Cartas

Cartas (José Carlos de Bom Sucesso)

 

            Tarde de segunda-feira. No pequeno estacionamento, junto ao prédio onde funciona a agência dos Correios, o caminhão, na cor laranja, estacionou. Escritos, em letras grandes, bem fortes, os letreiros que denominavam “Os Correios”.

            A cidade não para. Veículos trafegando, pessoas ansiosas trocam o pequeno espaço físico entre a calçada e a avenida. Chamando pelo nome de João, pelo nome de Pedro, o motorista do caminhão, também por nome de João, grita intensamente aos dois carteiros para a descarga. São muitas encomendas entre malotes, pacotes, caixas grandes e outras encomendas miúdas. Aos poucos, tudo aquilo é descarregado e armazenado no grande salão ao lado. Vão eles cantando, vão dizendo piadinhas uns dos outros. Ouve-se até o palavrão escapado repentinamente, mas tudo são frutos e momentos da alta adrenalina percorrendo no corpo dos homens ali trabalhando.

            Cerca de mais ou menos uma hora, a carga toda já foi descarregada. Olhando fixo, pode-se ver que outro volume de carga foi carregado. São encomendas, são postagens e outros mais que irão para central. Dela, novamente, o motorista chamará outros carteiros e descarregadores para o depósito. O ciclo se repetirá por semanas, por semanas e mais meses.

            Portanto, assim, com a avanço da tecnologia, com a implementação da inteligência artificial, por novas fontes cibernéticas, alguém volta ao passado e se lembra.

            Por volta dos anos setenta, tudo era diferente. Na mesma segunda-feira, onde foi mencionada, há tempos, não era o caminhão que estacionava em frente ao prédio. Os malotes eram entregues uma vez por semana ou até duas semanas pela frente. Lembra-se do carteiro antigo, que aguardava o ônibus. Todo feliz, dizia que o volume seria muito. Assim, para a sociedade, a lenda...

            De uniforme que se misturava a camisa branca, a calça amarela clara, o gorrinho, também na cor amarela, onde se lia a expressão “Correios”, segurando nas mãos alguns envelopes, pequenos jornais, etc... Lá se ia o amigo carteiro. Feliz pela profissão, mas cuidadoso quando se tratava de lares onde o cão ou cães eram bravos.

            Do outro lado da cidade, a mocinha esperava feliz. Ajeitava-se os cabelos, acertava o vestido no lindo corpo esculpido. Ia-se para a janela e de longe enxergava o Sr. Carteiro, que vinha sorrindo e dizendo-lhe que a cartinha do namorado ausente, hoje, chegou. Rapidamente descia ela pelas escadas. Era bem rápida, que se descuidasse, cairia pela escada abaixo. Recebendo ela a cartinha, onde se viam vários corações desenhados e a estampa o nome da mocinha, escrito em letras grandes. Apoderava-se da encomenda apertando-a sobre o frágil peito e respirava aliviada. Agradecia e subia as escadas ligeiramente. Dizia para mãe que o namorado lhe escrevera. Fechava-se no quarto e lia cada palavra como se fosse um século.

            Na rua adjacente, Dona Maria era chamada pelo carteiro. Em suas mãos, era entregue a carta da filha que residia em São Paulo, precisamente na Capital. Os olhos dela ficaram umedecidos ao ver o envelope escrito com a letra de sua filha amada. Agradeceu e foi para dentro da casa ler as notícias da filha e recordar o tempo em que ela viveu a seu lado.

            O Senhor Joaquim veio logo correndo, pois morava a duas casas de Dona Maria. Dizia com pusilanimidade se o banco enviou os documentos do empréstimo. Porém, ouviu do carteiro, com o sorriso nos lábios, que a carta ainda estava viajando.

            A Chiquinha, apelido da Francisca, logo foi chamada no portão. O postilhão lhe avisou que dentro de sua bolsa estava o telegrama do marido, que morava na Inglaterra. Nele estavam palavras amorosas e carinhosas e lhe cumprimentava pela passagem do aniversário.

            A Rosa saiu correndo de dentro da varanda, pois o mensageiro anunciava a carta vindo o instituto de previdência. Era, na verdade, a resposta do pedido de pensão do falecido marido.

            Assim, durante toda tarde, o carteiro levava boas e más notícias.

            Já, no final da tarde, ele para perto da casa paroquial. Lá, em voz suave, chama pelo padre, que vem todo feliz. Era a última entrega do dia. O monte de correspondência, cerca de vinte, entre jornais, revistas, cartas, livros e outros mais. O pároco lhe agradece. Oferece-lhe o café da tarde. Ele, já cansado da caminhada, para por algum instante e aceita. Não quis entrar dentro da cozinha e, no lado de fora, saboreia o café tagarelando ao pastor que as pernas já doíam e precisa voltar à agência e organizar mais cartas para o outro dia. Recebida a bênção do religioso, ele se direcionava ao prédio. Lá, mais uma vez, organizava toda a remessa para o outro dia. Já se passavam das dezenove horas quando fechava a agência. Passava no bar do Joãozinho. Comia dois pasteizinhos, bebia o copo de café e o embrulho com os pães e biscoitos já estava a cima do balcão. Conversava alguns assuntos e se retirava para casa. Lá, no aconchego da esposa e dos filhos, contava, ele, as aventuras do dia.

            O tempo vai passando como as águas que passam por debaixo da ponte. Alunos vão se formando e criando novas tecnologias. A cada dia, algo novo está no mercado. Foi assim com o telefone fixo, que era orgulho dos lares. Ele, porém, foi substituído por outro. Melhor, compacto, pequeno, de fácil acesso. Com ele, os computadores se evoluíram e substituíram as máquinas de escrever. Aproveitando as descobertas de Tesla, o ser humano inventou a rede mundial de computadores, hoje denominada “internet”. Criou-se o “wi fi”, computadores de última geração, inteligência artificial. Enfim, tudo mudou...

            A mocinha casou e mudou para onde o namorado morava. Teve filhos e estes estudaram. Foram três. Um médico, outro, dentista, e a menina virou professora.

            O carteiro se aposentou. Aproveitou pouco a aposentadoria. Foi viajar e se vitimou por meio de acidente automobilístico.

             Dona Maria viveu por muitos anos. Lia e contava estórias para os netos e vizinhos. Faleceu lendo.

            A Rosa e a Chiquinha ainda estão vivas. Estão aproveitando o WhatsApp, o telefone celular novo. Muitas pessoas que receberam cartas se foram para morada eterna. As que restaram convivem com a evolução, que não se sabe até quando irá.

 

 

           

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José Carlos de Bom Sucesso

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