QUANDO NÃO DOI MAIS


  A rua estava calma!

Aquele mesmo tipo de calmaria que os soldados aprendem a reconhecer e saborear quando estão agachados em suas trincheiras a espera do próximo ataque inimigo.
 Uma leve brisa soprava na abafada tarde de verão, uma brisa fraca demais para ser refrescante e vencer o mormaço que a tudo dominava.
A moça avançada devagar pela rua, seu vestido roto de um antigo verde chamativo parecia uma vela de barco enrolada em um bambu, sua magreza era quase atroz o nariz fino e quase pontudo como um bico de ave brotava de um rosto encovado e grave, os olhos de um castanho pálido e inerte pouco luziam La do fundo de suas  orbitas, braços e pernas finos ossudos e compridos como se fossem apêndices secos presos a um tronco sem graciosidade, os seios não eram mais que minúsculos e minguados montículos em seu peito como espinhas indesejadas.
  A boca um mero rasgo horizontal naquele rosto abatido jamais conhecera os lábios de um homem. A sua volta crianças brincavam em sua balburdia infantil correndo e gritando, algumas a vendo passar soltavam piadinhas maldosas que a moça desta vez sequer ouvia.
Um grupo de rapazes a viu passar com cruel interesse como cientistas a vislumbrar uma nova espécie de inseto. A conversa entre eles cessou de imediato enquanto olhavam para ela
- La vai o espantalho – caçoou um deles em voz alta o bastante para que todos ouvissem todos inclusive ela.
Seus companheiros riram da piada, mas se a moça realmente ouviu não deu mostras disto. Continuou calada e seguiu seu caminho.
A mente dela estava longe, viajava no tempo  na única maquina temporal que realmente existe... a memória.
Ela se via pequena na escola, 10 anos a mais franzina e raquítica das crianças a ouvir insultos e ser espancada, sendo segregada. Ser pobre não amenizava o processo, sem boas roupas ou sapatos para ostentar restava ela diante de todos ver se nua de defesas e aguentar.
Aos 14 deixou a escola.
Agora pensava na mãe. Mulher medíocre de ideias e valores a mãe era um calar um resignar para tudo, não a defendera em momento algum da vida, não questionara não vivia! A mãe era sim o verdadeiro espantalho da casa. Cumprindo funções automáticas e esperando o fim.
A mãe jamais tivera lições a ensinar a moça.
Ao contrario do pai. Este sim homem tão enérgico quanto implacável tão forte quanto estúpido o pai Le ensinara uma única lição na vida, e Le bastara.
Ambos estavam na sala de casa vendo TV o pai bebia cerveja e chingava as pessoas na novela, ela a seu lado fitava a tela em mudo tédio.
Sem motivo então o pai pareceu nota La. Pegou em seu pulso com força brutal machucando-a e disse
-filha na vida as coisas não são como queremos, há dores e há decepções e a gente comete erros você esta entendendo? – ele a sacudia enquanto falava e ela espantada apenas assentiu com a cabeça.
- pois bem -  prosseguiu o pai – você nasceu de um engano e tornou-se rapidamente uma inegável decepção.
Dito isto ele voltou novamente toda a sua atenção para a TV.
O pai fora embora de casa quando ela tinha 17 anos, fugira com outra mulher. E a moça não lembrava de ter sentido falta dele.
Caminhando na rua ela na sentia as lagrimas que agora corriam sobre seu rosto, se alguém a sua volta as viu não se importou com isto. Ela seguia sozinha, mas não de todo, com ela ia sua dor.
Toda uma dor excruciante e pesada acumulada em 30 anos de existência.
Todo o medo!
Todos aqueles dias tristes de solidão e abandono, de troças das meninas de sua idade, da indiferença das moças de hoje de asco nos olhares dos rapazes quando a viam.
E da pena!
Toda aquela pena arrogante que ela via no semblante das pessoas que falavam com ela.
Tanta dor! Tanta e tão pesada dor.
Ela seguiu ate a ponte  e subiu no parapeito, La embaixo muito embaixo o rio muito raso nesta época quente e de seca corria entre suas inúmeras pedras.
A moça concedeu um ultimo olhar  as luzes da cidade La longe agora neste fim de tarde. Um ultimo vislumbre deste mundo que não a queria.
E concluiu que só havia dor e gargalhadas na vida. E que a ela coubera apenas fartas doses da primeira e nada da segunda.
Silenciosa ela pulou, caiu rumo às rochas pontiagudas.
Agora não dói mais.

RODRIGO CABRAL

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Comentários

  • Penso que, cada vez mais devemos e precisamos combater com veemência o preconceito sobre tudo ao nosso redor, não devemos permitir que ninguém insulte outro semelhante, nossas ações podem desencadear desgraças.

    Impressionante escrito.

  • Meu Deus! Que duro e triste fim. Sem palavras.

    Aplausos pela obra.

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CPP