Conto
Uma Honra, O que dizer....
Nascer já foi milagre. Antes do primeiro choro, José Camburão, o filho , já carregava no nome a força de uma história que o esperava com os punhos ,uma metáfora , amarrados.
Filho de Josenildo Prensado, catador veterano de passos duros e espinha curvada, e de Diane Bordado, mulher de agulha afiada e com a esperança já cansada, veio ao mundo entre sacos de lona e cheiro de asfalto molhado.
Romula Tarde, a irmã que veio dois anos depois nasceu entre suspiros e soluços, quase no cair do dia, e talvez por isso tenha herdado o nome que carrega sol e resignação, Tarde demais, será!!!
O berço originário era improvisado em caixas de papelão e panos quaisquer..
O primeiro brinquedo, uma ironia, uma garrafa pet cheia de pedrinhas.
Os primeiros passos surreais, cambaleantes entre buracos e calçadas esburacadas, enquanto os moradores e transeuntes do bairro desviavam o olhar.
Mas cada passo de José e Romula, irmãos , era um verso do poema possível que insistia em continuar.
Cresceram conhecendo as palavras pelo som das latinhas amassadas. “Cantam o lixo” e dizia o pai, com orgulho, que os filhos sabiam reconhecer alumínio só pelo tilintar, a música de sobrevivência.
A jornada era diária: cinco quilômetros pra lá, cinco pra cá, com o sol nas costas e os pés descalços de calos ásperos assombrosos.
O carrinho de supermercado é desconhecido.
O suor de todo dia a escorrer na testa, o batismo.
Diane, com olhos fundos de sono e linha no dedo, costurava bem bainhas de calça para os vizinhos por míseras moedas. Costurava o futuro sem perspectivas.
No rosto de José Camburão, aos 12, começava a despontar a sombra fina do homem que se tornaria , mas a alma já era grande, moldada por calo de hoje e futuras lembranças.
O que dizer a um menino que carrega latas como quem recolhe sonhos? Que recita as datas dos descartes como quem lê evangelho?
O que dizer de Romula Tarde, que com 10 anos sabe negociar com sucateiro e devolver sorriso a quem não lhe dá nem bom-dia !!!
Josenildo, o pai, ensinava lições moralistas entre um suspiro e outro:
"Filho, o mundo não vai te escutar fácil. Então fala com os olhos, com o gesto. Fala com tua presença. Fala com o suor do teu trabalho!!!
A noite vinha, e na igrejinha do bairro, o cheiro de sopa vinha antes da palavra "fé", a família então se sentava junto, todos os dias. Um pão, um caldo de legumes com frango e uma oração. E ali, no silêncio depois das colheradas, Diane sussurrava:
"É uma honra, para mim, Josenildo , viver mesmo assim. É uma honra nascer pra ter o que dizer, mesmo quando ninguém quer ouvir."
E quando vier o tempo do casamento, e se vier, e José Camburão estiver diante da noiva, talvez sem terno, mas com o rosto lavado de mundo, ele vai saber o que dizer. Vai dizer com a voz de todos os dias difíceis, com o timbre das latas, com a poesia das calçadas.
Vai dizer:
"Amar é não largar a mão, nem na chuva, nem na fraqueza da fome”
“Amar é prometer abrigo com mãos abertas “
“É dividir sopa, sol e nossos anseios “
E é uma honra, meu bem. Uma honra te chamar de casa, minha rua, meu bem !!!
Fim
A Domingos
Abril 2025
https://youtu.be/9gg8J9Th07A?si=Z4KOL3dME4ETZNih
Personagens..
Josenildo Prensado..Pai 45 anos
José Camburão…filho com 12 anos
Romula Tarde…filha com 10 anos
Diane Bordado…mãe com 42 anos
Comentários
Parabéns Antônio. Um relato,em conto, real e triste, mas está a frente de nossos olhos todos os dias.
Belíssimo!
DESTACADO
Um abraço
Agradecido demais por este maravilhoso Destaque.
Uma honra ter sua apreciação.....
Sempre espero por seu comentário.
Sempre uma luz para nós do CPP
Abraços fraternos
Estimado Antônio, essa é uma triste realidade que infelizmente existe. O que escreveste é realmente comovedor e dramático.
Meus parabéns e um forte abraço!
Agradeço muito de coração seu valioso comentário.
Uma honra ter seu comentário
Abraços fraternos prezado Poeta Juan
Antonio
um versar real e dificil mas se tiver dentro do coração amor, coragem fé
uma hora a porta se abre e ai tudo muda
é um quadro real que acontece dia a dia no mundo
saudações
um abraço
Abraços fraternos prezado Poeta Davi.
Gostei de seu comentário.
Seja sempre bem-vindo.
Que lindeza,Antonio
Muito triste , essa é a nossa realidade que poucos veem
Abraço e aplausos
Agradeço muito de coração amiga Poetisa Ciducha
Abraços fraternos.