodapé do destino.

 

Quando menino, eu pintava o futuro,

Empurrando carrinhos de brinquedo,

Com medo dos outros, franzino,

Mas sempre olhando para o alto

Na certeza de encontrar uma estrela.

 

Meu pai punha as palavras no papel

Como se fosse o Deus das palavras,

Uma fila indiana de letras bonitas,

Como se fossem lapidadas

Para se tornarem joias verdadeiras.

 

Eu via e vivia aquilo,

Aquilo era bom, era azul,

Como o Cruzeiro do Sul

Que acenava para mim em luzes.

Para atrair a sorte

Eu cruzava os dedos.

Para afastar os medos,

Fingia ouvir “Fascinação”.

 

Mas meu coração

Ainda não tinha tamanho,

Eu não era gente grande

Para pensar em destino.

 

Eu sentia que meus pés

Eram maiores que os meus pensamentos.

E corria, corria em direção a nada,

E esse nada,

Sempre terminava em mar.

 

Onde eu morava

Todos eram bem vindos,

Mas as pessoas foram sumindo,

O teto da casa ficou manchado,

Marcado pela ação do tempo.

 

E o tempo fez meu corpo mudar.

 

Meu peito abrigava um coração

Maior do que meus sentimentos,

Eu amava as coisas, amava os ventos,

Amava as criaturas e seus movimentos,

Sentia tantos abraços

Que não cabiam em meu peito.

 

Meus braços chegavam mais longe,

Quase do tamanho da minha visão,

Alcançavam mais coisas

Do que as frutas que eu havia colhido.

 

Em que eu havia mudado,

Nada havia de incerto, ou errado,

Conquanto, meus medos

Eram os mesmos.

 

Creio que os homens sentem o mesmo,

Não importa quanto tempo passe.

O futuro é uma linha cintilante

Cortando o universo soberano.

 

Eu não precisava mais dos limites,

Dos palpites, da sinceridade alheia,

Eu tinha sangue nas minhas veias.

 

Eu via por cima do muro,

Ouvia palavras proibidas,

Sabia o que faziam

As mulheres e homens nus.

 

A complexidade da idade adulta

Trouxe também a culpa,

Não pelo pecado cometido,

Mas pelo o que não foi vivido.

 

O que se sabe do segundo perdido

É pouco na dimensão das horas.

 

Com meus olhos enrugados,

Tantas posso ter amado,

Quantas posso ter esquecido,

Ah,  quanto amor vivido...

 

Hoje meu mundo se completa.

 

Não sou médico, nem engenheiro,

Estou por inteiro

Na profissão de poeta.

 

Mário Sérgio de Souza Andrade  -  18-12-2016

 

 

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Comentários

  • Que bom, assim podes libertar a alma na poesia.

    Parabéns poeta.

    Bela noite.

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