Posts de Miguel Carqueija (72)

Classificar por

NÓS

NÓS

Miguel Carqueija

 

Os nós que sempre nos unem

são importantes pra nós,

eles sempre nos reúnem

se nos encontram a sós.

 

Se nosoutros nos amamos

com laços e nós formados

pela vida caminhamos

sempre bem acompanhados.

 

Comemos bolo com noz

pois nozes apreciamos;

esta vida é só pra nós,

e pela estrada nos vamos.

 

Em meio às dificuldades

desatar nós aprendemos;

com nossas habilidades

caminhamos e vivemos.

 

 

Que bom este nosso amor,

que bom é viver a dois;

que os nós não nos causem dor

e nunca chegue o depois!

 

 

Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2021.

 

 

 imagem pinterest9575288082?profile=RESIZE_584x

Saiba mais…

Agora choro

AGORA CHORO

Miguel Carqueija

 

E choro pela minha juventude perdida,

pelos sonhos que se desfizeram,

pela infância deixada para trás,

por uma existência de desgosto e penúria,

pelos ideais evaporados,

pelo amor que não surgiu,9348648097?profile=RESIZE_400x

pelas amizades perdidas,

por tantas pessoas que morreram,

pelas que sumiram,

pelos projetos não realizados,

pelos romances não escritos,

pelos animais que me estimaram,

pelos anos desperdiçados;

mas peço a Deus a força de ir até o fim,

tendo as feridas como troféus

e entrar na outra vida em estado de graça

que é o que realmente importa.

 

Rio de Janeiro, 13 de fevereiro de 2021.

Saiba mais…

LUNÉFILO

9021140480?profile=RESIZE_400x

Sempre admirei a Lua,
mundo igual não há nenhum;
que em nosso céu flutua
esparzindo a sua luz,
refletindo como prata
e que ao romantismo induz;
tu és a beleza inata
e a terra da Sailor Moon!

 

 

(imagem pinterest)

Saiba mais…

O amor de Davi Nasser por Portugal

O AMOR DE DAVI NASSER POR PORTUGAL

Miguel Carqueija

 

            Eu estava devendo à minha mãe, falecida em 1997, a leitura e o comentário deste livro que pertenceu a ela e até hoje guardo comigo, mas que somente agora li.

            Ela gostava de Davi Nasser, um dos nossos grandes repórteres, que tinha programa na televisão, embora não aparecesse em cena, “As grandes reportagens de Davi Nasser”, depois o “Diário de um repórter”, colaborava na revista “O Cruzeiro” e ainda publicava livros.

            Este, das Edições O Cruzeiro, do Rio de Janeiro (meu exemplar é da segunda edição, julho de 1965), tem capa de Dounê sobre foto de Ed Keffel e uma carta-apêndice da jornalista portuguesa France de Vasconcellos, sendo a obra dedicada a Manuel Bandeira, Miguel Torga, Alves Pinheiro e “in memorian” a Ary Barroso.

            Davi Nasser escreve em prosa mas seu estilo é deveras poético, perpassando entranhado amor à pátria que nos gerou. Ele discorre sobre Lisboa, Coimbra, Porto, o Minho, sobre o escritor Miguel Torga, que também era médico, sobre Camões, Camilo, Júlio Diniz, Amália Rodrigues, sobre Salazar e lamenta que o brasileiros tivessem certo desprezo ou desamor para com Portugal. Nasser acusa Jânio Quadros de ter parte nisso. E lembra que a pressão mundial, inclusive na ONU, para que Portugal desse independência a seus territórios de ultramar deixava livres Inglaterra, França, Holanda, Estados Unidos. As Guianas, o Hawaí...

            “Enamorado de si, morreu Narciso à beira dum regato onde se mirava. E as ninfas, compadecidas da sua desgraça, pediram aos deuses que o transformassem numa flor.

            Lisboa é essa flor. O Tejo, o rio onde se perdeu a imagem.”

            Esse prosear poético abarca o livro inteiro, que tem letras grandes e pouco mais de cem páginas, inclusive algumas em branco.

            “Vou deixando Portugal num gerúndio bem brasileiro. Os portugueses de Vila Real não estranham apenas o sotaque adocicado, mas os vocãbulos em desuso, como se nós, os brasileiros, vivêssemos na idade da pedra de uma língua que mantemos viva. Viva, sim, dizem eles, quando lêem José Lins, Jorge Amado, Graciliano, Guimarães Rosa, Antônio Maria, Rubem Braga, Fernando Sabino, José Condé, Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade — e, sobretudo, a padroeira Rachel de Queiroz que eles lêem como quem mastiga um pão de bom trigo.”

            Em estilo inusitado torna esse livro uma imensa prosa poética. Vejam este outro trecho:

            “Percorro este mundo de algumas milhas de História — como aquele baiano que foi a Góis rever o amigo de sempre. A cada passo, leio o ressentimento e o perdão nos olhos generosos dos portugueses que simplesmente não compreendem. “O que foi que lhes fizemos?”, parecem perguntar, sem que eu possa lhes responder, a menos que dissesse uma palavra: “Jânio”.

            O que terá feito Jânio Quadros contra Portugal, a ponto de provocar esse ressentimento do repórter? A leitura de “Portugal, meu avôzinho” nos infunde até remorsos por não amarmos o suficiente a nossa átria ancestral.

            Davi Nasser fala muito de seu amigo Miguel Torga, escritor luso famoso, como pude constatar na Wikipedia, e que eu desconhecia de todo.

            Recomendo a leitura.

 

Rio de Janeiro, 8 de março de 2021.

Saiba mais…

Estréia no Japão o épico da Sailor Moon

ESTRÉIA NO JAPÃO O ÉPICO DA SAILOR MOON

Miguel Carqueija

 

8413231681?profile=RESIZE_400x

 Grandes tranças, coques, a figura de um coração formada pelo penteado e pela tiara, na testa; a gola de marinheira, a fita vermelha: Sailor Moon é inconfundível.

 

            Estreou ontem (dia 8 de janeiro de 2021), nos cinemas japoneses, a Parte 1 do primeiro grande épico de animação da história do cinema, “Sailor Moon Eternal, the movie” (A Eterna Sailor Moon, o filme). E justamente completam-se em 2021 trinta anos da criação de Naoko Takeushi, a genial desenhista e roteirista de mangás. Naoko participou da produção cinematográfica, o que garante fidelidade em relação à obra original, o arco “Sonho” dos quadrinhos originais, publicados na década de 1990.

            A voz de Sailor Moon continua sendo fornecida pela dubladora original, Kotono Mitsuishi.

            A Parte 2 deve estrear dia 11 de fevereiro, se não houver problema sanitário que obrigue a fechar os cinemas. Quanto à distribuição internacional, continua uma incógnita; mas já se fala numa distribuição pela Netflix; eu prefiro que possa passar nos cinemas brasileiros.

            Nos anos 90 foram produzidas três películas de longa-metragem da Princesa da Lua: “A promessa da rosa”, “Corações em gelo” e “Milagre no buraco negro dos sonhos” (1993, 1994 e 1995). Sailor Moon continuou na mídia, porém somente agora surge nova película para cinema — esta, porém, em grande estilo e com extraordinária perfeição estética. A Guerreira do Amor e da Justiça está mais bonita que nunca, como pude perceber nas vinhetas que já passam no Youtube.

            Se você detesta o gênero de super-heróis, por causa do caráter macabro e violento dos quadrinhos e filmes dos personagens DC e Marvel (no fundo isso não passa de lixo) veja a diferença que existe nesta super-heroína nipônica com sua equipe. Usagi Tsukino (ou Serena Tsukino na versão americana), ou seja, Sailor Moon, é uma menina doce, ingênua, romântica, amorosa, detesta violência e se compadece até dos inimigos. Seus poderes são de natureza espiritual.

 

8413234862?profile=RESIZE_400xA encantadora filha de Sailor Moon: Chibiusa, a Pequena Dama.

 

            Em “Sailor Moon Eternal” vemos claramente a luta entre o Bem e o Mal, entre a Luz, representada por Sailor Moon, e as Trevas, representadas por Neherenia, Rainha da Lua Morta, que, tendo rompido o lacre que há milênios a impedia de sair de seu reino (Lua Nova, Lua das Trevas ou Lua da Morte), agora desce à Terra em busca de domínio. Ela persegue o Pégasus, o unicórnio alado, que também adquire forma humana, e que é o protetor dos sonhos infantis. E o que será das crianças, se os sonhos infantis (a inocência infantil) cair nas mãos do Mal em estado puro?

            Aliás, Neherenia equivale a Lilith, o demônio feminino que, na lenda judaica, mora no lado oculto da Lua.

            O mundo cai sob um grande pesadelo. A escuridão se espalha. Uma rede invisível (mas avistada pela heroína, como consta no mangá dos anos 90) amortalha a humanidade. Uma infecção misteriosa se alastra.

            Mas Sailor Moon sabe de onde vem este mal, que penetra pelos espelhos e domina as mentes humanas com pesadelos.

            A luta de Sailor Moon, a Princesa da Lua Branca, é metafísica. E no auge da batalha ela chega à sua transformação final, a de Eterna Sailor Moon, não vista nas fases anteriores da saga, quando se mostra com grandes asas emplumadas, revelando ser uma anjo.

            “Sailor Moon Eternal” coloca a heroína no patamar mais alto entre os personagens tipo super-heróis ou super-heroínas. O culto à violência dos personagens DC e Marvel não pode competir em arte e mensagem com a meiga porém majestosa super-heroína japonesa.

            “Sou uma guerreira que luta pelo Amor e pela Justiça! Sou Sailor Moon, e punirei você em nome da Lua!”

 

Rio de Janeiro, 9 de janeiro de 2021.

 

8413236496?profile=RESIZE_400x

  A Princesa da Lua Branca é uma super-heroína que chora.      

 

8413239261?profile=RESIZE_400xAmor materno e filial.

Saiba mais…

KAGOME, o amor impossível

Kagome, o amor impossível

 

Miguel Carqueija

 

 

8311676086?profile=RESIZE_400x



Por que eu tive que te amar?
Por que não pude esquecer?
E por que atravessar
o tempo só pra te ver?

O destino me emboscou
no dia em que eu caí
no poço que me tragou,
no outro lado te vi!

Inuyasha, meu amor,
estavas atravessado,
numa cena de horror,
por uma flecha cravado!

Na árvore fixado
meio século fazia,
pela seta encantado,
assim vi naquele dia...

Como eu podia saber
da flecha de Kikyou,
e o que eu pude fazer,
a minha mão te soltou!

Foi meu destino viver
no passado e no futuro
e eu tive de aprender
a te seguir com apuro!

 

8311680670?profile=RESIZE_710x

 

 

Em silêncio te amando,
reprimindo o coração,
paciente te aguardando
que tu me desses a mão!


Pelo poço eu retornava
jurando não mais voltar;
no entanto logo voltava,
eu tinha que te ajudar!

Pois havia uma missão,
Inuyasha meu amor,
foi a ti que eu dei a mão
mas tu me causaste dor!

Pois ao teu lado eu lutei
tratada com indiferença;
mas mesmo assim eu te amei,
sem esperar recompensa!

 

8311690500?profile=RESIZE_710x

 

E mesmo assim com ardor
eu quero meu "hanyou"
mas ele dá seu amor
àquela que o flechou

e que é uma morta viva,
uma zumbi tão cruel,
a fantasma rediviva
com a alma cheia de fel!

Amar a quem não nos ama,
destino incompreensível;
guardo no peito esta chama,
vivo um dilema terrível!

Inuyasha, até quando
entre a viva e entre a morta
tu ficarás derivando
nesta situação torta?

Kikyou não quer teu bem
mas só te atormentar;
e já é morta, também!
Quando tu irás acordar?

Tu não vês que eu deixei
até à minha família?
Por ti eu renunciei
ao que era a minha trilha?

E tais perigos eu passo
só por te acompanhar
vivendo neste compasso
e tu não sabes me amar?

 


8311673271?profile=RESIZE_710x

8311707856?profile=RESIZE_400x

Imagens: 1) Kagome Igurashi e sua flecha mística purificadora; 2) Kikyou, antes uma arqueira e sacerdotisa, agora um fantasma com corpo artificial de barro para poder se mover na Terra, carregada de ódio e rancor; 3) o triângulo amoroso: Inuyasha dividido entre o coração puro de Kagome e o espíito vingativo de Kikyou, a quem ele amou no passado; 4) a turma de aventureiros no Japão feudal: Inuyasha, o hanyou (mestiço de youkai e humano); Kagome, que veio do futuro (nosso tempo); Miroku, o monge, Sango, a guerreira, e Shippou, o pequeno youkai-raposa órfão; 5) Inuyasha e Kagome: o amor haverá de vencer. "Inuyasha" é uma série em mangás e animês criada e desenvolvida pela mangaká Rumiko Takahashi.

Saiba mais…

Destino manifesto

Destino manifesto


O meu destino eu não nego
com Tóquio na minha frente:
a minha vida eu entrego
pelo bem de toda gente!

Destino incompreensível
mas que eu tive de abraçar:
uma garota sensível
guiada pelo luar!

Com Luna, minha gatinha,
não sinto medo nenhum:
por mais que eu fosse bobinha...
agora sou Sailor Moon!

Rio de Janeiro, 7 de novembro de 2020.

Nota: Usagi Tsukino ou, pela versão americana, Serena Tsukino, ou seja, a Sailor Moon, a Guerreira do Amor e da Justiça, e Princesa da Lua Branca, foi criada em 1991 pela desenhista japonesa Naoko Takeushi. Esta poesia foi inspirada na imagem majestosa de Sailor Moon diante da Torre de Tóquio iluminada à noite.8278044255?profile=RESIZE_584x

Saiba mais…

PREVENIDA

Não abro mão do meu feminino

por uma vida de infelicidade;

 

8209258688?profile=RESIZE_400x

você não vai me enganar, menino,

pra longe de mim com a sua maldade!

 

 

 

(homenagem às mulheres e garotas que sabem dizer NÂO aos aproveitadores)

 

 

imagem pinterest

Saiba mais…

O salvador

8113796692?profile=RESIZE_400x

 



            Amarrada a uma árvore, conforme exigia o protocolo, a linda Princesa Ruth assistia, angustiada, ao combate feroz entre o terrível dragão cuspidor de fogo e o cavaleiro andante com sua espada, armadura, escudo e corcel. O paladino pedira a mão da jovem ao rei, e enfrentava a necessária prova lutando contra o dragão que aterrorizava o reino.
            Após alguns minutos de combate furioso o cavaleiro levou a pior e, perdida toda a coragem inicial, junto com elmo, espada e escudo, bateu em retirada ignominiosamente, abandonando a princesa à própria sorte.
            Os guardas do rei, espantados com o desfecho (ninguém esperava que o paladino do reino perdesse a parada) ainda tentaram atacar o dragão com suas lanças, mas foram levados de roldão pela cauda do bicho e dispersados pelas suas chamas, e também montaram em seus cavalos e fugiram. Amordaçada, a princesinha não podia nem gritar, mas arfava de comoção.
            Depois que o homem e seu cavalo e também a escolta real sumiram o dragão voltou-se para a jovem e, cuidadosamente, cortou com os dentes as cordas que a prendiam. Com as mãos livres, Ruth retirou a mordaça e jogou-a ao chão. A princesa então abraçou-se carinhosamente ao pescoção do monstro e murmurou:
            — Oh, meu querido dragãozinho, meu herói! Você me salvou do terrível destino que meu pai quis impor: casar-me com aquele estafermo! Agora você e eu podemos partir pelo mundo, em busca de aventuras.
            O réptil se agachou, ela montou nele e lá se foram ambos pelos ares, felizes da vida...
 
(Rio de Janeiro, 30 de julho de 2008, acréscimo em 24 de agosto de 2020)

8113803653?profile=RESIZE_400x

 

imagens da internet

 

 

Saiba mais…

Doutor Mexilhão, hipnotizador

DOUTOR MEXILHÃO, HIPNOTIZADOR

Miguel Carqueija

 

— Doutor Mexilhão, eu soube que o senhor é o melhor hipnotizador da cidade, isso é verdade?

— Creio que sim — disse o Doutor Mexilhão. Remexendo sua barbaça. — Se a cidade fica no mundo, então sou eu mesmo.

— Preciso urgentemente que o senhor me hipnotize, para que eu recupere a minha memória.

— Como assim? O senhor sofre de amnésia?

— Não é bem isso. Minha memória está boa, mas tem uma coisa importantíssima que eu não consigo lembrar.

— Bem, seu Gustavo, o que seria?

— Preciso lembrar onde foi que o papai guardou o testamento. Ele acaba de morrer e ninguém sabe onde está. E eu sei que ele destinou a maior parte dos bens a mim.

— Como é que o senhor tem tanta certeza disso?

— Porque eu era o filho favorito. O favorito! — gritou Gustavo, exaltando-se de repente. — Aqueles meus irmãos malandros não merecem um palito!

— Está bem. — Mexilhão pegou sua charuteira, tirou um charuto, cheirou-o e perguntou: — Aceita um charuto?

— Bem, não, obrigado. Mas o senhor consegue, Dr. Mexilhão?

— O senhor não tem nenhuma ideia?

— Sei que está na velha casa de papai, um triplex onde ele insistia em morar sozinho depois que a mamãe se foi. Mas eu já revistei tudo por lá e não encontrei!

— Será que alguém não tirou?

— Não, não pode ser! Eu lembro que ele tinha um esconderijo secreto, ele me mostrou uma vez, mas já lá se vão uns 15 anos e eu não consigo me lembrar! Saiu da minha memória!

— Está bem. Não precisa dizer mais nada. Vou hipnotizá-lo, mas aviso que eu cobro adiantado pelos meus serviços!

— Mas como? E se não der resultado?

— Vamos encarar isso de outro ângulo. E se o testamento não favorecer ao senhor? E se o senhor alegar que não tem dinheiro para me pagar?

— Não acho isso justo! Se a hipnose não der resultado o senhor me devolve o dinheiro?

— Já vi que o senhor é duro na queda. Está bem, vamos fazer de forma regulamentar: um contrato de serviço! O senhor paga um sinal de 50 por cento...

— Pois muito bem! Faça constar no contrato que se não der certo o senhor me devolverá também o sinal!

.....................

 

Caía a tarde e chovia quando Gustavo Amador dirigiu-se ao triplex vazio na Lapa. Seus olhos estavam com expressão de peixe morto e seus movimentos eram bastante mecânicos; assim mesmo ele não hesitava.

E com ele estava o Dr. Mexilhão, como parte do contrato. Afinal, como argumentou o médico, “nessa base de desconfiança mútua o senhor pode muito bem encontrar o testamento e falar que não encontrou. Para que eu tenha que lhe devolver o dinheiro”.

Gustavo acendeu a luz da entrada e apontou para a escada:

— Vamos subir — falou, com a voz do robô de “Perdidos no espaço”.

— Já sabe então onde está o documento?

— Vamos subir — repetiu o outro.

Foram subindo e acabaram chegando ao sótão. Lá estava tudo revirado, pois todo mundo já havia procurado, mas a um canto, perto de jornais velhos e sujos, baús enferrujados e poltronas quebradas, achava-se uma velha picareta. Gustavo foi direto a ela.

— Por isso ninguém acha: está cimentado. A picareta é para descobri-lo.

Pôs-se a picaretar o cimento, conforme afirmou, no ponto exato. Com muita dificuldade abriu um buraco e de lá afinal retirou uma pasta de couro.

— Aqui está! O testamento de meu pai está aqui!

— Tem certeza?

— Ora, dê uma olhadinha!

— Está bem. Já pode me pagar o resto, caro senhor.

— Quem é o senhor? Como entrou aqui?

— Como assim? Eu sou o Dr. Mexilhão, é claro!

— Ninguém pode entrar aqui, ninguém pode saber, papai não vai gostar de saber que um estranho entrou...

— Mas do que você está falando?

— Ninguém pode saber, meus irmãos não podem saber... papai me fez jurar segredo... é preciso silenciar o intruso.

Dizendo isso, ergueu a picareta.

E só então o psiquiatra se lembrou que seu cliente ainda estava hipnotizado.

 

Rio de Janeiro, 18 de novembro de 2018 a 7 de janeiro de 2019.

 

 8005584479?profile=RESIZE_400x

imagem pinterest

Saiba mais…

MENSAGEIRA

MENSAGEIRA


7902655895?profile=RESIZE_400x

 

Está em chamas a nossa Terra
e só quem não quer é que não vê;
querida Greta Thunberg, a sua guerra
é santa e eu estou rezando por você!




imagem pinterest
legenda da imagem: "Você pode me ouvir?"

Saiba mais…

O homem mais solitário do mundo

O HOMEM MAIS SOLITÁRIO DO MUNDO

Miguel Carqueija

 

 

 

7893176090?profile=RESIZE_710x

 

 

INTRODUÇÃO

PERANTE SI MESMO

 

O relógio carrilhão bate a meia-noite na mansão de Charley Rockford III em Luna City.

Alisando o roupão vermelho-tijolo um homem velho, enrugado, observa o relógio na parede e escuta o som musical das doze horas. Na sua mão direita, uma taça de vinho.

As lembranças de toda uma vida povoam o pensamento de Charley. Ele crê que dezenas de milhares de pessoas, no mínimo, passaram de alguma forma pela sua existência; todavia, pode-se dizer que nenhuma ficou. Certamente, os criados, que permanecem no andar de baixo, não lhe são realmente companhia. E cachorros ele já não tem há anos.

Por que terminara desse jeito?

Charley sai do corredor e retorna ao quarto, uma ampla suíte. É o dia do seu aniversário, mas há muitos anos ele deixou de comemorar e ninguém mais se lembra; os criados sequer sabem.

Ele se aproxima de um amplo espelho na saleta anexa. Às vezes ainda se surpreende com a própria sobrevivência; parentes, amigos e colegas se foram na noite do tempo e ele tem dificuldade em se interessar por novos conhecimentos. A humanidade hoje lhe causa tédio.

A imagem do espelho é implacável. Rugas, cabelos brancos, expressão dura. Onde foi parar aquela passada alegria de farras e comemorações?

O que o tempo fez com Charley Rockforf III?

CAPÍTULO 1

VISITANTE

 

Charley nunca se casou e sempre beirou uma leve misoginia. Não tem filhos, descendentes diretos. Não fez testamento. Por vezes fica imaginando a guerra que haverá na família, entre parentes que em sua maioria sequer o conhecem, na disputa pela fortuna deixada. Inevitavelmente haverá acirrado litígio na Justiça. A rigor Charley não quer isso, não desejou isso, mas o seu isolacionismo o inibiu sempre de tomar qualquer iniciativa em que estivesse admitindo a sua própria mortalidade.

Seus próprios advogados insistiram diversas vezes para que fizesse o testamento. Charley nem saberia explicar direito porque não o fez.

Afastou-se finalmente do espelho e se dirigiu à varanda. De lá observou a avenida, dezenas de metros abaixo. Apesar do adiantado da hora havia luzes feéricas e trânsito relativamente intenso.As grandes cidades já não sossegavam nessa era moderna. Charley não compreendia esse frenesim mas, mesmo solitário e recluso, ele não se sentia em paz.

Como um canto de sereia, o abismo começava a chamá-lo. Por que, pensou, não acabar com tudo, se nada havia a esperar dos anos que lhe restavam?

Mas e o outro lado? Sempre tivera medo da morte.

Há certas coisas que são como voragens, atraindo contra a nossa vontade. Por bem uns quinze minutos Charley permaneceu ali, pensando mesmo que, se um dia tivesse um derrame cerebral e ficasse reduzido a uma cadeira de rodas, nem esse gesto extremo poderia tentar.

Subitamente o telefone interno tocou.

Estupefato, o milionário caminhou de volta aos seus aposentos, aborrecido. O que poderia ter levado algum dos empregados a incomodá-lo? Se fosse alguma coisa fútil estava pronto a passar uma descompostura.

Pegou o fone e falou rispidamente:

— O que foi? Não quero ser incomodado!

— Senhor — a voz cavernosa de Orace se fez ouvir — está aqui a sua neta.

— O que???

— Perdão, sobrinha-neta. Já confirmamos que ela é mesmo sua sobrinha Alice, é uma criança, senhor...

— E o que eu tenho com isso? Nem me lembro direito dela! Acho que só a vi quando era bebê. Cadê os pais dela?

— Não estão aqui. Ela veio sozinha.

— Eles nem moram por aqui! Moram na Irlanda! Como ela chegou aqui?

— Vovô — intrometeu-se uma vozinha infantil — você tem que me deixar entrar, preciso da sua ajuda.

— Espere, menina... — ia dizendo o mordomo.

— Perguntei como ela chegou aqui!

— Senhor, nós não sabemos. Mas ela está com fome e frio e sem sapatos.

— Manda ela subir. Deixarei a porta aberta — disse Charley numa súbita decisão.

Realmente a noite era fria e era quase incompreensível que uma criança se visse lá fora, naquelas condições e sozinha.

Pouco depois batiam na porta.

— Abra! Falei que a porta está aberta!

Nem lhe passara pela cabeça que uma criança talvez não tivesse força para abrir a pesada porta, ou altura para alcançar a maçaneta. Mas o mordomo, pensando nisso, viera junto e abriu a porta.

Charley se aproximou e mal olhou para a assustada garota.

— Ela trouxe alguma bagagem?

— Só essa pequena mochila, senhor — e Orace estendeu o objeto.

— Está bem. Vou falar com ela. Pode encostar a porta e ir.

— Muito bem, senhor. Entre, menina.

Ela olhou para Orace, sorriu e falou um agradecimento simples e doce: “Obrigada!”, num murmúrio, e entrou.

Charley não tinha muita experiência em lidar com crianças. A garota aparentava uns oito anos, vestia saia e blusa rosas, tinha um pequeno chapéu marrom já sujo, uma franja de cabelos castanhos na testa.

— Sente-se ali — ordenou Charley.

— Sim, vovô — e ela correu para o sofá indicado. O milionário puxou uma poltrona e sentou-se em frente à guria.

— Onde estão seus sapatos? — indagou em tom severo.

— Eu os perdi. Eles gastaram, andei muito a pé.

— Você fugiu de casa. Como chegou até aqui?

— Vovô, eu não fugi. Fui mandada embora. Meus pais não me querem mais.

— Como assim? Eles têm que querer.

— Não querem. Eles se separaram, mamãe arranjou outro homem e papai arranjou outra mulher. E os novos não me querem. Deixaram isso bem claro.

— A Carolyn, como mãe, tem em geral o direito de ficar com você, em caso de separação.

— Mas o homem que ela arrumou já tem filhos mais velhos e disse na minha cara que não me aceita. Mamãe tentou me empurrar para papai, mas ele...

— Chega! Quem tem que decidir isso é o juiz!

— Vovô, eu não entendo isso e não me levaram a juiz nenhum!

Charley pôs-se a andar em círculos, irritado. De súbito deu-se conta da seguinte relação: se ele tivesse se atirado, atendendo ao canto da sereia do suicídio... o que seria da menina?

— E por que os seus pais não se comunicaram comigo?

— Mamãe me pôs num avião para cá. E mandou uma carta para você.

Ela entregou um envelope amassado que tirou do bolso. Isso explicava a presença da garota na cidade-base para expedições britânicas à Lua. Charley estava zangadíssimo com a sobrinha.Ela devia estar muito constrangida para recorrer a um meio de comunicação tão primitivo como a carta, em vez de visofonar ou internetar. Também estava irritado com o cretino do marido dela.

— Dê aqui.

Charley sentou e abriu o envelope. Não havia muito para ler.

“Tio,

Por favor fique com a Alice. Estou me separando do Edward, ele está se unindo a outra mulher que já tem filhos. Meu novo marido também tem e não há mais espaço para a menina. Sei que o senhor tem condições de criá-la. Basta contratar babá e preceptora. Ela chega de avião dia 21, pela manhã. Já é tempo de o senhor fazer alguma coisa por ela. Obrigada.”

— Bem... mas ela não me avisou que você chegaria!

— Ela disse que ia mandar uma mensagem pela internet...

Charley pensou em seu correio, que às vezes levava uma semana para verificar.

 — Entendo. Ainda não atualizei... Mas então o que você fez para chegar aqui?

— Eu não tinha dinheiro. Papai não veio se despedir de mim e mamãe disse simplesmente que criança não anda com dinheiro. Como não tinha ninguém me esperando fui perguntando sua direção e vim a pé. O senhor é muito conhecido!

— Mas a distância é tão longa e está frio!

— Estou morrendo de frio — lamentou-se a menina, olhando os pés azuis de frio.

— E o que você comeu?

— O lanche do avião e a merenda que mamãe me deu. Mas isso já faz muitas horas. Meus sapatos eram abertos e romperam pelo caminho...

A criança pôs-se a chorar de forma comovente.

Charley ergueu-se e pôs-se a caminhar pelo aposento, realmente chocado. Era um homem frio e calculista, mas o drama daquela menina e a crueldade dos pais o haviam chocado e irritado.

Havia três coisas imediatas a fazer pela menina: alimentos, roupas e calçados.

Nesse ponto ele se lembrou de que uma das suas camareiras tinha uma filha pequena, que ele nem sabia o nome. Não moravam na mansão, pois Charley não queria saber de crianças ou de animais domésticos. Assim, ligou para o mordomo e convocou-o. Ordenou que trouxesse um sanduíche de qualquer coisa para a menina.

Orace parecia preocupado e com sono, mas Charley sabia que por enquanto não havia condição de dar abrigo à pequena e foi logo dizendo:

— Você tem o endereço da Emily, não tem?

— Sim, senhor, não é longe daqui...

— Prepare o nosso carro. Iremos na casa dela, você e eu.

Orace pareceu levar um choque.

— Mas senhor, a essa hora?

— Você também me trouxe um problema em hora tardia, portanto...

Foi interrompido por soluços. Jogada no sofá, já tendo comido o sanduíche de queijo, Alice tremia e soluçava. Charley aproximou-se dela.

— Por que está chorando?

O tom autoritário não pareceu produzir bom efeito no ânimo da menina.

— Você não me quer, eu sou um empecilho — disse ela, com a voz entrecortada.

Sem saber direito como agir o milionário pôs a mão nos cabelos da guria que, admirada, olhou para ele. Charley deu um de seus raros sorrisos.

— Não diga isso. Essa minha empregada tem uma filha da sua idade. Vamos lá pedir emprestada alguma muda de roupa e algum calçado, pois é muito tarde para ir em alguma loja. Faremos isso amanhã.

— Vovô, vai me comprar roupas?

O sorriso de Charley desapareceu.

Acha mesmo que um homem como eu vai hospedar uma sobrinha-neta e deixá-la ficar esmulambada na minha casa? Quem é que você pensa que eu sou?

Pela primeira vez Alice sorriu, com alegria e esperança. Charley voltou a falar de forma ríspida, mas o significado por trás das palavras não escapara à garota.

— Você vai com Orace então... eu vou ficar aqui?

— Claro que não. Você vem junto, senão vai ficar mais assustada ainda!

— Oh, vovô! Muito obrigada!

 

CAPÍTULO 2

NOITE

 

Charley pensara em mandar Orace sozinho cumprir a tarefa, mas logo concluíra que isso não seria certo. Aquele problema ele teria de resolver pessoalmente. Orace apenas acompanharia como motorista.

Charley trocou de roupa com a rapidez que pôde; ele nunca pedia ajuda e continuava bastante lépido. Voltou ao salão, onde a menina e o mordomo aguardavam.

— Está pronto, Orace?

— Perfeitamente, senhor! Já mandei aprontarem o carro.

— Vovô, eu queria ir no banheiro!

— Por que não falou antes? É naquele corredor ali! Seja rápida!

— Eu serei, vovô!

Ela correu e Charley sentou num dos sofás. Não convidou o mordomo-chofer a fazer o mesmo e este permaneceu de pé.

— Quando eu puder falar com a minha sobrinha... ela vai me escutar. E o sem-vergonha do marido idem.

A garota reapareceu, olhando o milionário com expressão de incerteza.

— Está pronta agora?

— Agora estou.

— Então vamos! Já perdemos muito tempo!

Desceram no elevador que levava à garagem. Charley, metódico como era, lembrou a Orace:

— Avise alguns dos seus colegas que nós estamos saindo. Basta falar com um para avisar os outros.

— Avisarei a Maria, senhor.

Orace bipou para a supracitada. Preenchido esse detalhe, caminharam até o carro.

Charley notou que os pequenos pés desnudos de Alice pisavam a friagem daquele cimento. O chão devia estar gelado, mas ela não se queixava. Não havia nada a fazer. Charley não tinha calçados infantis em casa, teria de obtê-los em seu destino (desprovido de sentimentos carinhosos nem lhe ocorreu carregar a menina até o veículo ou ordenar a Orace que fizesse isso).

A menina acomodou-se ao seu lado, no banco de trás. Orace deu a partida no carro elétrico Thunberg e então Charley, olhando distraidamente a sobrinha-neta, deparou com os seus olhos fixos nele.

— Que está olhando?

— Eu... estou querendo te conhecer melhor, vovô. Já que vou morar com você...

— Quem lhe pôs na cabeça que você vai morar comigo?

— Eu... onde mais poderia morar, vovô? Não quero ir para um orfanato!

Charley sentiu-se estremecer. Orfanato? Com pai e mãe vivos, tio-avô vivo e multimilionário? A Justiça não iria permitir. E para ele seria uma vergonha.

— Você não irá para um orfanato — disse ele, secamente.

— Obrigada, vovô. Eu sei que vou gostar de morar aqui!

Ela encolheu-se junto a ele.

— O que há?

— Estou com frio, vovô.

Atrás do banco havia uma lona, e Charley puxou-a.

— Pegue. Cubra-se com isso.

— Oh, obrigada, vovô! — e a menina sorriu, já mais animada.

Ela se enrolou toda na lona, os pés inclusive. Charley achou que devia ter-lhe ordenado que tomasse um banho, mas que adiantaria sem mudas de roupas?

— Vovô — observou timidamente Alice — a pessoa que nós vamos ver, será que está acordada?

Ele nem pensara nisso.

— Orace, encoste ali e telefone para a Emily. VOCÊ devia ter pensado nisso antes.

— Senhor, é perigoso estacionar por aqui a essa hora.

— Tolice! Eu estou armado e o carro é blindado. Vamos logo.

O diálogo de Orace com Emily não foi fácil. Emily parecia não estar acreditando e Orace limitou-se a dizer que era uma emergência e que o Sr. Charley Rockford em pessoa estava seguindo para lá.

— Mas o que foi que eu fiz de errado?

— Nada, absolutamente nada. O motivo é outro mas nós não podemos demorar, Emily. Por favor esteja a postos que em cinco minutos nós chegamos.

— Está bem. Meu Deus!

Seguiram viagem. Charley afagou sua bengala, que na verdade era um artigo de elegância. Não precisava dela de fato.

— Vocês assalariados parece que vivem com a consciência pesada...

Ouviu-se um riso cristalino. Era a menina que ria. Charley olhou para ela:

— Do que você está rindo?

— Ora, de você, vovô, e do Orace.

— O Orace não tem nada de engraçado e eu muito menos. Não fique se apegando a mim porque eu sou um homem mau!

— Que nada, vovô, você não é nada mau, você é muito bom!

Ela repousou a cabeça no braço de Charley.

O ricaço tentou pensar em outras coisas; desagradava-lhe o sentimentalismo.

Ao chegarem, pensou em como aquela casa era modesta em comparação com a sua. Mas não eram pessoas pobres. Contudo, pelo jeito não tinham um único robô auxiliar dos serviços doméstivos.

Demoraram quinze minutos mas trouxeram a menina. Pamela desceu vestida com pantalonas de rua. Certamente os pais haviam preferido assim, a que ela descesse em pijama ou camisola.

Imediatamente Alice se levantou e foi ao seu encontro. Diante da indiferença de Charley e, claro, de Orace, Emily apresentou as duas.

— Pamela, esta é a Alice. Cumprimente-a.

— Oi, como vai?

— Oi, Pamela.

Trocaram beijos e Pamela pegou a mão de Alice:

— Olha, nós separamos umas roupas...

— Pamela, um instante, venha cá. Só um instante, Alice, pode ficar aí.

Emily pegou Pamela pelo braço e a levou para apresentar a Charley e Orace, pois a menina nem os conhecia. Eles a cumprimentaram formalmente, embora o milionário no fundo achasse que devia ser mais gentil. Ele tinha, porém, grande dificuldade em sorrir.

— Agora, Pamela, pegue a sua amiguinha e leve-a lá para cima.

Pamela tornou a pegar a mão de Alice:

— Nós vamos ser amigas, não vamos?

— Vamos, é claro!

— Vem comigo. Separamos umas roupas, você toma banho no meu banheiro e depois escolhe as roupas, eu vou te ajudar, OK?

— OK, puxa, obrigada...

— Vamos que está frio e você está descalça. Vou lhe dar meias e chinelos.

— Até já, vovô, Orace... — Alice acenou e subiu a escada puxada pela outra garota.

 

EPÍLOGO

ALVORADA

 

Constrangido, rígido, Charley sentou-se e ficou de cara fechada. Emily, porém, ainda de pé, falou:

— Esta sua neta é uma gracinha, senhor. Ela vai se desinibir rapidamente.

— Tudo o que eu quero — e Charley escandiu as palavras — é dar a ela um tratamento digno, como é minha responsabilidade de tio-avô.

— Perdão, senhor — interveio o marido de Emily — mas ela precisa de amor também. Se me permite, ela precisa ter alguém para brincar. Como eu e Emily brincamos com Pamela, passeamos com ela...

— Contratarei uma babá. Eu não tenho mais idade para cuidar de crianças.

— O senhor está em ótima forma — atreveu-se a dizer Emily. — Tem muito homem com a metade da sua idade sem a sua disposição.

— Você acha mesmo? Pode me dar um exemplo sequer?

— Se me permite, senhor... podemos começar com o pai da menina.

— Mas você não conhece...

— Pessoalmente não, mas um pai que não tem disposição para cuidar da filha...

— Querida, basta por ora — disse Robson. — O Senhor Charley deve estar aborrecido e cansado. Vamos servir-lhe um café.

— Sim, Robson, me desculpe... você também está convidado, Orace.

— Para mim basta um cafezinho para espantar o sono — respondeu Orace.

Charley estava bastante incomodado. Não apreciava intimidades com pessoas subalternas, não se lembrava de ter visitado nenhuma, e tudo por causa de Alice. No entanto, o bom senso que ainda tinha lhe dizia que devia convidar Pamela a ir sempre na mansão, brincar com Alice. Não podia proibir uma criança de brincar, desde que ele próprio não tivesse que brincar com ela.

E como as duas pequenas estavam demorando! Foi preciso aceitar o café e as bolachas com mel, não estavam ruins e ele, tresnoitado, já sentia fome. Mas depois que tudo foi recolhido ele não se conteve:

— Não podem apressar as meninas?

— Vou lá ajudar — apressou-se a dizer Emily.

Ela efetivamente moveu-se depressa para a escada, mas as meninas já desciam — de mãos dadas, Alice irreconhecível.

Usava sapatos afivelados e uma calça comprida de brim, além de um casaquinho marrom, sobre uma camiseta amarela. Estava felicíssima.

Charley se ergueu e Alice correu até ele.

— Que tal estou, vovô?

— Está muito bem. Você fez um bom trabalho — e na segunda frase Charley se dirigiu a Pamela. Esta fez uma pequena mesura, sorridente.

Também os pais de Pamela elogiaram, e esta ergueu uma cesta.

— Aqui estão outras roupas que eu dei a ela.

— Eu posso continuar vendo a Pamela, não posso, vovô?

— É claro que sim. Vou tentar matricular você na mesma escola e turma que ela.

Emily e até Robson arregalaram os olhos, sem acreditar no que ouviam. O milionário estava seguro de si. Sabia o poder que detinha em suas mãos: o poder do dinheiro.

— Orace, que está esperando? Pegue essa cesta. E nós já vamos embora. Já tomamos muito o tempo de vocês.

— Pamela pode me visitar? E eu poderei visitá-la? — insistiu Alice, que obviamente não achava suficiente ter a outra menina como colega de turma.

— Só se houver quem leve e traga. Emily, quando não houver escola pode levar sua filha no trabalho.

Robson e Emily se desmancharam em agradecimentos, mas Charley estava apenas sendo pragmático. Afinal ele não tinha tempo para crianças e nem paciência.

Ou achava que não tinha.

Ao se retirarem Alice ia agarradinha ao braço do tio. Chegando junto ao carro ela soltou-se apenas para se despedir de sua nova amiguinha e seus pais.

Entraram no carro. O impassível Orace deu a partida. Charley lembrou-se rapidamente do tempo em que atuara na Lua, supervisionando altos negócios de mineração nas crateras. Lembrou-se de concorrentes que ele esmagara. Lembrou-se de toda a sua rispidez, seu temperamento anti-social e, numa lembrança mais distante e fugidia, seu tempo de rapaz, quando ele ainda não era ISSO em que se tornara.

A garota, orgulhosa por suas novas roupas, repousava o rosto no braço de Charley.

— Estou tão feliz, vovô! E você é tão bom!

Charley pensou em dar uma resposta brusca à pequena. Não, ele não era bom coisíssima alguma. Era mau, ganancioso, egoísta, afastado de Deus, impiedoso, estivera prestes a se matar...

Mas ao se voltar para dar uma resposta áspera enxergou os grandes olhos azuis da menina, que o olhavam com todo o poder da inocência.

— Está bem, minha filha. Mas o vovô está muito cansado. Depois que você dormir eu vou fazer o mesmo. E amanhã iremos nas lojas.

A menina parecia nas nuvens de tão feliz.

Começava a raiar a alvorada.

E o carro seguiu varando a noite, em direção à residência do ricaço que havia sido o homem mais solitário do mundo.

 

Rio de Janeiro, 17 de setembro de 2019 a 27 de fevereiro de 2020.

imagens pixabay e pinterest

 

 

 

7893212276?profile=RESIZE_400x

 

Saiba mais…

PRINCESA AURORA

PRINCESA AURORA
Miguel Carqueija

Quem é essa garota
que entoa bela canção?
Quem é essa garota
que anda de pés no chão?

Ela nem sabe quem é,
pensa chamar-se Rosa;
no amor tem grande fé,
e passeia toda prosa.

Os bichinhos do bosque a amam
e com ela confraternizam:
com gorjeios e trinados a chamam
quando seus pés por ali pisam.

Quem é essa mulher
elegante mais terrível?
Quem é essa mulher
com seu séquito horrível?

É o mal que está à espreita
mas a Princesa Aurora
triunfará desta feita
sem saber de nada embora.

O Céu protege a criança
pelo poder das fadinhas,
arautos da esperança,
que a criaram sozinhas.

A bruxa lançou, malvada,
a profecia da morte,
mas princesa tão amada
terá enfim melhor sorte.

É de Felipe o amor
que um dia a salvará;
e por ele com fervor
seu coração baterá.

Do local secreto a roca
sua vítima aguardava
e quando ela a agulha toca
sem escutar que a chamava

a fada já com aflição,
cai em sono tão profundo,
o sono da maldição,
como outro não há no mundo!

E só um beijo de amor
a poderá despertar;
e Felipe com louvor
irá por ela lutar.

No seu caminho porém
está a escuridão:
o Mal que se opõe ao Bem,
o mais terrível dragão.

Porém nada irá deter
um cavaleiro audaz
e ele enfim irá vencer
a adversária minaz.

E a bruxa transformada
no dragão horripilante
ao abismo é lançada,
é cadáver nesse instante.

E no castelo chegando
pelas fadinhas guiado
ele vai se aproximando
daquele ser tão amado.

E o seu beijo desperta
num sorriso angelical
Aurora, que já liberta
da influência do Mal,

tem seu Príncipe Encantado
pra sempre unido com ela;
Felipe, és meu amado,
e eu serei a tua Bela,

mas não mais adormecida,
agora estou acordada,
estou desperta pra vida,
tendo a você, meu amor,
amando-me com fervor,
eu já não quero mais nada!


Rio de Janeiro, 20/11/2014 e 7/8/2020.



A Princesa Aurora é a personagem central da animação "Sleeping Beauty" (A Bela Adormecida), de Walt Disney (EUA, 1958), uma obra-prima do cinema. Walt Disney e sua genial equipe basearam-se na versão de Charles Perrault deste famoso conto de fadas.

Saiba mais…

Final dos Tempos

FINAL DOS TEMPOS

Miguel Carqueija

 

As profecias chegando

trazendo destruição,

castigo pela maldade,

um grande basta ao pecado!

As guerras ameaçando,

Medjugorje alertando!

Vomita enxofre o vulcão,

fende-se a Terra num sismo,

percorre o mundo o pavor,

geme a mata em combustão;

e em novo cataclismo

chega a onda de calor!

E com terrível fragor

desprende-se o iceberg;

com o tempo se esgotando

já começa a extinção,

irrompe a calamidade,

Armageddom deflagrado!

E em meio a todo este horror...

o olhar de Greta Thunberg!

 3838138024?profile=RESIZE_710x

 

3838139035?profile=RESIZE_710x

 

 

 

 

Saiba mais…

GRETA THUNBERG


GRETA THUNBERG

Abençoai a criança

que protege a natureza;


ela traz a esperança

de um mundo com mais beleza!

3774921047?profile=RESIZE_710x



"Vocês roubaram os meus sonhos e infância. Estamos no início de uma extinção em massa, e a única coisa que vocês falam é sobre dinheiro e o conto de fadas de crescimento econômico eterno. Como se atrevem?..."

(Greta Thunberg)


Saiba mais…

Inezita Barroso em DVD

3678488984?profile=RESIZE_710xINEZITA BARROSO EM DVD

Miguel Carqueija

 

Resenha do DVD musical “Inezita Barroso: cabocla eu sou”. Fundação Padre Anchieta. Centro Paulista de Rádio e TV Educativas. DVD duplo. Disco 1: “Ao vivo em São Paulo” (especial do programa da TV Cultura “Viloa, minha viola”, com acompanhamento da Orquestra Fervorosa. DVD 2: “Seis décadas musicais” com números filmados entre 1951 e 2012.

 

Em seus últimos anos a grande Inezita mantinha na TV Cultura um programa de música “raiz”, como chamam, e eu o assistia assiduamente. Este DVD mostra um especial completo do “Viola, minha viola” e no disco 2, muitas filmagens de apresentações diversas, as duas primeiras em filmes, “Angela”, de 1951 (com a canção “Quem é”, de Marcelo Tupinambá) e “Mulher de verdade”, de 1954 (“Juízo Final”, de Paulo Vanzolini).

Assistimos interpretações de músicas como “Engenho Novo” (Haekel Tavares), “Flor do cafezal” (Luís Carlos Paraná), “Ronda” (Paulo Vanzolini), “Lampião de gás” (Zica Berganei), “O batateiro” (idem), “Cana verde” (folclore), “Romaria” (Renato Teixeira, participação do próprio), “Cais do porto” (Capiba). “Moda da pinga” (folclore) etc.

Também comparecem Chitãozinho e Xororó, e Daniel.

É um DVD que dá gosto assistir, repleto de brasilidade, e contribui para perpetuar a notável arte da saudosa Inezita Barroso.

 

Rio de Janeiro, 23 de julho de 2019.

Saiba mais…

Canaan Cordel

CANAAN CORDEL

Miguel Carqueija

 

Bem cedo compreendi

que não passo de uma pária,

já criança eu aprendi

a ser uma mercenária!

 

Nem posso compreender

carregar esta missão

e o nome receber

da Terra da Promissão!

 

Foi Siam quem nos criou

a mim e mais a Alphard,

tudo a nós ele ensinou

mais eu só descobri tarde

 

que ele criava a serpente

que havia de nos trair;

e cozinhava na mente

que iria nos destruir! 

 

Nós tínhamos tatuada

cada qual pela metade

uma serpente enroscada,

esta era a nossa verdade:

 

como irmãs fomos criadas,

duas cobras pela Cobra,

nós não éramos amadas

pois má era a nossa obra!

 

Pois o grupo terrorista

queria o vírus roubar,

e Alphard como artista

planejou nos enganar!

 

Assim Siam descobriu

que a fé que tinha foi vã

em Alphard, que o traiu

restando eu, Canaan!

 

Ao matar nosso mentor

Alphard renunciou

toda decência e amor

e ao puro mal abraçou!

 

Eu tenho sinestesia

e vejo o que ninguém vê;

a visão tem sintonia

como em tela de tevê;

 

com sentidos misturados

vejo até o sentimento;

e assim foram derrotados

oponentes num momento!

 

Mas será que é meu destino

viver só para matar?

Escutar da igreja o sino

sem ter coragem de entrar?

 

A minha vida é tão triste,

uma existência malsã,

que o mundo me aponta em riste

o que é ser Canaan!

 

E eu seguia nesta sina

da morte trilhando a via

quando em manhã cristalina

vim conhecer a Maria!

 

A fotógrafa inocente

não conhecia a maldade;

tão jovem, tão sorridente,

era a face da Verdade!

 

E assim pude lamentar

por ser uma matadora;

levar a vida a lutar,

sina desesperadora!

 

Com Maria eu aprendi

a moderar meu instinto,

por fim eu compreendi

que compaixão também sinto!

 

Mas a ONU promoveu

conferência anti-terror

e Xangai ela escolheu

pra ordem no mundo por;

 

a Cobra porém logrou

o vírus introduzir

e com míssil atacou

para a guerra produzir;

 

Chefes de Estado isolados

sem poder de lá sair

por contágio ameaçados

e o míssil a cair!

 

Com o mundo deslizando

para inevitável guerra

só com meu poder chamando

poderá ser salva a Terra!

 

Com a sinestesia enfim

pude a arma desviar;

a paz não chegou ao fim;

o mundo eu soube salvar!

 

Porém Alphard, eu bem sei,

terei que um dia enfrentar;

a irmã que um dia amei

mas que tentou me matar...

 

Mas aprendi com Maria

a não odiar ninguém;

mesmo Alphard, nesse dia...

ainda quero o seu bem!

 

Ó Deus, me tira o destino

de os inimigos matar;

que eu Vos cantarei um hino

se Alphard eu puder poupar!

 

Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2019.

 

NOTAS

 

“Canaan” (ou por outra grafia ocidental, “Canaã”) é uma mercenária e justiceira, heroína japonesa de mangás e animês. É uma personagem trágica que oscila entre a violência que cerca a sua vida e os bons sentimentos que ela carrega.

 

SINESTESIA

É uma espécie de sentido ou melhor, uma mistura de sentidos, pela qual Canaan tem uma percepção da realidade muito superior a das pessoas comuns; assim ela conseguiu rastrear e desviar o míssil, impedindo-o de cair sobre o prédio onde se realizava a conferência anti-terror e salvando o mundo de uma guerra generalizada. Mas o segredo da operação fez com que o gesto heróico de Canaan permanecesse desconhecido.

 

ALPHARD

 

A grande inimiga de Canaan, embora fosse no início uma espécie de irmã mais velha. Canaan é uma órfã de guerra, uma das muitas guerras que assolam regiões da Ásia. Foi criada por Siam, um misterioso mercenário que já havia treinado Alphard. Ambas foram treinadas como guerrilheiras e mercenárias, sendo extremamente habilidosas no manejo de armas de fogo e na luta corporal. O trio foi contratado para roubar o vírus Ua, utilizado como arma biológica. Entretanto Alphard, que viria a se tornar líder da organização terrorista Cobra, recebeu ordem de eliminar todas as testemunhas, inclusive Siam  e Canaan. Ela efetivamente mata Siam, mas Canaan escapa e, após isso, dedica a sua vida a destruir a Cobra e vingar-se de Alphard. Entretanto, Canaan conhece uma pessoa luminosa, a jovem fotógrafa Oosawa Maria, e a amizade surgida amenizará o caráter de Canaan, que se torna menos fatídica (embora estivesse acostumada a matar seus inimigos). Ao longo da série Canaan e Alphard se combaterão várias vezes, mas até a batalha final Canaan terá de fazer a escolha moral entre a vingança e a justiça.

 

DETALHES TÉCNICOS3632157810?profile=RESIZE_710x

 

“Canaan” (Kanan). Estúdio PAWorks, 2009. Criação de Kinoto Nasu e Takashi Takeuchi com base em seu jogo “428: Shibuya scramble”. Direção: Masahiro Andõ. Produção: Hiroshi Kawamura, Jiro Ishii, Kei Fukura, Kenji Orikawa, Shigeru Saitõ, Yaswhi Õshima. Roteiro: Mari Okada. Música: Hikaru Nanase.

Elenco de dublagem original:

 

Canaan..................................Miyuki Sawashiro

Alphard al Sheya...................Maaya Sakamoto

Oosawa Maria.......................Yoshino Nanjo

Minoru Minorikawa (Mino)...Kenji Hamada

Siam.......................................Akio Õtsuka

Liang Qi..................................Rie Tanaka

Yunyun...................................Haruka Tomatsu

Cummings..............................Toru Okawa

Santana..................................Hiroaki Hirata

Hakko.....................................Mamiko Noto

Yuri Natsume.........................Junko Minagawa

Kenji Oosawa.........................Atsushi Ono

Jin (taxista).............................Joji Nakata

 

 

 

 

 

 

Saiba mais…

A mulher na visão de Balzac

A MULHER NA VISÃO DE BALZAC

Miguel Carqueija

 3548782716?profile=RESIZE_180x180

Resenha do romance “A mulher de 30 anos”, de Honoré de Balzac. Editora martins Claret, São Paulo-SP, 2002. Tradução: Pietro Nassetti. Capa: Cláudio Gianfardori. Título original: “La femme de trente ans”. Coleção “A obra-prima de cada autor”, 8.

 

Romances sociais são habitualmente pesados, mas os de Balzac são atraentes pelo estilo. Contudo eles também mostram personagens em desconstrução. Embora tenha vivido apenas pouco mais de meio século deixou uma obra de volume monumental. A coleção da “Comédia Humana” consta de 137 romances, sendo 50 incompletos e formam como que uma saga com personagens que reaparecem.

“A mulher de 30 anos” consagrou a expressão “balzaqueana”, adjetivo para designar as mulheres que atingem essa faixa etária, e aqui vistas como ainda atraentes, quando naquela época se valorizava a juventude extrema. Todavia Júlia d’Aiglemont já começa em desconstrução, num diálogo com o pai, que enxerga o desastre que se aproxima com o noivado da jovem — então com muito menos de 30. Júlia era noiva de Vitor d’Aiglemont, oficial do exército napoleônico em 1813.

O pai já idoso de Júlia, em tom fatalista, vaticina o triste destino da moça: “Ah! Se pudesses colocar-te a dez anos desta época na vida, farias justiça à minha experiência. Conheço Vitor; sua alegria é uma alegria sem espírito, de caserna, ele não tem talento e e gastador. É um desses homens que o céu criou para tomar e digerir quatro refeições por dia (sic), dormir, amar a primeira que aparecer e bater-se.” (...) Serás vítima ou tirana. Ambas as alternativas trazem soma igual de infelicidade à vida de uma mulher (...)”.

Desnecessário é dizer que Júlia não atenderá aos conselhos paternos e mergulhará na infelicidade.

O que me parece desequilibra o romance é a história paralela da moça que foge com o pirata, algo que parece fora de propósito dentro da obra. Todavia é um livro recomendável e que retrata bem aspectos da condição feminina no século XIX e na França.

 

Rio de Janeiro, 5 de setembro de 2017.

Saiba mais…
CPP