Posts de RODRIGO LUCIANO CABRAL (234)

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MOLDES

Não tem sorrisos na face pétrea
Marmorizada em uma só expressão
Não tem alegria no olhar vazio
Nem malicia,nem soslaio ...nem nada
Não tem rubor na face imutável
Indelével diante de qualquer sentimento
Não tem vaidade não busca o reflexo
Não tem nem cor no cabelo
Não tem ires no olhar
Não tem nem duvidas nem certezas
Talvez traia tristezas este perpétuo esgar
Não vai reclamar nem sussurrar
Não vai ouvir nem aceitar
Não vê a noite que cai Silenciosa
Não sabe nem temer nem esperar
Não aprendeu nada com a vida
Não vai aprender...
Nem entender...
Nasceu moldado em escolhas toscas e batida
É só molde...é só barro...
Matéria prima...
A sociedade sabe fazer igual.
RODRIGO CABRAL
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SEI LA

Vem de onde a voz que grita em estrépido?
Fugindo da sombra todos os anjos estão assustados
Sentindo o medo velho amigo outrora inusitado
Sentindo a fome...a grande fome que não se sacia
Esta em guerra o céu de ébano da noite
Escondendo segredos perante olhares distraídos
Eu vi a fuga eu vi o êxodo...
Eu ouvi no vento
Ninguém pra entender ou repetir o drama
Existem coisas que esperam pacientes nas ruas
Existem marcas das quais você não pode fugir
Garrafas sem rótulos...
Copos sujos...
Olhos sem vida...
E pra onde vão quando as coisas param?
Por que não faz sentido algum ?
É hora então de calar...
RODRIGO CABRAL
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SE DEUS VIER...QUE VENHA ARMADO

O profeta subiu o morro
Longa barba encardida
Vestia toga como convinha
Trazia na mão o imprescindível cajado
E nos pés calçava Adidas...
É quente e irregular o chão do morro e ninguém e de ferro
O profeta trazia na mente muitos capítulos e versículos
Muitos sermões na língua que não era presa
Trazia perdão ou assim achava
O profeta subiu o morro
Trazia consigo a revelação
O todo poderoso é quem mandara
Ele tinha provas muitas provas
Tinhas e-mails e sms...
Tinha registro das ligações
Deus nunca ligava a cobrar
O profeta subiu o morro
Viu esgotos a céu aberto
Deus tinha saneamento básico?
Viu crianças brincando maltrapilhas no lixo
Viu os bêbados nos bares
Os trabalhadores cansados voltando do longo dia
Viu mulheres de sorrisos largos
E senhoras de olhar triste
O profeta subiu o morro
Reuniu o povo pra ouvi-lo na quadra da escola de samba
Falou das coisas boas do reino do senhor
Não recusou uma cervejinha
O profeta trouxe sua boa nova
Mas não pediu permissão aos donos do morro
O “movimento” não gostou daquilo
Gente demais sorrindo e se distraindo
Burburinho que chamava atenção
O profeta subiu o morro
E nem viu de onde vieram os tiros
Caiu ao chão pesado e ignorante do que acontecia
Ali ficou... ali sangrou
O profeta respirou o odor de seu sangue e da terra
Quando a policia trouxe a ambulância já era tarde
Ele acenou para o paramédico
O profeta queria falar
Contrariado o homem inclinou-se para ouvir
As ultimas palavras do homem santo
Numa voz sumida e entrecortada e fraca
Se Deus vier... que venha armado.

RODRIGO CABRAL

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NUNCA

Nunca conheci uma felicidade que eu não pudesse estragar
Um amor que não fenecesse
Uma dor que não aumente
Ou um sonho que não acabe
Nunca conheci um olhar que não se apague
Um desejo que não devore
Um ódio que não cresça
Uma fuga que não termine
Nunca conheci uma amizade sem interesse
Um sorriso sem falsidade
Uma idade que eu queira
Uma saudade que eu goste
Uma saudade que eu tenha...
Nunca...
Nunca ouvi uma história que me encante
Nunca chorei pela emoção
Nunca chorei pelo remorso
Nunca chorei pelo ódio
Nunca falei todas as verdades
Nunca acreditei em duendes
Papai Noel que nunca existiu
Coelhos e ovos de chocolate? Incoerência...
Mula sem cabeça? Lobisomens?
Tolices
Nunca vi força na união
Nem guerreiros nem soldados...
Nem irmão nem amigos...
Nada de inimigos
Ninguém...
Nunca jurei lealdade
Nunca prometi honestamente
Nunca esperei
Nunca quis
Nunca fui...
Ainda não sou.

RODRIGO CABRAL

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NÃO SEI O QUE FAZER COM FLORES

Eu vivo dias em que não sei o que fazer com flores
Quando as vejo no meu jardim me pergunto, por quê?
Quando a fresca brisa matinal sopra delas o orvalho
E tudo fica parecendo sena de filme da Disney
Quando o beija flor sempre apressado a saúda com beijos
Eu olho e penso que é tão irreal
Eu vivo dias em que não sei o que fazer com flores
Os chamativos buques de rosas não me enchem os olhos
Namoradas, esposas, mães, amantes por que seus olhos brilham quando ganham um?
Acaso não vai fenecer esta flor?
Não vai definhar ainda que mantida em vasos com água gelada?
A beleza é fugaz, tão fugaz!
Eu vivo dias em que não sei o que fazer com flores
Por que tantos arranjos e adornos florais no casamento?
Pra que a noiva tem um buque?
E ela joga o buque...
Pasmem ela joga e todas quase lutam por ele na crença ilógica de que terão um casamento também...
Se buques de flores garantem casamentos... então não deve existir um único jardineiro solteiro no mundo
Eu vivo dias em que não sei o que fazer com flores
Nas despedidas e funerais...
Nas homenagens...
Pra que tantos adornos e coroas florais?
Em que flores morrendo sobre o tumulo tornam menos tétrica a morte?
Em que flores para quem venceu ou perdeu tornam mais marcante o momento?
Não... definitivamente não entendo
Eu vivo dias em que não sei o que fazer com flores
Nem com as que nascem corajosas entre as pedras de meu muro
Nem com as que o vento carrega numa espiral de contos de fadas
Ou com as que ainda jovens não desbotaram
Não sei...
Eu não sei
Então eu a ouço falando das Maria sem vergonhas que tem nos vasos
Já a ouvi falando de jasmins, de rosas e crisântemos.
Posso perceber no vibrar de sua voz o amor pelas plantas
E percebo...
Não sei o que fazer com flores
Mas sei quem sabe...
E o que mais preciso?

RODRIGO CABRAL

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NADA ESTA VINDO

Ha tanto a perder e nada esta vindo...
O mesmo mar murmurando segredos infindáveis nas prais do sul
Um pássaro qualquer nas águas impudicas
Nenhum torpor,nenhum amor...nenhuma mudança
A tanto a perder e nada esta vindo...
Vem do leste estranho a canção que você canta
Nenhum nome na areia esta tarde
Nenhum navio no horizonte
Ha tanto a perder e nada esta vindo...
A mesma foto velha na gaveta de cima
Os mesmos livros poeirentos na mobília muda
As mesmas vagas inquietações no silencio da noite
As mesmas lagrimas onde ninguém vê
Ha tanto a perder e nada esta vindo...
Sem felicidade no nascer da estrela
Sem visões nem delírios
Nenhum bom gesto amoroso
Só folhas ao vento,só calor hostil
Só marcas e tempo
Só você...
Apenas eu...
E nada esta vindo.
RODRIGO CABRAL
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TARDE VADIA

Eu vim te dizer pra parar
Por que chove na praia...
Chove agora em lugares improváveis que você não vê...
Que você não sente
Eu vim te dizer pra voltar...
Por que naquele lugar o sol nunca mais voltou
Por que não é amor o que a jarra oferece
Por que esperar nem sempre vale a pena
Eu vim te pedir pra partir...
Por que é o vento sempre o vento quem sopra as perguntas
Por que o tempo trás de outrora medos desnudos
Por que ficar pode ser perder e partir pode ser sobreviver
Eu vim te pedir pra lembrar...
Por que a memória é fugidia quando o favor foi grande
Por que a nudez é vazia quando o coração não esta lá
Por que o ódio vem e nunca quer voltar sozinho
Eu vim te dizer pra esquecer...
Por que as coisas são o que são sob este mesmo céu a tanto a tempo
E você não pode mudar tudo,as vezes não pode mudar nada...
Eu vim te jurar que consigo...
Por que ainda florescem ´plantas no meu jardim que eu não sei o nome
Por que ainda busco as sombras em tardes vadias
Por que julgo ser mítica toda a fome me impele
Eu vim te dizer pra parar...
RODRIGO CABRAL
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NÃO ODEIO PESSOAS

Não odeio pessoas,nunca as odiei
Só não curto aglomerações
Multidões...
As pessoas não deviam se aglomerar
Quando vejo aquelas manifestações na TV ou festas e a câmera focaliza de cima aquele mar de gente sempre tem alguém pra falar..."Parece um bando de formigas"
E eu em silêncio sempre penso...
QUERIA QUE FOSSE.

RODRIGO CABRAL

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MEIA NOITE E TUDO BEM

Quando ele chegou à noite já ia alta, o silencio pairava nas ruas irregulares do bairro, apenas os cães testemunharam seu retorno cansado seus latidos o perseguindo a cada passo numa saudação irada, talvez medrosa? Quem sabe?
A fechadura da porta não resistiu a sua investida para entrar, a casa o acolheu em silencio nem convidativa nem hostil apenas conformada. Não havia sons, todos os ruídos pareciam ter adormecido também ele deixou no quarto o casaco e deixou os tênis, um leve murmúrio soou na cama onde sua esposa dormia.
Teria ela acordado? Imóvel ele esperou na penumbra, nada mais ouviu e então saiu para a cozinha. Havia um prato feito no micro ondas a sua espera, havia café forte na garrafa térmica, como ele sabia que haveria. Tomou um banho nem demorado nem rápido, vestiu o pijama que pegara quando fora ao quarto. Comeu com vagar após esquentar a comida, e a achou saborosa como sempre.
Depois bebericou o café na sala assistindo ao tele jornal, viu desfilar o teatro da vida em atos cômicos e trágicos que iam do chow daquele famoso cantor aos atentados terroristas, viu tudo sem surpresas sem emoções. Tudo ia como sempre no mundo, e ele não esperava que isso mudasse.
Quando deitou sentiu o calor da esposa, ela ressonou e instintivamente aconchegou-se a ele. Não acordou eles não conversaram, ele beijou seus cabelos cheirosos de algum xampu e adormeceu abraçado a ela.
Tudo ia bem no seu mundo.

RODRIGO CABRAL

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K7

O lugar cheirava a coisas velhas.
Livros antigos, velhos discos em vinil antigas fitas cassetes, e revistas de todos os tipos em profusão. Um pouco de odor de mofo no ar? Sim provavelmente também.
Antonio já estivera ali dezenas de vezes talvez centenas, era caminho pra escola passava pela frente daquele sebo todos os dias, costumava entrar, fuçar, catar, cavar coisas ali... tudo sob o olhar vigilante e estranhamente frio do proprietário. Um ancião que parecia mais velho do que qualquer coisa que tivesse na loja.
 Antonio olhava as revistas, lia as lombadas dos livros, espiava os DVDs e os CDs, mas raramente comprava algo.
Comprar como? A grana da mesada não podia andar mais curta naqueles tempos.
Se lhe fosse perguntado por que então ia ali quase todo dia e ele fosse sincero ao responder (e dificilmente seria) ele diria que era a atmosfera da loja... e o cheiro...aquele cheiro de passado palpável no ar que tanto desagradava alguns mas para ele era como perfume...um caro e gostoso perfume.
Antonio não queria ser jogador de futebol, não queria ser medico nem advogado, nem jornalista nem porra nenhuma! Não! Antonio queria e ser dono de um sebo, um sebo como aquele. Um sebo maior que aquele.
E era sobre isto que devaneava todos os dias explorando as mal cuidadas estantes da loja.
Mas naquele dia foi diferente! O dia todo havia sido diferente.
Pela manhã Antonio recebeu sua mesada (adiantada e sem a costumeira choradeira do pai só isto já valia o dia) no café da manha havia pão caseiro maionese presunto e queijo, seu sanduiche predileto pra começar o dia? Seria possível? Sim foi possível!
No caminho da escola encontrou a Joana, achava a Joana a maior gatinha da escola com seus olhos verdes quase cintilantes e sua fala gostosa! E ela não só fez questão de ir com ele para a escola como enganchou seu braço no dele toda sorridente. (é o céu Antonio pensou no fundinho de sua mente )na escola as aulas foram boas e passaram rápido.
Ele ficou na media em todos os trabalhos escolares que apresentou o que por si só já lhe parecia um feito que justificava não só a mesada que recebera como a reenvidicaçao de um aumento da mesma.
E quando voltou pra casa após as aulas a bem aventurança não havia o abandonado ainda. Sentia que estava vivendo o melhor dia de sua curta vida, passou na loja pela primeira vez em bastante tempo realmente com dinheiro pra gastar (e realmente disposto a fazê-lo) entrou na loja e como sempre o velho estava La atrás de seu balcão cofiando a longa barba com a mão esquerda olhar perscrutador e vigilante. Mas não havia algo diferente nele hoje?
Sim havia, Antonio podia jurar que havia sim, os olhos do velho não pareciam tão frios como de costume, estavam mais... acesos...mais ...vivos.
Quando Antonio passou por ele rumo a estante das revistas o velho anunciou em voz quase gutural.
- Chegou um monte de coisas novas na seção de musica guri, vê La se não tem algo que tu gosta!
Tão atônito com inédita e totalmente inesperada atitude do velho ele ficou (anos vindo ali e o velho nunca lhe dera sequer um bom dia) que Antonio só assentiu timidamente com a cabeça e foi ate a seção indicada.
Atrás dele apoiado em seu gasto balcão o velho sorrio o mais predador dos sorrisos.
O garoto não saberia dizer quanto tempo ficou entretido vendo as novidadas, o velho não exagerara havia muitas mesmo, CDs de jazz, velhas bandas de rock, Ozzy Osbourne, Nirvana, muitos discos antigos também, e umas duas pilhas novas de cassetes que pareciam mais do que nunca antiquadas, foi nesta pilha que ele a encontrou.
Estava no topo a primeira.
Uma fita cassete cuja capa não tinha qualquer inscrição, nenhuma logo, nada, a capa era apenas azul, um azul profundo e gélido. Ele manuseou a fita por longos minutos tentando imaginar do que se tratava sem conseguir. A curiosidade crescia dentro dele quase ardia.
Em circunstâncias normais ele não ousaria fazer qualquer pergunta ao velho. Mas este não era um dia normal não é verdade? Era o melhor dia da sua vida e o velho ate falara com ele.
Pegou a dita fita e foi ate o balcão, em voz incomodamente vacilante perguntou quase a queima roupa pra não perder a coragem.
-Esta fita aqui do que é? Não tem nome nem nada!
O velho olhou pra ele e pra fita como se os estivesse vendo pela primeira vez na vida, seus olhos realmente pareciam mais vivos do que nunca, mas a voz era a voz que se espera que tenha um morto se voltasse a falar quando respondeu.
-Não sei guri veio junto com o lote, deve ter esta merda de rock ai ne? Quase tudo que comprei com ela era rock.
-Não da pra saber o que tem nela... pode ate não ter nada . – arriscou Antonio
- Lógico que tem algo ai guri- respondeu o velho em tom levemente ofendido- só não sei o que é por que não escuto estas merdas.
- Ta certo- concordou Antonio- eu to bem curioso, mas to com medo de levar e se ruim.
-Façamos o seguinte guri... leva te vendo por um real, e minha única oferta , se for boa melhor pra ti que saiu no lucro se for uma droga um real não vai te deixar mais pobre vai?
Antonio encarou o velho quase sem acreditar, num mesmo dia trocara com ele mais palavras do que faziam no mês todo, realmente aquele era seu dia de sorte.
- Feito – respondeu ele já tirando a moeda de um real do bolso.
Enquanto saia da loja só uma coisa, uma coisinha mínima o incomodou um pouco.
O velho pegou a moeda e pôs na registradora com um sorriso estranho demais no rosto.
Não saberia dizer o que era, mas algo naquele sorriso o perturbava, parecia o sorriso que dava o gato que acabara de comer o canário mais gordo de sua vida.
Mas quando chegou a casa e foi correndo pro quarto atrás de seu antigo tocador de cassetes ele já nem pensava mais nisto, achou sua preciosa antiguidade atrás de uma pilha de revistas Mads, ligou a tomada e ansioso pós a fita a rodar.
A principio não ouve som algum, só um silencio estranho que parecia não só vir da fita, mas tomar de assalto o quarto todo, Antonio já estava começando a chingar pensando merda um real jogado fora quando o silencio foi substituído por um silvo, baixo, mas audível e parecia interminável.
Antonio sentiu-se tonto, tudo a sua volta ficou difuso, e sua visão ficou tomada por um profundo frio e impenetrável azul, este foi seu ultimo pensamento racional.
No dia seguinte os jornais e telejornais de pais todo contavam a estória do adolescente assassino que estraçalhara a família inteira.
Matara o pai ainda na garagem o surpreendera quando saia despreocupadamente do carro, afundou seu crânio com uma marreta pesada, o golpe fora tão violento que a marreta permanecera presa ao crânio.
A mãe ele matou na cozinha, enfiara nela absolutamente todos os utensílios pontiagudos que encontrara nas gavetas daquela cozinha, facas, garfos, tesouras, ate um abridor de latas em forma de golfinho.
A irmã mais velha ele matou no quarto dela mesmo. A enforcou com o fio do secador de cabelo que depois ligou na tomada e enfiou em sua boca.
O irmão menor ele afogou na privada.
A policia o encontrou catatônico sentado na sala de estar.
Não reagia a estímulos de espécie alguma.
Os motivos das mortes e como pode executa-las jamais seriam explicados alardeavam os repórteres excitados com cheiro de sangue e pontos no ibope.
O delegado da cidade Marcelo era um homem jovem, pinta de garotão mais parecia um frequentador de baladas que um delegado. Estava casado a menos de dois anos e na ativa como delegado a menos de quatro, obviamente nunca vira nada assim na vida. Chegou a casa apenas muito tarde da noite no dia do crime. Exausto mas não achava que fosse dormir fácil, sua esposa e a sua filhinha já estavam dormindo e ele achou ótimo, foi para cozinha beliscar algo à cabeça rodando revivendo os horrores que viu naquela casa e o olhar vazio daquele menino assassino.
Como ele fez aquilo?
Por que ele fez aquilo?
As perguntas pareciam mesmo fadadas a não ter respostas. Não viu nada na casa que desse qualquer vestígio de explicação do que motivou aquela carnificina. Os vizinhos eram unanimes em dizer que todas na família se adoravam.
Então lembrou do único elemento que realmente achou estranho na casa.
Quando subiram ao quarto do garoto havia um velho toca fitas ligado, um cassete estivera tocando ali ate o fim, a capa estava sob o tampo do aparelho, uma capa azul profunda sem inscrições ou desenhos.
Curioso ele rapidamente voltou um pouco da fita, mas não ouviu nada.
Deu de ombros afinal aquilo não podia ser relevante no caso não é verdade?
Mas o fato e que não esqueceu. Havia algo de familiar naquela capa azul.
Algo incomodamente familiar.
A lembrança veio num estalo o fazendo saltar da cadeira.
No quarto de hospedes que era mais deposito que quarto, entre zilhoes de tranqueiras que ele e a mulher se recusavam a jogar fora havia um velho toca discos e uma pilha imensa de velhos discos de vinil, outrora pertenceram ao falecido tio de Marcelo. Foi ate La correndo esquecendo-se de ser cuidadoso para não acordar ninguém.
Remexeu nos discos atabalhoadamente e achou.
La estava...
Um disco de capa totalmente azul... Um gélido azul. Sem marcas sem nomes sem inscrições!
Pôs de imediato o disco para tocar...
Primeiro silencio... um silvo...
E SEUS OLHOS E A SALA INTEIRA ENCHERAN-SE DE UM AZUL... UM PROFUNDO AZUL.

RODRIGO CABRAL

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HUMANO

Eu sou a sombra estranha que te segue à noite
Você me conhece pelo murmúrio que deixo no vento
Eu sou a rocha que barra teu caminho
Na cidade repleta eu sou o cômodo vazio
Eu sou a terra que te escapa entre os dedos
Escorro de tuas veias, sou sangue derramado.
Eu sou o estrondo que faz a arma disparada
Sou a imagem que o espelho Le mostra
Conto mentiras pra você no telejornal
Aceno com novidades nas fofocas da revista
Estou luzindo de desespero no olhar dos famintos
Sou o frio ocre de medo na espinha da vitima
Eu sou a mentira que um dia você contou
Que você ainda vai contar...
A mentira que sempre volta pra você
Aquele ato covarde tem minha assinatura
O heroísmo de poucos tem vestígios meus
Eu rastejo em hospitais moroso de doenças
Eu tenho curas que ninguém vai conhecer
Sou ancião velho feito o tempo
E ainda assim tão jovem e imaturo
Sou o que sente
Sou o que sofre
Sou o que mata
Sou o que sabe
Trago aquilo de que não podes fugir
Retribuições e tragédias
Cargos e vitorias
Apenas habitante
Um ser... Humano.

RODRIGO CABRAL

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AINDA UMA MEMÓRIA

Quando você voltou haviam farpas de tempo em teus olhos...
Velho amigo de que riscos você lembra?
O quanto você lembra?
Se é que lembra...
Nós já vimos o luar sangrando luz sobre a floresta
E adivinhamos mistérios que ela não tinha
Sinto falta... as vezes tanta falta...
Que tempo é este que não é nosso aliado?
Que afasta os amigos e aproxima os indesejados...
Velho amigo quando você chorou quem te amparou?
Eu lembro de tudo...
Nunca esqueci...
Quando gritei no escuro de uma vida arruinada
Quando clamei sem orgulho por uma ajuda que não viria
Onde estava você?
É isto que a vida nos deu...
Memórias...
Houve um tempo em que o ar tinha o som de nossas risadas
Riamos tanto...
Riamos com humor
Riamos da dor
Riamos do desespero
Riamos quando já não podíamos mais...
Nos riamos...
Velho amigo caminhamos sob o sol do sul quantas vezes?
Estarão lá nossas pegadas?
Haverá ainda algum vestígio nosso naquela cidade?
O que o antigo bairro ainda tem de nos?
Tão pouco eu receio...
Tão pouco!
Velho amigo nos vimos demônios e fadas em uma ótica toda nossa
Destilamos amor e veneno em igual medida
Fugimos dos inimigos, mas nunca do medo
Ninguém foge do medo velho amigo
Enfrentamos algozes sem coragem só com desespero e astucia
E sobrevivemos
Contamos historias nas praças em madrugadas indistintas
Vinho e falatório como acompanhamento
Imaginamos que nunca ia acabar?
Tolos...
Velho amigo às vezes sinto falta...
Tanta falta.

RODRIGO CABRAL

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A FLOR QUE EU NAO QUERO

Esta chuva fina machuca meus ossos
Como milhares de agulhas em mim
Esta estrada longa roubou meu animo
Suas curvas feias, seus intermináveis buracos.
Toda esta imperfeição
Não vejo um fim para a sina em meu caminho
Não lembro mais dos objetivos que tive
Se é que um dia eu os tive...
Arrasto soturnamente minha alma comigo
Todas aquelas pequenas dores que unidas formam a grande chaga do meu viver
A penitencia que encobre meu ser
Devia pedir perdão ao grande Deus cristão?
Devo zombar dos dogmas das igrejas?
Prefiro apenas seguir
Superar os pântanos
Atravessar os vales e escalar as montanhas
Visões tão tristes de aldeias desimportantes me assaltam
Desconhecidos infelizes
Ou felizes ignorantes
Já não os distingo
A qual deles pertenço eu?
Pouco importa...
Posso bradar aos ventos do mundo um dia inteiro
Posso chorar nos oceanos da Terra
Tanto faz...
Como um único homem pode mudar o mundo?
Tão fácil o mundo mudar um homem...
É melancólica e sem beleza minha poesia
Meus versos... meus bonitos versos eu creio já os gastei todos
Agora só tenho lamentos e dores
Agora sou nômade das letras
Agricultor de incertezas
Eu fomento duvidas
Eu semeio minhas dores
Não conheço mais rosas
Vejo apenas uma única flor
Esta que floresce nos corações destroçados dos homens desesperançados
Esta que viceja em meio à matéria lúgubres do ser existencial
Esta que não morre apenas adormece
Esta a quem chamo... tristeza.

RODRIGO CABRAL

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Arvore mundo

Não quero a terra em que piso
Não me importo com este solo imundo
Areia ressequida que me suga as lagrimas
Odor pobre de perfume vagabundo
Não quero os meios que me levam a fins
Não quero saber nem me importar
Não há acaso que me assuste
Nem vaga luz que eu vá seguir
Não quero orientação
Não tolerarei rótulos
Não tenho medo...
Já tive amigos...
Já tive?
Estou só...
Na arvore mundo
Colhendo frutos
Frutos sombrios.

RODRIGO CABRAL

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AGOSTO JA CHEGOU

Não sei o que sentir
Vi no teu olhar que acabou
Sentença sem palavras
Condenação dolorosa
Desabei
Busquei te entender
Compreender teus motivos
Medir tuas atitudes
Falhei
La fora sopra um vento tão frio
Aqui em meu coração agosto já chegou
Tão gélido
Tão dolorido
La fora me aguardam as tristes arvores invernais
A noite cai vagarosa
Ela me envolve
Vou me entregar a ela
À noite
Não sei o que sentir.

RODRIGO CABRAL

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A NATUREZA DA BESTA

Quem vem em meio à noite densa não pode fazer pedidos
Percebi teu olhar faminto oh criança
Mas aqui tua fome não se sacia
Esqueça das promesas e não busque conforto em antigas propostas
Esta é uma terra que não acolhe cansados peregrinos
Nenhum repouso para você aqui
Nenhuma paz no verde impenetrável desta floresta
Aqui onde crocitam os fervorosos corvos da ganância
Neste lugar onde perambulam desejos terríveis
Há uma ânsia aqui que não pode ser aplacada
Um infatigável querer que estreme se ate meus ossos
Anciões de pele de pergaminho observam, mas não darão respostas.
Esta é a morada das duvidas é aqui que elas florescem
Um cheiro pútrido de terra mofada e folhas úmidas assalta as narinas
Lugar sem lugares
Domínios sem senhores
Tamanho será teu medo aqui criança que você o exalara como um cheiro
Serás caçado
Rastreado
Não busque entender este mau
Ele é o que é
É apenas a natureza crua da besta
Abandona teus valores
Deixa o peso inútil da esperança pra traz
Abra o peito
Derrama tuas lagrimas
Bem vindo à vida que construíste.

RODRIGO CABRAL

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AS PONTES AINDA ESTAO LA

Tanto se passou agora
A nossa antiga aliança não mais perdura
Eu via as juras que trocamos caírem pela estrada
Como velhos anéis que ninguém mais quer
Quando a grande chuva veio eu estava só
Onde quer que eu estivesse...
Estive só
A memória de um antigo sonho não basta
Não mais...
Sonhos solitários costumam perecer
Tentei te explicar as coisas que trazia no peito
Meu coração tão louco e tão oprimido dando saltos
Atropelei as palavras e sentidos
Fracassei
Se houve algum dia uma semente tua...
Ou uma semente minha neste mundo ela não vingou
Se um dia realmente idealizamos nosso legado  ele se perdeu
Tão fácil ver em tua face à necessidade de partir
Tão simples entender em minha ânsia a necessidade de me afastar
Eu ouvi falar de novos mundos e ansiei por eles
Eu os desejei...
Os cortejei e quis pra mim...
E você o que quis?
O que almejou?
A que objetivos entregaste teus esforços depois de tudo?
Difícil saber
Tanto de nos ficou pra trás que já não somos mais os mesmos
As pontes por que passamos ainda estão La
As florestas que exploramos ainda existem
As poeirentas ruas ainda zombam de nossos esforços antigos
Mas nos não somos mais o que éramos
Não estamos mais La...
E jamais tornaremos a estar
Não de todo
Eu queria fazer disto uma canção para te alcançar onde quer que estejas
Quando a memória veio qual torrente e me inundou foi nisto que pensei
Alcançar você
Te buscar...
Inundar também você...
Mas as estrelas espiando por traz das nuvens neste céu frio me disseram a verdade
Estrelas fazem isto você lembra?
Elas dizem a verdade...
E elas me lembraram que já não há mais elos entre nos
Não há mais motivos...
Sem razoes para esta busca
A pessoa que eras morreu na neblina do tempo
A que fui pereceu na esteira nos anos
Então a canção em mim também se foi
Ela calou...
Ela não te busca
Virou poema.

RODRIGO CABRAL

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SEI DE UM LUGAR!

Vem sentir a brisa comigo
Hoje o topo do monte é nosso
A paisagem que descortina este horizonte não nos é hostil
Vem espiar as terras do sul
O mar sem belezas que beija nossas praias
Um mar sem romantismo ou poesia
Mas pleno de ardores
Eu posso ver teu ofegar nas curvas cheias de teus seios
Percebo o desejo umedecer as apetitosas carnes de teus lábios
Um frêmito incontido e adorável
Vem esperar esta noite comigo
Você pode vê-la?
A noite avança pra nos vinda do norte
Uma noite transcontinental que conhece você
Uma noite da Florida com praias apinhadas
Uma noite de bosques do Maine
Uma noite do milho de Iowa
Uma noite de burburinho de New York
Sente aqui dama esmeralda
Perceba como há sempre um lugar seu no meu colo
Como há sempre uma fome ansiosa por ti em meus lábios
Como existe sempre uma longa conversa entre nos
Senta aqui e esqueça idades cronologias e o tempo
Esqueça o passado e coisas que não voltam mais
Apenas venha...
Tome seu lugar...
Apenas saiba que há um recanto seu tão recontido e tão rosa... que quero muito!
Senta aqui...
Vem ver o alto do monte
Vem espiar a cabana que idealizamos
Vem ser você...
Apenas você... comigo
E serei apenas eu... pra você.

RODRIGO CABRAL

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CHOVE EM SETEMBRO

Vi o fim
O fim que vi fitava-me com olhos amendoados através da janela
E havia lagrimas
Não foi veloz
Oh por que para mim nunca parece acabar rápido?
Sem misericórdia no ultimo ato
Lenta dissolução
Eu vi o fim
Um final presente com gosto de cinzas
Um ar pretérito em nosso ambiente
Palavras desnecessárias nasciam e morriam em minha boca
Não as proferi
Eu vi o fim
Na cálida manhã cor de chumbo do sul
Chuva mansa sobre a cidade pacata
Entre nos desvanecia o amor
Eu vi o fim
Com gestos afetados e curtos
Rosto endurecido acenei do alpendre
Vi o carro afastando-se num rodar macio
Vagaroso
Na janela ainda os olhos
Ainda as lagrimas
Um curto e frágil gesto de adeus
Sob o céu chuvoso de um setembro morto
Eu vi o fim.

RODRIGO CABRAL

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EXISTE UM OLHAR

Existe um olhar que não esqueço
Um poema soprado quase ao limite do folego
Existe um sorriso que não se apaga...
Constelações luminosas nas trevas deste tempo
Existe um desejo que não contenho...
Por que vem com o tempo e com o tempo vai...
Mas é meu...e meu sempre volta....
Existe um medo que me percegue
Um medo antigo
Um medo meu, que sempre sabe aonde eu vou
Existe uma memória que não se dissipa
Indelével
Existe uma história que ninguém conta...
Que ninguém sabe...
Existe uma dúvida em teu olhos...
Foi por estes dias que a cidade ruiu?
Foi por sua causa que a cidade cedeu?
Foi por você que a cidade chorou?
Existem as perguntas e não existem as respostas...
Ou,nem sempre existem...
Existe um poema ainda não escrito
Jazendo apagado no cérebro de alguém mais talentoso do que eu...
Poemas assim nascem quando o dia morre...
Vem para a luz quando a noite ganha...
Existem todas estas coisas agora
E sempre existiram...
Mas existe um olhar
E só um olhar
QUE NÃO ESQUEÇO.
RODRIGO CABRAL
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CPP