9 semanas de ficção

                                PARTE V

                        O músico e a equilibrista

       Era uma vez uma jovem de 30 anos que conhecia todas as capitais do Brasil porque morava e trabalhava num circo como equilibrista. Quando o circo foi se apresentar na cidade maravilhosa, Amanda ficou passeando no calçadão de Copacabana, Rio de Janeiro. Já quase ao meio dia, Amanda encontrou um bêbado deitado ao chão. Ela tentou falar com ele, mas o bêbado não respondeu, pois estava num estado de embriaguez total. Amanda solicitou ajuda às pessoas que estavam passando e conseguiu levá-lo até onde o circo estava armado. Deram-lhe um banho para tentar  reanimá-lo,  trocaram   as   roupas  pretas  que ele estava usando por umas coloridas do palhaço Tiririca, mas o bêbado Doalfre continuava inconsciente. Por isso, resolveram levá-lo ao hospital. Doalfre foi medicado e ficou em observação até anoitecer. Quando teve alta, Amanda estava na recepção aguardando-o. Ele ficou assustado, pois nem conhecia Amanda. Ela apresentou-se informando que o encontrou no calçadão de Copacabana, levou-o ao circo e depois ao hospital. Doalfre agradeceu e perguntou pelas roupas dele. Amanda disse que estava lá no circo, que depois devolvia, pois tinha mandado lavar.

     - Eu uso roupa preta há mais de vinte anos. – disse Doalfre.

     - Por quê?

     - Porque presenciei o desabamento de um viaduto, a morte de Maria e Clarisse por torturas, e não pude evitar a morte de dois amigos meus. Depois disso, passei a usar roupas pretas representando luto eterno.

     - Então, amanhã você vai ao circo para fazer a troca das roupas e aproveitar para assistir à estreia, Ok?

     - Ok!  Vou  assistir  a  um  espetáculo  que  nunca  vi, nem quando criança.                                                     

      Amanda explicou onde o circo estava armado, entregou-lhe o chapéu e despediu-se de Doalfre, que saiu tentando levantar a cabeça, prometendo aparecer lá no dia seguinte.

       Ela retornou ao circo, pois tinha que dormir cedo para fazer uma boa apresentação na estreia programada para o dia seguinte. Enquanto ela se preparava para dormir, Doalfre, ainda cambaleando com o chapéu coco, caminhava voltando para casa apreciando as nuvens do céu.

       No dia seguinte, Doalfre vestiu-se de preto, tanto a calça como a camisa, e guardou as roupas coloridas para devolver a Amanda. Começou a beber muito cedo, mas não esqueceu que tinha prometido ir ao circo. Ao meio dia, ele pediu à dona do imóvel onde mora para chamá-lo às dezessete horas, e foi dormir. No horário combinado, ela chamou Doalfre, que acordou assustado porque estava sonhando com a volta do seu irmão já falecido. Percebeu que era apenas um sonho, agradeceu e foi se preparar para ir ao circo.

        Tudo pronto para iniciar o espetáculo,  e  Amanda  ficou olhando em todas as direções para ver se olhava Doalfre,  mas tinha muita  gente e ficou difícil localizá-lo no meio da multidão.           

        O espetáculo começou com os palhaços fazendo a garotada sorrir. Depois, foi a vez dos trapezistas que encantaram o público com saltos emocionantes. Em seguida, foi a vez dos malabaristas, um jogando sete garrafas para cima sem deixar cair nenhuma, e o outro arremessando sete argolas, no ritmo da música, sem deixá-las cair. E depois foi o globo da morte, com dois motoqueiros e dois ciclistas rolando em alta velocidade dentro do globo sem se tocarem.

        Uma parada para intervalo, e Amanda aproveitou para procurar Doalfre no meio dos espectadores. Como não conseguiu, chegou a acreditar que ele não estava presente. Guardou as roupas pretas e continuou ajudando na retaguarda até se aproximar a sua vez.

         Doalfre estava na arquibancada e, nas duas vezes em que Amanda apareceu olhando em direção ao público, ele a viu e percebeu que tinha sido socorrido por uma bela mulher.

         A atração  foi  reiniciada com  o domador  fazendo   um espetáculo com animais irracionais. Depois, foi o  palhaço que entrou dizendo:

        “Eu vi um homem nu com a mão no bolso sentado numa pedra redonda feita de madeira quadrada lendo um jornal sem letras no reflexo da lamparina apagada”.

        O público foi ao delírio. Até Doalfre, que estava ali com o intuito de trocar as roupas, deu muitas gargalhadas.

        O palhaço cantou. Depois contou várias piadas e, antes de sair, anunciou a próxima atração:

        - Com você, o espetáculo mais esperado da noite: “Amanda, a equilibrista”!

       Neste momento, Doalfre sentiu o coração acelerar e, de pé, acompanhou os espectadores com aplausos.

        Amanda entrou dançando com uma sombrinha na mão e foi logo subindo uma escada de corda até chegar ao ponto mais alto do circo. Ela estava trajando uma roupa colada que moldava o seu belo corpo. Pisou na corda bamba para testar e recebeu mais aplausos. Abriu a sombrinha e foi dançando na corda  bamba,  demonstrando  muito  equilíbrio  e habilidade. Doalfre não parava de aplaudi-la. Por isso, Amanda percebeu a sua presença e quase se desconcentrou, mas, como tinha todo o domínio na corda, continuou dançando com toda a facilidade, como se estivesse pisando no solo, encerrado o espetáculo sob os aplausos  de  um público  que  reconheceu  sua  apresentação  como uma das mais bonitas do Brasil.

        Amanda desceu e correu para detrás do pano. Os espectadores foram saindo, e o único a permanecer foi Doalfre, que ficou a esperá-la para fazer a troca das roupas. Ela retornou com as vestimentas nas mãos, e ele desceu para um encontro no meio do picadeiro.

        Ela agradeceu a presença dele. E ele fez os maiores elogios que um artista circense pode receber. Fizeram a troca das roupas e permaneceram frente a frente.

        Naquele momento, Amanda perguntou:

        - Qual é a sua profissão?

        - Músico!

        - Qual instrumento você toca?                                                                                     

        - Bateria.

        - Que bom! Agora tenho que ir.

        - Um momento. Quero lhe fazer uma pergunta.

        - Diga!

        - Quer casar comigo?                                                                                                                                                

        Uma  pergunta  que  Amanda  não  esperava,  mas,  ao

perceber que ele estava com bafo de bebida, respondeu:         

            - Só posso me casar com um homem!

            - Não entendi.

            - Se for para eu casar com um músico, eu aceito, mas se for com um bêbado, eu digo não!

            - Por que sim ao músico e não ao bêbado?

            - Porque um músico pode tocar em qualquer lugar, até num  circo,  e  o bêbado,  por mais inteligente que seja, nunca vai fazer um espetáculo que possa agradar a uma mulher, imagine um público...

            Roger Dageerre.

 

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