As Pedras do Caminho

As Pedras do Caminho

 

Lourenço reviu-se a recuar cerca de 25 anos no tempo. O choro daquele menino teve esse condão de o fazer regressar à sua própria meninice. Não que a sua meninice tivesse sido coberta de manto dourado, ou prateado que fosse, mas teve, isso sem dúvida alguma, uma meninice feliz, com uns pais que o amavam e dois irmãos, um dos quais viria a ter vida curta, com quem tinha uma forte relação, a qual ainda hoje mantém com Amílcar, o mano sobrevivente.

Lourenço conseguira, sempre com o apoio dos pais e amigos próximos, atingir um nível de vida que nada tinha a ver com a realidade da casa paterna. À medida que ia conseguindo subir alguns degraus na conquista de novos patamares de conforto e reconhecimento social, o jovem ia, também, arrastando consigo, todos aqueles que antes lhe tinham dado a mão, isto é, nunca se mostrou ingrato para quem o ajudou e apoiou, familiares e amigos.

Outra qualidade com que muito se identificava, era a sua capacidade e disponibilidade para ajudar os outros, mesmo que simples desconhecidos. Lourenço nunca esqueceu de onde viera, pelo que, sempre que tal lhe era possível, ainda que isso significasse ter de abdicar do seu conforto, lá estava o jovem pronto a colaborar na resolução dos problemas dos seus semelhantes, principalmente das gentes da rua que o vira crescer e com as quais nunca cortara relações de amizade.

Aquele choro do pequeno Carlitos, mas sobretudo as palavras da mãe deste, não o deixaram indiferente:

- Carlitos, quantas vezes te tenho dito para não andares aos pontapés às pedras…?

Foram estas palavras, que fizeram Lourenço recuar no tempo, pois trouxeram-lhe à lembrança o seu falecido pai. Quantas vezes aquele o avisara para não pontapear toda e qualquer pedra que lhe surgisse no caminho. Até que um dia, como sucedera agora a Carlitos, teve a infelicidade de ver uma dessas pedras ir beijar o vidro de um automóvel:

- …E agora, como é que vamos explicar ao Dr. Lourenço, e, principalmente isso, como é que vamos contar ao teu pai…?

Aqui já a conversa era diferente das do seu pai, o qual sempre fora um homem decidido, se havia uma atitude a tomar, então que se tomasse:

- …acredito que deve já ter chegado a casa como é costume, bêbado. Sabes o que é que isso significa? Que não te livras de uma tareia das grandes.

Lourenço fez com que a sua presença se tornasse notada, agachando-se junto do garoto e perguntando-lhe:

- Carlitos, prometes-me que nunca mais pontapeias nenhuma pedra?

O petiz olhou-o nos olhos, sentiu-se tentado a dizer que sim, mas na sua ingenuidade de criança, não foi capaz de lhe mentir:

- Eu posso prometer, mas tenho a certeza que não serei capaz de cumprir a minha promessa.

Lourenço sentiu-se feliz com a sinceridade do pequeno. Era como que uma fotocópia do que ele fora. Levantou-se, olhou a mãe do garoto e disse-lhe:

- Não se preocupe com o vidro. Aliás, ele até já estava estalado. Só quero que me prometam uma coisa, será um segredo só de nós três. Posso confiar em vós?

Enquanto lançava a pergunta, Lourenço fixou os olhos nos da mãe do pequeno Carlitos, como que a dizer-lhe “Nada de contar ao seu marido”.

Sim. Foi o que se ouviu em uníssono. A mãe do garoto ainda tentou agradecer, mas Lourenço não lho permitiu. Não havia nada a agradecer.

 

Moral: Quem nunca se esquece de onde vem, sabe sempre para onde vai.

 

Francis D’Homem Martinho

14/01/2020

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Comentários

  • Uau! Sem palavras! DESTACADO! 

    • Amiga Angélica, muito do que escrevo, é o resultado do que vou observando no meu dia-a-dia, pessoal e profissional. Beijinho

       

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