Crônica — "Uma Bola Chorosa"

Crônica — Uma Bola Chorosa

Gidhecon era um rapaz nem alto, nem baixo, nem magro, nem gordo, nem feio nem bonito, enfim, era coluna do meio em tudo, mas infelizmente, era o meu dono e, quando me colocou no chão pela primeira vez, não pensou duas vezes e me deu um tremendo, um horroroso pontapé (sinto dores até hoje). Achei que ele — Gidhecon — devia ter brigado com sua esposa. Será? Que "estúpido". Pensei. No entanto, com o tempo fui tendo a percepção de que estava enganada, visto que, meu dono (apesar de não saber jogar bola) estava a brincar comigo, diante disso, comecei a perceber que ele sentia amor por mim, mas que amor selvagem , algumas vezes me pegava com todo carinho, me alisava, algumas vezes até me beijava e suavemente me colocava no chão, recuava alguns metros e corria na minha direção e — POW —! Dava-me um bico nas nádegas. Eu chorava de tristeza, mas a beleza começava a surgir e eu entendia cada vez mais que realmente o que ele fazia, era brincar comigo. Chutava-me, porém, ao mesmo tempo, me perseguia como um louco desvairado babando uma baba — elástica bovina — e, alcançando-me, muitas vezes me dava toquinhos, me rolando pra lá, e pra cá.

Muitas vezes me levava para o campo, lá estava uma "molecada" dos diabos, eu sabia e estava preparada, pois, muitos pontapés viriam. Apesar de tudo, eu passei a amar aqueles finais de semanas, porque tinha certeza de que todos estavam ansiosos por brincar comigo. Eu rolava pela grama, assim como a pena do poeta rolava (e ainda rola) pela folha de papel. Apesar de ser sempre a mesma brincadeira boba, chutes e mais chutes nas minhas nádegas, hora rolando-me na grama e hora me fazendo voar pelos ares, até me enfiar numa grotesca rede de barbantes podres velhos e surrados — eu era amarradona naquela arte. Mas, o mais interessante e estranho é que a hora que isto acontecia, a "molecada" fazia uma farra danada e gritavam — "Gooooool" — essa é a parte que mais gostava, pois, dela viria os beijos, abraços e carícias.

Mas, todavia, nem sempre é felicidade, certa vez uma fatalidade ocorreu, não foi no campo, lá tudo corria às mil maravilhas, mas desta vez, foi na casa da tia de Gidhecon, era véspera de ano novo, meu dono — Gidhecon —  estava muito alegre, até parecia estar meio que "chumbado" e, no mesmo estado, estava meu tio, tio do meu dono. Com um "bafo" de jibóia, me pegou sem fazer carícias, me socou no chão, afastou uns dez metros e, meio que transando as pernas, me deu um chute nas nádegas. Voando (por mais que eu fizesse), nada pude fazer, foi mais um POW! Estourei o vidro do carro do meu tio.

Levei toda culpa (e não entendo até hoje), passei muito tempo de castigo, fui jogada num porão escuro, convivi com baratas, camundongos e outros bichos que nem sei o nome. As fibras da minha alma e de meu coração ansiavam para que aqueles dias de festa passassem e, tudo voltasse ao que era antes. Ai que saudades, dos chutes, dos pontapés, daquela rede podre, dos três paus "fincados" no chão e do grito de guerra da molecada. Goooooool!

#JoaoCarreiraPoeta — 28/12/2023 — 17h

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Dr. Carreira Coach

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Comentários

  • Olá Dr. Carreira:

    Concordo com a Margarida. 

    Temos pela frente um conjunto de versos, que enriquecem o nosso conhecimento.
    Parabéns.

    Abraços

    JC Bridon

     

    • Obrigado meu caro e nobre Bridon

      a Margarida será sempre uma flor.

      #JoãoCarreiraPoeta.

  • Muito boa mesmo e divertida.

    #JoãoCarreiraPoeta.

  • Gestores

    Já havia lido essa crônica. Muito boa.

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