Crônica da inquietação
Busco os netos no Colégio. Encargo e privilégio. Não querem ir pra casa: hoje não tem macarrão. Vamos então à Praça de Alimentação. Com meu cartão de aproximação, se servem de sushi e Coca-Cola diet e Bruno se esforça para carregar a bandeja, sem deixar de olhar pro celular. Discutem questões da prova de matemática. Marina registra que tirou 9, que se distraiu numa questão. Diz que ontem estudou bastante – "mais de cinco minutos", garante.
Bruno se diz sem apetite, ainda convalescendo de uma virose. Mas desce a escada rolante na correria e depois a escala pela contramão. Mais uma briguinha pelo banco da frente (humm, sei não se isso pode ser dito na crônica: corro o risco de bloqueio familiar). Marina, como sempre, ganhou e grita ao Bruno para colocar o cinto de segurança no banco de trás. Na saída, a chuva fustiga o para-brisa e o limpador range descompassado. E ouço, então, Marina cantarolando baixinho:
“Negro drama, entre o sucesso e a lama
Dinheiro, problemas, invejas, luxo, fama,
Negro drama, cabelo crespo e a pele escura,
A ferida, a chaga à procura de cura.”
Paro o carro e, ante meu olhar de surpresa, ela indaga se não conheço o Negro Drama. – Nunca ouvi, respondo. E Marina: - Que é isso, vô? Não conhece os Racionais? Dou de ombros, que, na verdade, só ouvi falar deles, vagamente. Ela insiste: - Como pode um Defensor, vô, que defende morador de rua e que visita favela, não conhecer os Racionais? Não pode ser assim tão desinformado. E Bruno, judicioso, finaliza: - "O Mano pode ser pirado, mas eles são uns caras legais, que brigam contra o racismo".
Bem, já em casa e na surdina, vou ao Google e constato que o Bruninho está se referindo ao Mano Brown. Fico meio paralisado quando o site adverte que se trata de tema adulto, a ser evitado por crianças. Leio a letra do tal rap em questão. Sim, verdade que o palavreado não parece mesmo adequado a crianças. Mas, de outro lado, me surpreendo com um texto de primeira linha sobre questões que vivencio há um bocado de tempo:
“Que Deus me guarde, pois eu sei que Ele não é neutro.
Vigia os rico, mas ama os que vêm do gueto;
Eu visto preto por dentro e por fora,
Guerreiro, poeta, entre o tempo e a memória.”
pedroavellar - 13/11/2022
Comentários
Ora, ora. Muito grato.
Olá Pedro:
Seria muito importante se nos uníssemos a todos que são contrários a discriminação.
Uma crônica repleta de sentimentos que veem do coração.
Parabéns
Abraços
JC Bridon
Sim, tem razão. Muito grato, meu amigo.
Pedro, um prazer ler essa bela crônica!
Parabéns meu amigo querido.
DESTACADO
Um abraço
Belíssima Crônica acerca da convivência com netos e os problemas do Racismo..
Um tema muito sensível para escrever e falar....
Meus netos me surpreendem com muitas novidades..
Meus netos são filhos de Pais Negros ( meus genros) e minhas filhas brancas
Eles , meus netos ,acho que são morenos ou pardos.
Aqui o que há é anti racismo
Parabéns amigo pela linda publicação.Um show bem direcionado.
Abraços de Antonio Domingos
Muito grato pelo comentário e elogio, Antonio.
Com efeito, é mesmo um tema delicado e não existe mais lugar para o racismo.