9 semanas de ficção

 

                              PARTE VII

                              Não passou.

          Era uma vez uma adolescente que ficou conhecida no bairro porque sempre caminhava chorando. Isso incomodou demais o jovem Weston, que por várias vezes percebeu o comportamento estranho de Ana Carolina, a qual passeava tranquilamente, mas não parava de chorar. Weston decidiu segui-la para descobrir por que ela chorava tanto. Ao alcançá-la, perguntou:

          - Por que você está chorando?

          Ana Carolina continuou caminhando como se não estivesse ouvindo, mas ele insistiu:

          - Se você não me disser por que está chorando, não vou te deixar em paz.                                                                                        

 Ana fez uma parada e perguntou:

          - Você nunca chorou?

          - Sim! Eu também já chorei, mas você chora demais.

          - Me deixe, por favor.

          - Talvez eu possa remediar a tua dor.

          - Não, não há nenhum remédio para curar essa dor.

          - Não há como remediar ou você não quer se esforçar para se livrar dessa dor?

          Carolina deu as costas e saiu apressada sem responder, mas Weston continuou perseguindo-a.

          Quem presenciava os dois andando, pensava que ela estava chorando por culpa dele. Para não chamar muito  a atenção, Ana Carolina decidiu sentar-se ao banco da praça, dando-se por vencida. E ele sentou-se ao lado dela sem fazer mais perguntas. Ficaram sentados por mais de uma hora, sem nenhum diálogo. Quanto mais ela enxugava o rosto, mais lágrimas escorriam. Como percebeu que Weston estava decidido a ficar ao seu lado, resolveu contar o motivo do choro:                                                                                           

          - Perdi o meu namorado...

          - Como?

          - Ele precisava de um transplante de medula, não resistiu à viagem e morreu no caminho do hospital.

          - Então você gostava demais a ponto de não parar de chorar. É isso?

          - Isso mesmo. Não me conformo, pois ele era uma pessoa amável, não só comigo, mas com todos, até mesmo com as pessoas desconhecidas. Era atleta de handebol. Tinha um preparo físico invejável. Uma pessoa saudável, até aparecer, de repente, uma doença maligna, um tumor que afeta os glóbulos brancos. Estava fazendo quimioterapia, quando veio a falecer.

          Quando Ana terminou de relatar a morte do namorado, percebeu que Weston também deixou cair lágrimas, mas ele não deixou que ela percebesse que as lágrimas não eram só por causa da triste história que acabara de ouvir, mas sim porque ele tinha também um passado triste que resolveu omitir. Afinal, procurou Ana para convencê-la a viver não apenas de recordação, principalmente de lembranças tristes que só contribuem para aumentar o choro. Ao mesmo tempo em que dava forças a Ana Carolina,  tentava voltar ao passado para  tentar  mudar  a  realidade, fazendo ressuscitar a sua esposa, que morrera de parto. Quem dera tivesse o poder de interromper a gravidez dela para evitar uma cesariana! Assim, pelo menos de parto, ela não teria morrido. Weston sentiu-se culpado porque foi ele que insistiu para ela ser mãe. Uma dor que ele esperava um dia passar, mas não podia contar a Ana porque isso só ia deixá-la mais triste, e o que ele precisava fazer era conformá-la. Restava-lhe apenas a palavra amiga para incentivá-la a viver a atualidade sem ficar chorando como uma criança perdida nas ruas da cidade grande. Também não podia fazer voltar o passado porque não existe a magia de fazer voltar o tempo, pois sabemos que o tempo corre para frente sem se preocupar com o que aconteceu no passado. Mas também não podia cruzar os braços e sair andando para frente deixando Ana Carolina para trás sofrendo porque não aprendeu a viver sem o namorado que hoje não passa de um ente querido. A dor dela era a mesma, talvez a dele um pouco maior, pois Weston perdeu a esposa, que não queria ficar grávida, e a filha, que chegou a fazer parte dos 46 cromossomos. Lutou e conseguiu ser uma célula viva, mas não teve o privilégio de nascer.

          Sabemos que não é fácil qualquer perda, mas cada um sabe a medida da sua dor e o tamanho da falta que cada um  faz,  principalmente  quem  não  devia  partir  tão precocemente.                    Ele ficou pensando, ela observando, e de tanto olhar as lágrimas dele, perguntou:

          - Você está sofrendo?

          - Não! Imagina! Estou chorando porque sou solidário com você.

          - Então você não resiste ao ver alguém sofrer? – Perguntou Ana Carolina.

          - Ana, o passado triste nunca deveria existir. Devia ser riscado do pensamento, apesar de eu não torcer para ninguém esquecer um amigo, pois fica na mente um pequeno gesto de gratidão - aquela ajuda do amigo na hora certa; aquele conselho que chega para ajudar na decisão adequada; aquela opinião sem interesse que assume para si a responsabilidade quando não estamos conscientes do resultado satisfatório. Mas um passado trágico, este sim, tem que ser apagado completamente para que a pessoa sofredora encontre forças para recomeçar uma nova vida em busca de uma nova felicidade. E isso só poderá acontecer se for com amor, pois a perda parece impossível de ser esquecida, porque o coração é sensível  e  a  afeição não pode ser medida e nem comparada a nada...                                                                                       

          - Falando assim, você não vai me ajudar.                                                                                                              

          - Você tem que entender que o que passou, passou...

          - Acontece que o que passou marcou-me muito, ficou gravado em minha mente. Por isso não consigo parar de chorar. – Explicou Ana, chorando mais ainda.

          - Acho que faltou ele ser diferente. Ele, ou você. – Disse Weston, porque já não sabia mais o que dizer.

          - Se diferente eu fosse, será que eu teria chance de ser amada por ele?

          - Isso é impossível saber, mas, com certeza, se você fosse diferente, seria também amada por todos, e até por você mesma...

          Roger Dageerre.

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Roger Dageerre

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Comentários

  • É preciso deixar dscansar o que passou. É preciso saber domar a saudade das perdas.

    Aplausos pela obra, Roger,

    Boa noite.

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CPP