Briga na casinha (José Carlos de Bom Sucesso – Academia Lavrense de Letras)
A enxada estava de cara feia. Assim que foi lavada na bica, o lavrador a levou para a casinha e a colocou em outro lugar de costume.
Então, ainda de cara bem feia e soltando tudo quanto palavrão, ela foi logo desabafando com a pá:
- Que porcaria! O “dondoca” do enxadão tomou meu lugar aqui na casinha. Depois de trabalhar o dia todo, cortando diversas plantas, inclusive as touceiras de braquiária, moitas de picão, bater de frente com pedras, que afetaram minha lâmina, o “bonitão” foi reconhecido e está em meu lugar. Eu não aceito ser tratada assim.
Calmamente, a pá, ouvindo tudo o que a enxada lhe disse, e ainda permanecendo um pouco em silêncio, respondeu:
- Calma, minha amiga! Estamos todos aqui em paz. O Joãozinho comprou o enxadão e ele é novo aqui. Foi encavado há pouco tempo pelo Marquinhos. Foi levado e tomou banho na água da bica para ficar forte. Ouvi que ele, amanhã, bem cedo, irá cavar muitos buracos para a cerca bem acima do córrego.
Com muita perfeição e totalmente parcimônia, alongou a explicação:
- A cavadeira está ali, bem descansando. Vai trabalhar muito amanhã. Foi totalmente regulada, recebeu graxa, apertos nos cabos e está em regime de descanso, porque os dois, juntamente com o martelo, a turquesa, os grampos e o arame, irão cedo para a labuta. Então, fique tranquila. Descanse e não pense que o “dondoca” é melhor que você.
Sem objetivo, a enxada se calou e ficou resmungando bem baixinho e olhando para o enxadão, como se o encarasse para a briga.
A chibanca deu um grito bem forte, que acordou todos ali. Sonhou ela que estava sendo rejeitada pelo Marquinhos, pois saiu do cabo e não se encaixava mais. Viu-se dentro da fornalha do ferreiro Antônio, lá na cidade.
Mais uma vez, a pá, a grande amiga e conselheira de todas as ferramentas na casinha disse palavras de conforto e carinho para a amiga.
O machado estava queixando que a foice estava tomando seu lugar no corte de bananas. Disse que queria pegar a foice e lhe surrar bastante até deixá-la cansada e sem condições para o corte da fruta. Então, ele, todo vigoroso, estaria no lugar de costume e não precisava fazer tanta força para o corte de madeira. A foice queria partir para cima do machado, mas logo, a amiga pá, correu e pacificou a situação.
O garfo não conseguia dormir com aquela algazarra. Disse que partiria com os dentes afiados para quem o perturbasse no sono. Levantou-se e queria pegar o machado, mas, mais uma vez, foi seguro pela pá, que lhe pedia calma.
A enxada ainda continuava a reclamar do lugar. Não se conformava com aquela situação de ter sida deixada de lado, juntamente para o novo enxadão. Então, bem devagar, foi aproximando do enxadão de falou:
- Sabe que está em meu lugar?
O enxadão, acordando o profundo sono e sabendo que teria o dia muito tenso, sem saber o que dizer no momento, e ficando assustado disse:
- Não sei do que está falando, sua velha vagabunda...
A enxada, espumando de raiva, retrucou:
- O que disse?
- Repita se for enxadão valente?
Então, o tempo fechou ali dentro. Era algazarra para todos os lados.
O enxadão partiu para cima da enxada, mas formou-se a barreira entre a pá, a picareta e o rastelo. Dizem eles, coro:
- Se encostar em nossa amiga enxada, nós o quebraremos todo.
Então ele desistiu e voltou para a lugar de origem.
Acalmaram-se por alguns instantes. Porém, lá no canto, ouviu-se a voz do martelo dizendo:
- Turquesa, filha de uma vaca. Você ri enquanto trabalhamos. Enquanto descansa, eu fico dando narigada nos grampos e você acha graça!
A turquesa, rindo ainda mais, comenta:
- Quem lhe pediu para ser bobo?
O martelo não se conteve. Correu para o lado e agrediu a colega. Neste momento, o enxadão aproveitou o descuido da enxada e a atacou. O machado entrou na briga e eram golpes para todos os lados. Até a foice teve parte do cabo cortado. O arame não se conteve e começou a dar farpadas para todos os lados.
Foram mais ou menos uma hora de briga. Cansaram todos e foram dormir. Ao amanhecer, o empregado abre a casinha e grita:
- Patrão, Patrão! Venha ver o que aconteceu aqui!
O patrão chega e olha o que aconteceu. Todas as ferramentas estavam com os cabos quebrados. O único que sobrou intacto foi o serrote, que estava pendurado no alto e não foi alcançado pelos golpes dos brigões. Então, lá no canto, surge a grande ratazana e corre por entre eles. Então, o patrão diz ao empregado:
- Foi a rata que causou tudo isto. Vamos colocar veneno para ela e hoje não faremos a cerca. Vamos trocar tudo. As ferramentas que não estiverem excelentes, nós as jogaremos fora e compraremos outras novas.
Direitos autorais reservados em 04 05 2025
Comentários
Um belo conto. Traçado com perfeição.
Um grande ensinamento para refletir.
Excelente!!
Parabéns,José Carlos
Abraço
Conto alinhavado com esmero trazendo ilustração da vida e de alguns. Parabens
Caro poeta José Carlos
Um grande exemplo a ser seguido por aqueles que não desejam trabalhar.
Um conto verdadeiro e muito bem construído.
Parabéns
Abraços