9 semanas de ficção

9 semanas de ficção.

         Volume 1.

                                   PARTE III

                                 Primeiros erros

          Era uma vez um homem que caminhava todas as manhãs e não revelava aonde ia. Simplesmente saía sem avisar e demorava demais para retornar. Nunca dava satisfação, alegando que o seu destino não era de ninguém e que caminhar, para ele, era uma necessidade de sua própria mente. Enquanto andava, fazia higiene mental e só assim conseguia trazer de volta quase todo o seu passado. Eram recordações profundas - conseguia lembrar-se de parte da infância, principalmente quando era uma criança solitária, pois só tinha uma irmã, e morria de inveja de quem tinha amigos. Lembrava-se muito bem de que era o único aluno da turma que fazia o dever de casa sozinho. Todos os outros colegas  se  reuniam, discutiam a matéria  mais  difícil,  e  ele tinha sempre que se virar sozinho.

           Essas lembranças, detalhadas, vinham sempre na hora da caminhada, como se fosse um filme que passou na infância e ficou na mente como pegadas que ficam no chão e ninguém consegue entender, pois quem foi criança, adolescente e agora é adulto, não deveria guardar certas lembranças tristes ou mesmo recordações que ninguém consegue entender como algo bonito que ninguém consegue vê. Assim, fica difícil até para alguém apreciar, com interesse, uma pessoa que vive eternamente caminhando e recusando-se a revelar exatamente aonde vai; que prefere que ninguém saiba mesmo por onde ela anda. É lógico que o normal seria o desejo de ser encontrado, principalmente para completar o outro lado da laranja, pois insistia em sair sozinho.

          Enquanto existem tantas pessoas fazendo questão de andar acompanhadas, ele descartava qualquer possibilidade de caminhar ao lado de alguém. Até a sua primeira namorada ficava surpresa quando ele afirmava que tinha vontade ver o seu corpo virar sol. Até acreditou que era uma ameaça de suicídio, mas, com o passar do tempo, aprendeu que tudo não passava  de  forma  de  expressão, pois ele também  chegou  a      dizer que queria que a  sua  mente  virasse sol.  Tudo não passava de implicância com a chuva, porque                                                                                                  repetia insistentemente que: “o sol não aparece, só chuva, só chuva”. Era irritante quando repetia: “o sol não aparece, só chuva, só chuva”. Sabia que essa irritação era porque, quando chovia, ele ficava impedido de caminhar e, enquanto não andava, não conseguia liberar a imaginação, pois só quando andava o pensamento invadia o seu passado, mas ele não conseguia ver tudo porque o passado dele era como fábulas diversificadas que foram desgastadas pelo tempo e que agora eram difíceis de serem recordadas por inteiro, principalmente chovendo. Assim, tornava-se difícil lembrar-se de tudo porque, na época, não parava de chover e ele precisava caminhar para poder reiniciar as tentativas de lembranças em busca de recordações que, para ele, eram                                                                            de grande valor. Era exigente demais com as suas recordações ao ponto de não perdoar os próprios erros. Queria recordação autêntica, mesmo que tivesse que ser punido por ter cometido falhas, mesmo que os erros não fossem comprometedores, mas tinha que aplicar o castigo de acordo com a gravidade do erro, como quem diz: “eu mereço ser punido”. Mas, para tanto, era preciso lembrar se realmente  cometera  as  falhas  que estava pressentindo. Paratanto, era preciso revirar o seu passado e fazer um esforço para lembrar-se dos primeiros erros; mas  assim,  chovendo, com certeza ele não ia conseguir.

          Depois de tanto reclamar da chuva, resolveu unir-se a ela porque talvez a chuva estivesse lhe poupando uma decepção imensa por um erro infantil que, para os outros, talvez nem fosse necessário ficar recordando, mas para ele tinha grande importância porque precisava manter a sua consciência limpa. Erros de crianças, falhas inocentes cometidas sem maldade. Quem sabe, o fato de não parar de chover fosse para que esses erros, se realmente existiram, não fossem captados pela força do pensamento, que poderia ser usada para as invenções úteis que um dia pudessem salvar vidas inocentes, para a criação de métodos didáticos que pudessem convencer jovens a ouvir os pais, a praticar as experiências da ciência e para seguir o caminho religioso e a descoberta da obediência por vocação, para que o mundo pudesse comemorar sempre...

          De tanto ficar olhando a chuva, recordou que a sua irmã gostava de cantar: “chove chuva, chove sem parar / por favor, chuva ruim / não molhe mais o meu amor assim”. Cantava sempre quando  estava  sem  sono.  Esforçou-se, mas não conseguiu lembrar se ouvia a irmã em silêncio ou se pedia para ela parar.

          Naquele momento, já aceitava a chuva e logo reconheceu que ela é necessária porque traz os benefícios para a vegetação e principalmente para a humanidade.  Também reconheceu que não era bom ficar implicando com a natureza, pois se lembrou das tragédias dos fenômenos que os antigos consideravam como um castigo de Deus. Hoje, a tecnologia já explica tudo, e por isso conformou-se e procurou esquecer a possibilidade de ter mesmo cometido erros, pois o que realmente estava valendo era as suas atitudes atuais, e tinha que comemorar por não ser um hipócrita, porque nunca aprendeu a fingir..

         Roger Dageerre

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Roger Dageerre

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Comentários

  • Obrigada por compatilhar parte de teu livro, Roger.

    Parabéns!

    • Obrigado.

      São dez volumes. 90 histórias.

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