Já era perto da meia noite. Estava cansado e dava por terminada a rotina de estudo daquele dia. O vazio da fome assolava meu estômago. Descobrira um único e solitário ovo na quase vazia prateleira da geladeira. Daí a ideia de preparar uma farofa de ovo. Busquei o apoio de meu irmão mais novo para reforçar o pedido à dona da casa, nossa mãe. Sem o seu consentimento não ousaríamos mexer no conteúdo da geladeira. Família grande combinado com poucos recursos financeiros exigia pulso forte de minha mãe no gerenciamento dos suprimentos alimentares da casa. Aprovado o uso do ovo com a participação de meu irmão na partilha da empreitada, restava-nos apenas o preparo da guloseima. De início pretendia comandar a operação de fritura do ovo e posterior preparo da farofa. Meu irmão, embora mais moço, com sua costumeira liderança e autoconfiança, convenceu-me a aceitar tarefa secundária de “peneirador da farinha”. A ele caberia a nobre função de fritar o ovo na caçarola. Num átimo passou de colaborador a protagonista. A farinha que dispúnhamos era de segunda, necessitando “peneiragem” para obtenção de um produto de melhor qualidade. Assim, de costas para o fogão e para o mano que cuidava da fritura do ovo, quedei-me junto à bancada da pia, concentrado em minha tarefa de preparo da farinha, com a natural insalivação, qual uma grávida em momentos de incontrolável desejo. De repente, não mais que de repente, o anúncio do desastre. A incompetência, a inabilidade, a inaptidão, a imperícia e, por fim, o destrambelho do mestre cuca puseram por terra, ou melhor dizendo, no chão da cozinha, sem qualquer possibilidade de resgate, o conteúdo do tão desejado ovo. Fiquei feito um babaca com a peneira na mão numa situação ridícula diante do olhar gozador do outro irmão, espectador privilegiado do desastre ocorrido. Ao final a gozação maior pairou sobre minha figura babaca de vítima. O protagonista do desastre fora a um só tempo vítima e algoz, o que de certa forma o excluiu, em parte, da gozação. Dormi com fome e devo ter sonhado com dúzias de ovos e fartura de farinha de boa qualidade a alimentar minha fome crônica. Ao escrever esta singela história revivo, com muita nostalgia, momentos preciosos de minha vida, já bastante esmaecidos pelas brumas do tempo. F J TÁVORA |
Comentários
Uma história emocionante, Francisco! E eu aqui torcendo para essa farofa
sair a contento dos dois... Veio água na boca! Farofa de ovo quebra mesmo
o galho quando a fome aperta! Um conto que me levou a apreciar a leitura
até o fim, pena que o desfecho não foi o esperado! Grande abraço!