Desterro

Desterro

 J. A. Medeiros da Luz

 

E cá este simplório aspirante a vate,

Longe da garganta dos ecos,

A recitar com pompa os seus versos;

Porém, virtualmente, como que

Recluso em câmara anecoica,

Confinado por paredes umbrosas, fofas,

Fractais e feitas com argamassa de silêncio.

 

Que é já da reverberação das frases?

Que é daquele esfuminho acústico,

Que tira a nitidez dos fonemas, envolvendo-os

Em túnica de éter, em vaporoso

Manto tecido

Com a urdidura de poesia

E a trama de fiapos bioluminescentes

De instâncias de vida

— Esta mercadoria das Carpas fiandeiras —,

Colando um suspiro de fantasia

Em cada sílaba proferida?

 

Mas ele, em verdade, vê-se ilhado,

Deambulando por vastíssimo areal,

A lançar, nos tentáculos do vento,

Palavras evanescentes, telúricas, fugazes,

Expelidas de modo irreprimível

Daquele vulcão submerso,

Onde habitam os sentimentos.

 

Quando, afinal, encontraria o consolo

De tímpanos e vocalizações fraternos,

A porem-se, diapasões de empatia,

Naquela inefável ressonância de almas?

Pois, se os desertos são isentos de paredes?

Pois, se estão livres das muralhas estupendas

Das hartas árvores que, distantes, medram

Na espessura das florestas tropicais e que

— Imperturbavelmente igualitárias —

Absorvem gargalhadas e gritos e gemidos?

 

Haverá de ser — Deus meu! — isto

(A um tempo enervante e alentador),

O tal predicar, sermonear no deserto?!

Ouro Preto, 08 de dezembro de 2021.

[Do livro Seixos ao sol, a sair pela Jornada Lúcida Editora, em 2022]

[Comentos também podem ser dirigidos a: jaurelio@ufop.edu.br ou jaurelioluz@yahoo.com © J. A. M. Luz]

Enviar-me um e-mail quando as pessoas deixarem os seus comentários –

J. A. M. da Luz

Para adicionar comentários, você deve ser membro de Casa dos Poetas e da Poesia.

Join Casa dos Poetas e da Poesia

Comentários

  • Sem palavras!

    9901955063?profile=RESIZE_584x

    • Cara Angélica:

      Eis-me, uma vez mais, devedor de suas dadivosas palavras, inda que embutidas no cartão. Obrigado. 

      Longe de minha pessoa enveredar por um solipsismo, em que o indivíduo se crê centro do cosmo e, talvez, a se ver como o único beduíno a palmilhar a agresteza do Saara. Somente me fiz portador, neste poema despretensioso, de um sentimento esparramado pelo gênero humano (e, talvez, também, por outras espécies que tenham que pagar esse tributo por serem aquinhoadas com uma cerebração — ou o que a valha — mais elevada). E, se pregar no descampado, qual novo João Batista no deserto da Judeia, por largos anos, possa parecer-nos aterrador, nos resta sempre a robustíssima esperança (gregários que somos) de ouvirmos, para além da duna à nossa volta, o rumor de vozes entrecortadas, naquela lida dos ásperos ofícios, a se aproximarem resolutamente.

      Abraço do Jota.

  • Pessoal:

    O velhusco tema da irremediável solitude existencial do primata bípede e sonhante! Sua ubiquidade, sua intensidade nos fazem retornar à trilha mil vezes palmilhada. E o cenário dramatiza-se, se nos pusermos a excogitar em perspectivas astronômicas, considerando esse grãozinho de pólen cósmico, rajadinho de azul e branco, de um canto de galáxia, minúsculo pontinho ela própria nos aglomerados gigantes do universo.

    E aí o maior temor é que se tenha, ao espremer o sumo dos versos, um caldo amargo, quando nossas existências, elas próprias, se trajam de sabores agridoces. E o claro-escuro da pintura é que põe à mostra os relevos, os acidentes geométricos, as texturas — matérias-primas dessa ímpar experiência chamada vida.

    Contudo, por mais inexoráveis que possam ser as respostas, para cada um, teremos sempre a poderosíssima faculdade de abrirmos à vida um sorriso, em que pese as vicissitudes que nos rodeiam, quer sejam as interiores, quer sejam as que se estampam para além do retângulo da janela.

    E, se é mesmo verdade que todo homem é uma ilha, não nos esqueçamos de que, juntos, fazemos um arquipélago.

    Abraço do j. a.

This reply was deleted.
CPP