Árvore assombrada

Árvore assombrada (José Carlos de Bom Sucesso)

 

            Final do mês de janeiro. O forte calor trazia grandes e imensas tempestades para o mês. O verão saltitava condições propícias para fortes chuvas, muito trovão, muito relâmpago e também condições para os apreciadores da natureza, principalmente o Juquinha, senhor de meia idade, aposentado por acidente de trabalho e amante das caçadas de tatus.

            Quando a tarde ficou muito quente, algumas nuvens eram vistas nas imediações do setor sul da cidade. O vento não soprava forte, mas ventilava o arzinho de frescor para o fim do dia. Juquinha, já cansado de não fazer nada durante o dia. O pouco trabalho que tinha era ir ao banco pagar contas ou fazer algum mandado para o escritório de contabilidade da filha.

            Naquela tarde, já cumprindo suas obrigações para com a filha, chegando ao escritório e não tendo mais nada a fazer, disse que iria caçar tatu no outro lado da cidade.

            O local onde Juquinha gostava de ir procurar tatus era para frente da estação de tratamento de água da cidade. Campo puro, com muitas árvores, monte de cupins. Lá, do alto do monte, existia o local onde alguns religiosos faziam orações, recolhimentos individuais para meditações e retiros espirituais. Este era o ponto mais alto do lugar. Do lado oposto, era descida bem declivada. No fundo, o pequeno riacho era visto, entre pedras, árvores e até algumas moitas de bambus, ele fluía lentamente, passando por algumas propriedades rurais, tendo como desaguamento no imenso rio, que se localizava por mais uns cinco ou sete quilômetros do local. A paisagem era encantadora. Dava para ver os rastros noturnos das estrelas, das rotas dos aviões que rumavam para o continente europeu e por outras partes do imenso território brasileiro.

            Muniu-se da pequena lança, a grande lanterna, na cor azul, que foi comprada há duas semanas na loja do Wilsinho, o embornal, onde estavam a garrafa de café, três pães de sal e dentro deles duas fatias de mortadela, a garrafa pet cheia de água, a capa de chuva e outro embornal. Este, ele dizia que colocaria o tatu ou tatus dentro dele.

            Vestindo calça grossa, no formato de jeans, blusa de mangas compridas, botas e perneiras, partiu ele por volta das dezessete horas e trinta minutos. O sol ainda quente não se punha no horizonte. Aproveitou para passar no mercadinho do Joaozinho para comprar o pedaço de fumo, pois este seria muito útil em caso de picadas de insetos.

            Caminhando lentamente, ele sai da cidade. Alguns amigos passavam por ele e lhe oferecia carona, contudo ele não aceita e diz que irá bem devagar apreciando a natureza, os pássaros e acompanhar a saída da lua cheia, prevista para iluminar por volta das vinte horas.

            O tempo vai passando e suas passadas vão a caminho do monte mais alto. Lá, descerá. Atravessará o rio e, pela mata ciliar, ele encontrará a trilha. Seguirá por ela pelo menos uns dois a três quilômetros. Assim, no outro cerrado, será o lugar perfeito para a caçada.

            Os insetos noturnos já davam ares de saída. Pequenos cupins de asas voavam dos cupinzeiros em longos voos. Lembrava ele que os insetos eram o apetite dos tatus. Na mente dele, a noite seria farta e poderia caçar pelo menos três a cinco animais. Seria o almoço predileto dele. Assim, compartilharia com os filhos, os netos e até com o irmão mais novo, que estava a passeio pela cidade.

            O sol foi escondendo atrás a alta e linda colina. Longe das luzes, o breu ia cobrindo tudo o que pela frente estava. A luz diurna, aos poucos, ia dando lugar à noite escura. Por volta das vinte e poucas horas, do outro lado, a lua apareceria. Então, o breu do início da noite seria substituído pela luz lunar. O espetáculo perfeito para os amantes da natureza, para os poetas e os namorados apaixonados.

            Para descansar da longa jornada e apreciar o aparecimento da lua, Juquinha aproximou-se da grande árvore que encontrou pelo caminho. Lá, ainda com a luz diurna, percebeu que haviam muitos buracos cavados por tatus. Esta expressão “buracos de tatus” é muito usada na linguagem corriqueira dos moradores mineiros.

            Viu, imediatamente, uma pedra que mais se parecia banco esculpido para os visitantes. Foi longo sentando. Abriu o embornal e fez o lanche, comendo os três pães e bebendo a pequena garrafa de café. Bebeu alguns goles de água. Guardou alguns restos na sacolinha plástica e os ajeitou no canto do embornal. Mais uma vez, retirou a garrafa de água e mais goles foram despejados garganta abaixo. Escutava-se o som da água descendo peito a baixo até se concentrar no estômago.

            A noite calma e o cansaço fizeram com que Juquinha fechasse os olhos por algum momento. Este momento foi grande, porque estava bastante cansado. Logo o sono lhe furtou. Não demorou muito, mas com a cabeça encostada no tronco da árvore, o calor forte do início da noite, os cânticos dos pássaros que procuravam abrigos, fizeram com que o caçador de tatus dormisse sossegadamente por vários minutos, talvez, até por duas ou mais horas.

            Não se sabe ao certo, mas quando ele acordou, a noite já estava bem distante do entardecer. Deveria ser por volta da meia noite. A lua iluminava toda a área, mas ela já estava bem ao norte da abóboda celeste. Meio assustado e limpando os dois olhos rapidamente com a superfície da mão direita, ele ainda teve tempo de tirar o pequeno aparelho telefônico. Nele, com a vista meio embaçada do longo sono, mostrava que era perto de meia noite.

            Fazendo caretas e de cara feita, pensou que já era tarde. Enraivou-se por não ter visto o nascer da lua. Xingou alguns nomes feios e disse, em voz alta, que perderia a melhor caçada. Naquele horário, os bichinhos já haviam saído. A probabilidade de caçar algum era pequena, porque muitos já estavam em outros lugares ou tinham-se escondidos nas tocas.

            Levantando-se rapidamente, ele pensou em olhar por algumas tocas que estavam por perto. Assim o fez. Porém, nada de produtividade.

            Voltando novamente para a beira do tronco e acendendo a lanterna, ele sentou-se e pôs a refletir porque estava ali. No passado, em lembranças das conversas de seu avô, naquele local, bem próximo da árvore, houve briga de duas mulheres por causa de adultério de uma delas. Na briga, bateram-se uma à outra, que as duas morreram bem próximo.

            Sorriu... Fez cara de deboche. Pensando, consigo mesmo, se aquelas mulheres voltassem a brigar ali por perto, ele jogaria a lança em direção delas e ficava torcendo para ver em qual seria o alvo. Sorriu novamente e pensou em voltar. Naquele horário, jamais encontraria algum tatu passeando por ali. Imaginou como seria a gozação dos familiares quando ele contasse que dormiu debaixo da árvore e perdeu o momento certo para caçar...

            Já que estou aqui e já dormi, pensou ele, vou procurar alguns galhos secos e fazer um foguinho. Não vou embora agora, pois tenho receio de perder o caminho. Quando o sol nascer, sairei e chegarei bem cedo lá em casa. Será sábado. Poucas são as pessoas que estarão na rua. Não serei pejorado por ninguém.

            Assim o fez. Rapidamente, arrumou alguns galhos. Tinha papel de embrulho dos pães. Ainda restavam alguns goles de café e água. Ascendeu o fogo e foi logo encostando no tronco. Feito travesseiro a mochila, ele ficou ali por algum tempo. Olhava para cima e via os grandes galhos daquela imensa árvore. Imaginava várias figuras formadas ali. Olhava para o fogo que ardia lentamente. Era a grande proteção contra animais noturnos. Pensou na família e como seria a reação quando contasse que dormiu. Sorria. Pensava na briga das mulheres e se algum fantasma aparecesse ali. Os minutos se passaram e, mais uma vez, o sono lhe furtou.

            Dormiu ele por volta de uma hora. O sono estava bom. Ele até sonhou que estava caçando e apareceram dois grandes tatus. Eles eram pequenos e logo foram crescendo, crescendo, até ficarem na forma de duas mulheres. Vestiam elas vestimentas brancas. Cada uma delas com uma grande faca nas mãos e as duas iam em sua direção. Ele tentava sair correndo, mas não conseguia. Era pesadelo. Tentava correr, mas uma delas lhe agarrou pela perna. As mãos da que lhe agarrou pela perna era mais fria do que o gelo. Ele estremecia, contorcia e nada de sair. Era o caos que se formava ali.

            Esperneando, gritando, bem apavorado, ele acorda. O fogo não mais estava com chamas. Algumas brasas ainda eram vistas. A luz lunar iluminava a vasta planície. Sombras de árvores dividiam aquela luz. Quando seus olhos deram conta no que viam, ele não acreditou. Os galhos da árvore balançavam e os sons eram mais fortes ainda. Parecia o mais forte e temido vendaval. Defronte a ele, as duas mulheres, todas vestidas de branco, com duas facas em cada mão o seguravam e tentavam lhe dar facadas em qualquer parte do corpo. Ele esperneava, ele gritava, ele pedia ajuda por todos os santos que lhe vinham à mente. Parece que até urinou e defecou na roupa. Os galhos balançavam mais fortes e davam a impressão de que estavam caindo sobre ele. Seus gritos se misturavam com os gritos e sorrisos das duas mulheres, que diziam entre si, que o levariam para as profundezas do inferno. Dariam as facadas certeiras no coração, na barriga e nas partes íntimas. O chefe das profundezas estava feliz porque elas iriam levar a alma pura para lá. Teriam a salvação e ele vagaria para sempre naquele lugar.

            Em estado de pânico, de horror, ele conseguiu desgrudar das duas mulheres. Correu tanto. Passou pelo córrego tão rápido. Chegou em casa todo machucado e pedia para não ligar a luz no rosto.

            Quando acordou e estando em casa, contou todo o acontecido para a família. Desde aquele dia, ele nunca mais quis caçar tatu em noite de lua cheia.

 

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José Carlos de Bom Sucesso

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