Nada a Declarar

 

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Nada a Declarar


Vinha de volta da labuta cambaleando por entre o lamaçal e as poças de água.

Chovia chuva, chovia relâmpagos, chovia raios, chovia trovejos , chovia ventania, fria.
Vinha com os meus senões da vida dura. As vestes, bem, as roupas surradas, pareciam que iriam esfarrapar-se à tudo aquilo.
Era aniversário de meu único filho, José Zico da Silva, 6 anos. E o presente que me pedira...qualquer coisa...


Sabia que a mãe havia preparado um bolinho de banana com uma velinha com o algarismo 5.
Pobre, mas alimentação embora com calorias insuficiente, dava para encher o estomago.
A tristeza cada vez mais me abatia, o coração pulsava mais, embora encharcado e com frio, um calor aflorava do rosto que se avermelhava e descia pelo meu peitoral avantajado, estruturada pela genética e não como um velho burocrata da repartição pública, onde eu carimbava papel o dia inteiro, sentado o dia inteiro, e com a coluna vertebral esquelética quebrantada, tratada e destratada pelas fisioterapias.A coluna da alma tal e qual.


E o presente. Não deu para comprar nada, nem fiado, nem para isto tenho crédito qualquer.


Faltavam ainda uns 800 metros para chegar ao meu lar, doce lar. Casa de alvenaria,sem laje, janelas de compensado aprisionadas nos tijolos com muitos pregos, sem reboco. Um quarto/sala/ cozinha conjugados, um banheiro fora da casa com um chuveiro furadinho de lata de leite em pó pendurado no cano com arame. Água fria de verdade no inverno.


Certa vez num churrasquinho com os colegas de bar, alguém colocou cocô na lata de leite em pó furadinha, o chuveiro . Quando tomei banho, levei um jatos de cocô em pintadinhas nos cabelos e costas e fiquei raivoso como um pitbull. Nunca mais um acém na brasa. Pinga não. Em tempo, com um porte de arma eu teria cometido uma loucura.


Lembrei-me deste fato, talvez para esquecer o presente que não tinha. Como seria a decepção de meu único filho...Poderia dar uma desculpa, daria em outra época...
Mas veja como o destino faz surpresas. Um relâmpago claro mostrou-me na poça de água um Pato de Plástico. Peguei, estava novinho, somente enlameado. Deve ter escapado de algum quintal daquelas casas da rua, por correntezas que se revezavam.


Escondi o achado providencial, sob a camisa, e quase adentrando a minha casa: Entrei no silencio de meu coração, pisando em ovos, não podia ter chegado ainda.


Direto no tanque lavei o Pato de Plástico, e o guardei sob os caibros da varandinha dos fundos. Uma surpresa, mas eu queria achar um papel de presente.
Entrei nas pontas dos pés, e todos os dois dormiam. Achei estranho, com chuva, trovejando e raios estariam acordados, mas fora mais uma providência de Deus

A televisão teve o tubo queimado.


Encontrei um papel legal, embrulhei e retornei escondido aos caibros.
De manhã, Ziquinho me acordou;
- Papai, trouxe o meu presente.Fiz 5 anos, com a mão esquerda aberta de cinco dedos.
-Claro, meu filho; Feche os olhos , é uma surpresa.
-Tá bem Papai.
-Olha, Ziquinho, abra...
-Poxa Papai, este Patinho é muito bonito.Queria ver ele nadar na chuva de ontem a noite.Ele nada bem Papai....
-Claro meu filho; é um atleta perfeito.
-Obrigado Papai, você é o melhor Pai do mundo.

A.Domingos
09 de agosto de 2018
21:50 h

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Comentários

  • Grato amigo Zeca

    Este singelo conto é um conto de simplicidade gramatical e emocional.

    Os contistas, chamaremos de profissionais, profissão de escrever, em regra são exigentes quanto as palavras e as mensagens que desejam transmitir.Alguns contistas gastam muito tempo para finalizar um conto. Vi uma entrevista em que um contista gastou 2 anos escrevendo um conto, claro que não revisava o conto todos os dias.

    Estou, como um escritor amador, assim me denomino, em buscar a melhor e certa as palavras que melhor/ o máximo transmitam aquilo que pretendo por nos textos.

    Grato

    Antonio

  • Prezado Poeta e Contista... Abençoado seja!

    Li com vagar cada linha de teu conto. Em meio a leitura, em lampejos dos tempos passados, me vi em situações mais ou menos iguais, na infância (que não tive) em casas onde a iluminação era feita por lamparinas (latinhas de alguma coisa) com querozene dentro.

    que sou dos "Happy Ends" - sorri feliz ao final de teu conto, como se a sentir equivalente alegria do Ziquinho!

    Não sei se o ditado "quem conta um conto, acrescenta um ponto" tem fundamento ou é mais um dos do "senso comum" tão desvalorizados pela Douta Ciência. Mas... - Ainda que seja fruto da imaginação do Contista... Ah... Vi muita realidade no mesmo!!! NOSSOS CALOROSOS APLAUSOS!!! gaDs

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