9 semanas de ficção

“9 semanas de ficção”.

Volume 1.                              

 

                                  PARTE II

 

                                     Além

 

          Era uma vez um casal que tinha pouco tempo para eles. Na verdade, Antônio e Jane desentendiam-se por banalidades. O estresse do dia a dia era o responsável pela impaciência deles. Dormiam muito tarde e tinham que acordar cedo demais. Trabalhavam na distribuição de jornais e tinham uma revistaria. Por isso, tinham que fazer tudo correndo, e os clientes estavam sempre reclamando por causa da demora na entrega. Dia de domingo, Antônio fazia manutenção dos veículos, e Jane assumia os serviços domésticos porque era o dia de folga da empregada doméstica da residência deles. Um casal que quase não usufruía do amor por falta de tempo.                                                                                                             

Numa segunda-feira, Antônio concluiu as entregas, abandonou o veículo na estrada e saiu caminhando para fugir da agitação e descobrir o que tinha além da linha do horizonte. Esqueceu as obrigações, a família, e saiu andando em frente. Estava decidido a seguir em linha reta, como uma pessoa que caminha sem destino. Mas Antônio pretendia andar para encontrar um lugar em que pudesse viver em paz, sem poluição e sem ambição para aliviar o estresse. Quanto mais Antônio caminhava, tinha a impressão de que o horizonte estava muito mais longe, mas não desistiu e continuou andando sem se preocupar com o que deixou para trás. Enquanto não escureceu, a família de Antônio não se preocupou com ele. Contudo, quando chegou a noite, começaram a procurá-lo e, pelo rastreador, conseguiram localizar o veículo abandonado. Tiveram que esperar o prazo de vinte e quatro horas para registrar o desaparecimento dele, e ficaram tentando encontrá-lo fazendo contato entre parentes e amigos mais próximos.

          Antônio passou a noite quase toda andando e, às quatro horas, levado pelo cansaço, adormeceu.

          Quando o dia amanheceu, ele acordou e surpreendeu-se  com o  cenário à sua frente: uma quantidade  imensa de flores                                                                                              brilhando por causa do reflexo dos raios do sol que estava nascendo refletindo nas águas do rio. Permaneceu deitado no campo. Naquele momento, Antônio não teve tempo nem de lembrar-se de sua família; esqueceu, por alguns instantes, de pensar na rotina. Levantou-se e continuou caminhando sem se preocupar com nada. Já estava com o corpo bronzeado, pois andava de camisa aberta tentando ficar à vontade, usufruindo da liberdade.

          De repente, Antônio lembrou-se de sua esposa Jane, de toda a sua família e da empresa. Por causa disso, chegou à conclusão de que nada ia adiantar alcançar o paraíso existente além do horizonte sozinho. Então tentou usar o telefone para dar notícias, mas percebeu que estava fora de área. Desistiu da ligação, mas reconheceu que viver além do horizonte, sem a sua esposa, não ia valer a pena. Sabia que estava bem longe de alcançar o horizonte, mas se chegasse lá, sem a sua esposa, não ia ter valor. Cansado e faminto, decidiu retornar para convencer Jane a viver com ele no lugar bonito que deve existir além do horizonte, longe do progresso, da civilização e da rotina, pois estava acreditando que lá existe um lugar muito bonito. No entanto, se ela não aceitasse mudar de vida, abandonar a matéria para investir mais  no  espírito, nada  disso  que Antônio  imaginou ia compensar, porque o paraíso                                                                                                sem eles, com certeza, jamais iria ter valor.

          Antônio olhou atentamente o cenário disponível à sua frente, e falou sozinho:

          - Se aqui é bonito, imagine além do horizonte. Com certeza, é o melhor lugar para se viver em paz.

          Olhou para o céu, agradeceu a Deus e deu meia-volta. Caminhou com pressa, porque precisava encontrar a sua esposa Jane e convencê-la a vir com ele para mudarem de vida. Procurou andar com passos rápidos para ganhar tempo, pois caiu em si reconhecendo que precisava fazer contato. Dificilmente alguém ia concordar com ele, pois deixou todos preocupados. Precisava urgentemente, pelo menos, avisar que estava bem. Tentou correr, mas o seu corpo não estava tão bem quanto a sua vontade, porque a decisão de esquecer tudo que construiu ao decorrer de muitos anos, para viver num lugar lindo, com flores, rio com água cristalina, frutos, luz do sol, da lua e das estrelas, não é para qualquer empresário. Tentou contato por telefone novamente, mas continuava sem sinal. Restou-lhe caminhar apressadamente para tranquilizar a sua família o mais rápido possível. Em nenhum momento, enquanto retornava, ousou olhar para trás para rever o cenário bonito e tão desejado que estava ficando para trás.

          Alguns minutos depois, Antônio teve que diminuir os passos por causa do desgaste físico. Já caminhava na base da força de vontade, pois o seu corpo pedia para deitar-se. Naquele momento, percebeu que o seu aparelho celular estava acusando sinal. Rapidamente, fez a ligação à sua esposa:

          - Alô!

          - Alô! Antônio, você está bem?

          - Estou...

          - O que aconteceu? – Perguntou Jane, preocupada.

          - Acho que encontrei um lugar bonito para nós vivermos tranquilos...

          - Não acredito. Você saiu desde ontem, sem avisar, e diz que acha que encontrou um lugar bonito...

- É verdade. Precisamos pensar mais em nós. Não podemos viver só trabalhando, trabalhando, trabalhando...                                                                                   

- Antônio, diga-me onde você está.

          - Estou chegando exatamente ao local onde eu deixei o carro.

          - Ok. Vou me encontrar com você agora. Aguarde-me.

          - Beijos. Estou esperando.

          Jane anunciou que Antônio estava vivo, chamou o motorista e saiu para se encontrar com ele. Parecia que ela estava disposta a brigar, pois precisava desabafar por ter passado a noite toda pensando que tivesse acontecido alguma coisa grave com seu esposo. Mas, no caminho, procurou se acalmar, pois reconheceu muito romantismo quando o seu marido disse que achava que tinha encontrado um lugar bonito para viverem. Jane até pensou nessa possibilidade, mas na opinião dela, primeiro eles tinham que colocar as entregas em dia, resolver todas as reclamações dos clientes, pagar todas as contas pendentes, vender todos os imóveis; aí, sim, poderia pensar em viver deitados no campo para se amarem sem pensar na vida...

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Roger Dageerre

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Comentários

  • Na atualidade, não só os casas, mais as pessoas mesmo nos relacionamentos não observam que tem mis tempo para as redes sociais do que para as pessoas do seu lado.

    Aplausos!

  • 55308760?profile=RESIZE_710x

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