Dia de Sonho

Dia de Sonho

 

 

Aquele dia representava muito para aquela mulher, afinal era a concretização de um dos grandes sonhos da sua vida.

Durante os seus quase sessenta anos já vivera momentos de verdadeira felicidade e realização pessoal, como por exemplo o dia do seu casamento, não que ela tenha sido uma daquelas jovens que passam a adolescência a sonhar com um príncipe encantado ou com um casamento de sonho, a verdade é que a adolescência passara por ela sem que desse por tal, príncipes encantados foi coisa em que nunca acreditou pois a sua meninice teve tudo menos encantamento e os seus sonhos foram todos destruídos logo à nascença, tal a dureza de que se revestiu toda a sua vida, o casamento acabou por significar, isso sim, o pretexto para sair da casa dos pais.

Tal como o casamento não foi a concretização de um sonho, também o nascimento dos filhos aconteceu por mero acaso, não que ela não amasse cada um dos seus cinco filhos, mas daí a poder dizer-se que estes foram a consequência de um acto planeado vai uma considerável distância, foram nascendo e pronto.

Outro dia que ficara marcado na sua memória, para todo o sempre, era aquele em que partira em busca de uma vida melhor, abandonara tudo e todos para acompanhar o marido na luta por uma vida, se não com menos esquinas, pelo menos que estas fossem menos cortantes do que aquelas que tivera de contornar até ali.

Ah, mas este dia superava tudo o resto, era a confirmação de que o grande sonho da sua vida se tinha tornado realidade, sim porque a concretização do mesmo não se resumia a um dia, aquilo era somente o reconhecimento oficial dessa concretização.

Sentia as pernas a tremerem-lhe de nervoso, de ansiedade, entrou, sentou-se e apreciou tudo ao pormenor, viu chegar as individualidades convidadas e temeu não aguentar até ao momento desejado, foi ouvindo o nome de algumas das suas companheiras e sentiu que se aproximava o seu.

“Maria Angelina Rosas”

Tremeu ainda mais, levantou-se e caminhou em direcção à mesa das altas individualidades:

- Senhora Maria Angelina, é com muito prazer que lhe entrego o seu diploma comprovativo da conclusão da 4ª classe.

- Obrigado.

- Obrigado não, o mérito é todo seu. Agora queremos que diga algumas palavras.

Maria Angelina dirige-se ao micro e diz:

- Só vos quero dizer que demorei quase sessenta anos para concretizar o grande sonho da minha vida, sei ler, sou a mulher mais feliz do mundo. Muito sinceramente, não consigo compreender como é muitos dos nossos jovens desperdiçam o seu tempo em coisas fúteis, quando o podiam aproveitar para não terem de esperar 60 anos para aprenderem a ler e a escrever, só isso. Sei que vos pode parecer pouco, mas para mim significa toda uma vida. Obrigado a todos os meus colegas, a quem me deu esta possibilidade de não morrer sem concretizar o grande sonho da minha vida, em especial ao nosso professor. Acreditem, sou uma mulher Feliz, muito Feliz.

A sala irrompeu num aplauso uníssono.

 

Moral: Basta tão pouco para fazer uma pessoa feliz.

 

Francis Raposo Ferreira

18/10/2019

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