Baladilha esconsa
J. A. Medeiros da Luz
A alma daquele pequenino
Não tinha cor, mas tinha brilho.
Por apetecer devaneios,
Com seu cajado imaginário,
Tangia mil nuvens no céu.
E sorria para besouros,
Como se fora um amigaço.
E as esquivas preás do brejo
Eram amadas do garoto.
Por apetecer devaneios,
A poça de lama da chuva
Virava mar de brincadeira
Para dez naus de papel pardo.
E prego torto era tão útil
À sua fábrica de estrelas!
Mimetizava um Leonardo,
Mas com asas de borboleta.
Por apetecer devaneios,
Não há dúvida, meus senhores,
— E, pois, digo eu cá sem rodeios —
Havendo no mundo mil cores,
A alma daquele pequenino
Não tinha cor, mas tinha brilho.
Goiânia, 03 de outubro de 2021.
[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]
[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. da Luz]
Comentários
Minha cara Angélica:
Você sempre a nos brindar com visita e palavras incentivadoras! Obrigado. A suscitação de temas ligados à infância, desta feita, pode haver tido sua gênese por estar — no momento e depois de quase dois anos de afastamento por decorrência da coronavirose que assola nosso globo — no Planalto Central, palco de ponderável parcela de minha meninice, a qual já vai distante no retrovisor. Afinal, seja no cerradão, seja às margens do Atlântico, seja nos varadouros dos igapós, a infância, com suas emoções, acaba sendo (em sua essência) a mesma e mágica viagem.
Abraço; j. a.
Pessoal:
Em que pese eu gostar de ler poemas metrificados e com rima, este último recurso pouco aplico aos versos de elaboração própria. Quando muito, cá e acolá, trago à baila umas rimas assoantes, nas quais — como é bem-sabido — somente as últimas vogais tônicas se fazem novamente presentes em versos com proximidade. Modalidade tão do agrado de nossa gigantesca Cecília Meireles.
Excetuando alguns versos cujos vocábulos finais sacolejaram-me energicamente pelo colarinho, obrigando-me, coagindo-me a incluí-los, mantenho (como se vê), neste poemeto despretensioso, minha aderência às discretas rimas assoantes ou toantes.
Adicionalmente, no presente caso, devo dizer que os versos, octossílabos, também não são comuns a meu estilo, o qual favorece, de modo natural, o decassílabo heroico (camoniano), ou versos sem metro. Isso resulta, muito provavelmente, de os versos de oito sílabas terem sido o cânone das medievais baladas galaico-portuguesas (de que, se diga aqui, esta baladilha formalmente discrepa de modo sensível; donde o adjetivo “esconsa” agregado ao título).