É chegada a hora da verdade
Deixa de lado a fantasia
Encara a realidade
No cotidiano de teu dia a dia
F.J.TÁVORA
É chegada a hora da verdade
Deixa de lado a fantasia
Encara a realidade
No cotidiano de teu dia a dia
F.J.TÁVORA
Inocência em uma criança
Rebeldia em um adolescente
Tolerância em um adulto
Resignação em um velho
F.J.TÁVORA
Era o tempo distante
A paisagem diferente
Do torrão onde nasceu
Era quase um ser errante
Enfrentando luta ingente
Distante de sua gente
Dos amigos e parentes
Sentia-se muito carente
A mente cheia de sonhos
Buscando novos momentos
Mas a alma em desamparo
A alimentar seu lamento
Eis que surge em sua vida
Pra calar todo o seu pranto
Com olhos verdes brilhantes
muita meiguice e encanto
Mulher ainda menina
Vitimou-lhe com seus caprichos
Num jogo dissimulado
Nas teias de seu feitiço
Hoje ainda paira dúvida
Sobre aquela ocasião
Se o acaso do destino
Ou feliz condenação
Se sortilégio de um mago
Que acendeu sua paixão
Só tinha a agradecer
Com grande sofreguidão
Sem forças pra resistir
Tamanha obstinação
Rendeu-se àquela menina
Em passiva escravidão
F.J.TÁVORA
Nasceu sem pedir
Viveu sem desejo
Sofreu sem motivo
Morreu sem aviso
F.J.TÁVORA
Quis ser
soldado mas não era corajoso o bastante
agricultor mas não era perseverante o bastante
professor mas não era altruísta o bastante
aluno mas não estudava o bastante
pastor mas não era convincente o bastante
amigo mas não era generoso o bastante
político mas não era dissimulado o bastante
padre mas não era virtuoso o bastante
herói mas não era destemido o bastante
cientista mas não era curioso o bastante
escritor mas não era erudito o bastante
artista mas não era talentoso o bastante
adulto mas não cheguei a crescer o bastante
poeta mas não sabia fingir o bastante
O que restou?
Apenas um ser humano
Incapaz de ser alguma coisa
o bastante
F.J.TÁVORA
Sou árvore e não floresta
Sou instante e não eternidade
Sou pouco, sou quase nada
Sou apenas singela estrofe
Não uma completa toada
F.J.TÁVORA
Como pode, como fica
Que destino, que desdita
Sonhando com Maria
Estando acordado
Enfeitiçado
nos braços de Sofia
Como fica, como pode
Que maldade, que traição
O pensamento no João
Estando abraçada
Deslumbrada
Na cama com Tião
F.J.Távora
Revelaste que me amavas
Mas cedo o amor acabou
Rompeste nossas amarras
Teu coração me abandonou
Fiquei tonto, abobalhado
Busquei motivo, razão
Inúteis meus devaneios
Decifrar-te é impossível
Já que és diferenciada
És eterna e finita
Tangível e abstrata
Mas de uma coisa estou certo
És mulher desassombrada
F.J.Távora
O que seria do sol
Se não houvesse o céu para iluminar
O que seria do céu
Se não houvesse as estrelas para embelezar
O que seria das estrelas
Se não houvesse a lua para lhes acompanhar
O que seria da lua
Se não houvesse românticos para fazer sonhar
O que seria dos românticos
Se não houvesse o amor a lhes enfeitiçar
O que seria do amor
Se não houvesse apaixonados para escravizar
O que seria dos apaixonados
Se não houvesse os poetas para o amor anunciar
O que seria dos poetas
Se não houvesse alegrias e tristezas para versejar
O que seria das alegrias e tristezas
Se não houvesse os deuses para vaticinar
O que seria dos deuses
Se não houvesse a humanidade para os adorar
F.J.TÁVORA
Nascer
é o milagre da vida
É o despertar da existência
É começar a morrer
Viver
é seguir morrendo
Caminhando enquanto houver tempo
Sonhando, amando, sofrendo
Externando sentimentos
Juras, alegrias, lamentos
Morrer
é Seguir vivendo
Na eternidade do pensamento
viajor de todos mundos
De todos os cosmos
De todos os tempos
Na lembrança e na saudade
Daqueles ainda vivendo
F.J.TÁVORA
Reclamas da vida
De amores perdidos, esquecidos
Em lugares distantes, largados
Na esteira do tempo, abandonados
Que lugares são esses, indefinidos
Pequenos oásis, tranquilos
Do deserto que é tua vida, sofrida
Prenhe de desencantos, padecidos
Onde entes sofridos, incompreendidos
São mais que amores, não resolvidos
Ainda habitando teu coração
Lembrados que são
Em uma plangente canção
F.J.TÁVORA
Eu que na vida paguei à vista
Não quero morte à prestação
Ela que me seja breve
E me leve de supetão
F.J.TÁVORA
Avançado na idade, ele tinha uma extraordinária imaginação.
Com espantosa facilidade criava inimagináveis fantasias.
Forjava ambientes e situações muito especiais.
Certa vez, resolveu corporificar em sonho uma pessoa que estava a habitar sua mente com muita insistência.
Era teimosa. Ele rogava para que ela se afastasse e ela insistia em vir ao seu encontro.
Mas, o que fazer se ela teimava em ficar?
Não bem sabia ele se era destino ou condenação.
Se destino, só tinha que agradecer aos deuses
por ter-lhe escolhido para abrigar em seus sonhos aquela estonteante deusa grega.
Se condenação, ele tornar-se-ia o mais feliz dos condenados.
Estaria condenado às delícias e aos prazeres de sua bela companhia.
Sem forças pra resistir, quedou-se aos seus encantos.
Decidiu tê-la em sonhos, já que ao vivo não era possível.
Ou melhor, não tinha ainda sido possível, uma vez que ela era apenas uma abstração,
habitando um mundo fantasioso e irreal.
Apesar disso, ele ainda acalentava o desejo de reunir, não sabia onde ou quando,
seus corpos e suas almas, em completa fusão, para juntos saciarem suas fomes, desejos e vontades.
Assim, ela foi, em pensamento, avisada que estaria em sua companhia
partilhando intimidades próprias de homem e mulher que se atraem
acalentando sonhos e acendendo desejos de um casal em transe.
O destino benfazejo acabou por reuni-los. Eles estavam finalmente sós.
Ela pronta para a entrega, ele na iminência da posse.
Fixou os olhos nos dela. Tinha o seu rosto, lindo rosto,
ávido de desejos, circundado por suas mãos.
Lentamente aproximou seus lábios aos dela. Eram carnudos, sensuais.
O contato físico acendeu ainda mais os desejos mútuos de posse e abandono.
Sentiu que sua pele reagia, tomada por ondas e espasmos de prazer.
Seus olhos, de início mendigos, súplices de carinho e afago,
estavam cerrados para aumentar a sensação do contato físico.
Ficaram assim por longos, quase infinitos, momentos a sorverem os lábios um do outro.
Ao mesmo tempo ela enlaçava o seu corpo, estreitando a distância entre eles.
As mãos dele deixaram o contorno de seu rosto e passaram a explorar o seu corpo.
Pentearam com os dedos seu longo cabelo, então desalinhado,
e chegaram, habilmente, ao seu regaço.
Acariciaram seu busto, protegido por uma fina camisa fechada com delicados botões.
Divisou com inusitada paixão a turgescência de seus mamilos.
Aos poucos liberou os botões carcereiros de seu busto esplendoroso.
Logo os seios, livres do cárcere, estavam disponíveis, primeiro ao toque de seu olhar.
Afastou-se um pouco para melhor visualiza-los.
Eram lindos. Mais pareciam uma aquarela renascentista.
Estavam apetitosos, solícitos, receptivos, a mercê de seus desejos.
Clamavam por carinhos.
Então ele acordou e o lindo sonho, interrompido, desvaneceu-se.
F.J.TÁVORA
O homem chora na tristeza
Sorri na alegria
Gargalha na dor mais sofrida
Esvai-se em lágrimas na euforia
F.J.TÁVORA
Amar é um condão
Que se ganha ao nascer
Amar é viver e sonhar
É sofrer e até fenecer
É doar seu corpo
É ceder a alma sem razão
É ser consumido lentamente
Por uma chama que queima
Rapidamente
É sorrir quando se quer chorar
É calar quando se quer falar
É não dormir para não sonhar
Com aquela que teima em me atanazar
Dona do meu viver, do meu pensar
Infeliz o dia que te conheci
Que fui olhar no teu olhar
Que me deixei enfeitiçar
E no fim só resta afirmar
Que agora vivo pra recordar
De alguém que nem está a perceber
Que o seu sorriso me traz pesar
E sua alegria me faz sofrer.
F.J.TÁVORA
Rosas são como mulheres
Mui lindas, encantadoras
Por vezes dissimuladas
Se vestem de muitas cores
Exalam rica fragrância
Que inebria os seus amores
Mas escondem os espinhos
Que podem causar dissabores.
F.J.TÁVORA
Um lado teu é verdadeiro
O outro é fantasia, ilusão
Um lado é criança Imaculada
O outro é ousadia, sedução
Um lado é inocência de vestal
O outro é lascívia, amor, paixão
Um lado está comprometido há tempos
O outro é livre para novas emoções
Um lado tornou-se escravo meu
Refém de minhas emoções
O outro conduz o meu destino
Pois é dono do meu coração
F.J.TÁVORA
O Chico desocupado
O Alves atarefado
O Alves um ser simplório
O Chico sofisticado
O Chico mui debochado
O Alves compenetrado
O Chico sempre sereno
O Alves muito enfezado
O Chico a criticar
O outro a justificar
O Alves quase silente
O Chico muito eloquente
Afinal, quem são eles?
Sobreviventes da juventude?
Ou, talvez, quem sabe,
Dois velhos, ou um só
Que já não mais sabem quem são
Imersos que estão
no território enevoado
dos entes desvalidos
que há muito perderam a razão
F.J.TÁVORA
Quando era criança
No dia de meu aniversário
Ganhava poucos presentes
Mas muito carinho e afago
Hoje, passados os anos
Carinhos e afagos são faltos
presentes posso comprar
Sem limites pra gastar
Antes fazia anos
Bem guardados na lembrança
Já não mais tenho esperança
Hoje faço desenganos
F.J.TÁVORA
Na vida há ganhos e perdas
alegrias e lamentos
os ganhos viram saudades
as perdas esquecimentos
Sinto muito a distância
separando você de mim
sinto tanto esta ausência
que me faz sofrer sem fim
Saudades são folhas soltas
espalhadas pelo chão
um dia elas foram vivas
a pulsar meu coração
O tempo é bom aliado
apaga a dor mais sofrida
mas há dores bem maiores
que todo o tempo de vida
F.J.TÁVORA