Li o bilhete
que deixaste debaixo da porta.
Eram poucas palavras,
mas isso pouco importa.
Sou bom entendedor.
Quando acordei pela manhã,
teu lado estava vazio;
o armário escancarado
já me predizia algo.
Quando não vi tuas malas
nem teus perfumes sobre o toucador,
concluí que a paixão quando surge
usa uma corda bem forte
e puxa com vontade.
E assim tu foste, com a velocidade de um lince.
Jogador de futebol, não? Fiquei sabendo.
Muito dinheiro, vida de rainha.
(Só lhe faltava chamar-se Bruna).
Desculpa-me, mas eu ri ao pensar isso.
Enfim, fechei as portas do armárioque, escancarado, gritava-me: “Ela se foi!”
Peguei meu livro.
Deitei-me na rede.
Se fiquei mal?
Claro que fiquei.
Porém, não durou mais
que quinze minutos.
O livro era deveras interessante.
E o balanço da rede ninava-me.
Os pássaros lá fora cantavam;
eram minhas berceuses.
Era domingo.
À noite, fui rever os amigos.
Lembras-te da Aurélia?
Envelheceu um pouco,
porém, ficou ainda mais bonita.
E ainda está solteira.
E do Alex, lembras-te?
Está musculoso, espadaúdo,
cabelos já se agrisalhando.
Diz que faz academia.
E do casal Flávio e Alexandra, lembras-te?
Eles têm agora mais um filho.
E do João Carlos, que tocava violão
nos churrascos do casal, lembras-te?
Ele agora tem uma banda.
Há quanto tempo não via
esse povo maravilhoso.
Numa noite dessas, chovia.
Voltei para casa com Aurélia.
Foi uma noite apenas,
mas muito valiosa.
Sem mais palavras para defini-la.
Noutra noite, Alex trouxe-me em casa.
Passei um café.
Havia também uns biscoitos, sabe?
E depois do café, rolaram outras coisas.
Mundo moderno, não é?
Ele perguntou-me se eu era homo.
Disse-lhe que eu era apenas Pedro.
Ele riu e disse que não havia nenhum problema,
que ele também era apenas Alex.
Ao amanhecer, volto ao trabalho,
sempre envolto numa paz inusitada.
À noite, um pouco de noticiário,
um pouco de filme, de seriado.
Depois, minha rede e meu livro
até que Morfeu apareça.
E assim passaram-se os dias,
passaram-se os meses.
Assim passou a copa do mundo
e eles voltaram cabisbaixos
enquanto outros festejavam.
Um momento.
Bateram na porta.
Deixei o livro e a rede.
Fui atender.
Eras tu pálida.
Eras tu maltratada.
Eras tu magra.
Eras tu sem brilho na face,
sem brilho nos cabelos.
Eras tu súplica.
Meu coração envia uma ordem ao meu cérebro.
Meu cérebro redireciona essa ordem
à minha boca, na forma de uma única palavra:
− “Entre”.
Dado Carvalho
Sorocaba, 26 de julho de 2018 – 15:20h
Comentários
A vida faz a tristeza, a perda misturar -se com a alegria e ao misturar -se todos terão sofrido e tido felicidade.
A vida continua depois de perdas.
Bela história em seus Versos.Uma aula de vida
Parabéns prezado Dado Carvalho
Abraços de Antonio Domingos
Muio bom! Aplausos!
Que encanto de texto,Dado!
Maravilhoso!!! Parabéns.
DESTACADO
Um abraço
Meus sinceros agradecimentos, Antonio Domingos, Edit e Márcia. Fico feliz em saber que gostaram dos meus rabiscos poéticos!