Oto ou 80 (autobiografia)

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OtoMano in autobiografia

Parentes, Irmãos e Amigos:

Demorei umas oito décadas para aceitar que a vida é pequena viagem. Alguns seres humanos morrem antes de nascer. Outros vivem 100 anos ou mais, mas  cada um seguindo a sua viagem. Tudo é viagem. O planeta é um grande viajante. O universo também viaja e nunca parou. As estrelas caminhando também morrem como nós, mas nascem outras,  como nós também!

Bem, completei hoje 8 décadas. Foi um longo tempo caminhando.  Nas estradas da vida grandes tropeços, tombos, decepções. Mas, vitorias também. Realizações pessoais e coletivas, 5 filhos, 6 netos. Me orgulho da família unida sempre. As vezes faço reflexões. Não gosto muito, mas não é mal refletir.

Penso assim: Nasci numa casa  emprestada para tal,  do seu Manezinho na Rua Belém em Birigui, S Paulo. Família bastante humilde financeiramente. A malária  me atacou na primeira infância.  Duas vezes. Chegaram colocar um vela na minha mãozinha. ( acho que foi a irmã Jovita que me contou). Não parti. Persisti. Fui ficando.

Dos 13 irmãos vingaram 10. Eu o sexto. Aos 7 anos saímos das margens do Rio Tietê e mudamos para Birigui. Lembro vagamente.

Comparando, parecia  aquela mudança do livro Vidas Secas , do Graciliano Ramos que o mano Zé Carlos (Zeca Feliz) me deu a muito tempo: 1 Carro de boi, a molecada, o pai e mãe montados no carro rugindo, utensílios mínimos e simples. Foram mais ou menos 20 quilômetros a passos curtos e lentos. Não lembro se tinha uma cadelinha como a Baleia. Devia ter. 

Na cidade fomos abrigados numa  casa própria , inacabada, onde mano João nosso segundo pai trabalhou. O pai Francisco  quebrou  lá na roça plantando algodão. Bem, na cidade fomos abrigados na casa própria... comecei a entender a  caminhada chamada vida .

Era preciso sobreviver. A mãe Aracy, estrategista em sobrevivência logo me colocou no primeiro emprego.  (Era ela que arrumava todos os meus empregos. Foram 5 até que me mandou para S Paulo). Eu tinha 8 ou 9 anos. Fui ser aprendiz de celeiro. Celeiro era fabricante de celas e arreios de cavalo. Eu passava “breu” nas cordas fininhas usadas com enormes agulhas para costurar o couro das montarias.

Meu patrão chamava Otogamis. Devido a ele , aliás, ao pai dele seu Manuel Teodoro, o pai  Chiquinho Baiano  me batizou com o mesmo nome.  (quando criança abominava até que acostumei e hoje acho um nome lindo, sem igual, até porque faleceu o original).

Otogamis meu primeiro patrão  falecido me devolveu logo pra casa.  Eu em vez de trabalhar na fiação ia brincar no quintal em plena hora útil! Então , a mana Jovita, minha segunda mãe, me levou para escola na Rua Silvares. Eu tinha 7 anos. Como não tinha vagas, fui acomodado no fundo do Bar do seu ILIDIO,  em uma sala simples . O banheiro chamava “casinha” e ficava fora.

Para usá-lo o aluno levantava a mão, fazia o pedido e tia Salustia autorizava. Ela usava uma madeira métrica dessas que mede tecido. Cheguei a levar uma pancada na cabeça quando tentei passar “cola” pro vizinho. Dona Salustia Meireles me ensinou o chamado “B- A- BA”.  Na primeira aula ela desenhou no quadro negro : a, e, i, o, u.  A letra “a “ tinha uma trancinha, o “ e” um bigode, o “o” um chapeuzinho. O “u “ e “i” não  lembro.

Fui até elogiado pela rapidez  quando viu a minha habilidade , mas porque a mana Jovita  já tinha me ensinado as vogais em casa numa mesa de madeira  surrada localizada  na sala

Jovita afável e carinhosa gostava também de corrigir eu e o Carlos quando saiamos das coisas normais). Mãe Aracy chorou quando Jovita se casou com seu grande amor Jaime Baiano. Deu tudo certo depois, mas ficamos meio- órfãos.

Assim fui alfabetizado. Fiz Contabilidade no ensino médio e só conclui curso superior com 30 anos já em Brasília. Embora formado em História com licenciatura  no MEC, prefiro ser "contador de histórias". 

Em Brasília,   no início em 1.973, andei comendo uns pães com banana junto com a esposa e filha. Mas, rapidamente cresci não fisicamente lógico, mas como cidadão. Em 1.975 fui convidado e tomei uísque com o Presidente Figueiredo. Idem, em 1.986,  cachaça com o Lula ainda Deputado pelo PT.  E outras peripécias não afetas para quem veio das barrancas do Tietê.

Dei na verdade muita sorte nesse sentido. Eu e  também o mano Pedro. Ele aqui foi Secretário dos Direitos da Cidadania e Justiça! Levei mãe (bença mãe) no gabinete dele com centenas de funcionários. Imaginem a alegria daquela mamãe que  como eu disse antes era pobre no passado, mas estrategista em sobrevivência? Uma vencedora.

Sim, Mano Carlos aqui também foi um vencedor: foi socio da Casema indústria de casas de madeira, além de outras funções qualificadas. O mano  Jura bombou também. Ao final antes de voltar para Birigui, era dono da mais cobiçada gleba de terras toda estruturada com benfeitorias. Lá, nos fins de semana recebia pessoas humildes e grandes autoridades nacionais e estrangeiras. (saudades do falecido comandante Tito da Transbrasil)

Num voo de Brasília para Floripa ele chamou o mano Jura em pleno voo.  Jura assustou com o convite. Eu também, mas fomos na cabina do piloto com direito a mordomia. Jura curioso perguntava ao Com. Tito, para que servia cada instrumento no avião).

Ah! Quase esqueço: mano Tonho foi o mais badalado em Brasília, embora sempre morou no entorno. Era querido a ponto de ter sua casa invadida por amigos ano todo. Virou empresário e co- fundador da cidade de Águas Lindas, hoje com 350.000 habitantes. Onde o mano Tonho chega vira festa.

Mas, como falávamos da caminhada da minha vida, dos sonhos, tropeços e vitórias. Termino repetindo que somos todos vencedores. Obrigado a todos e vamos em frente. A estrada para nós é longa, embora estejamos em rápida passagem lembram? Concluo com versos que o poeta Agostinho -  advogado brilhante , carioca do meio do século passado repetia:

“Quem passou pela vida em brancas nuvens,

E, em plácido berço adormeceu,

Quem não sentiu  o gosto da desgraça,

Quem passou pela vida e não sofreu,

Foi espectro de homem, não foi homem,

PASSOU PELA VIDA E NÃO VIVEU!"

 

Deus nos abençoe. Gamito.

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Comentários

  • Gestores

    Linda sua história. Parabéns por partilhar conosco e felicidades pelos 80.

  • Li palavra

    por palavra.

    Achei linda a biografia.

    Parabéns

    Um Forte abraço.

    #JoãoCarreiraPoeta.

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