Escalando escadas de neblina
— j. a. medeiros da luz
Adorei-te, Calpúrnia, com transporte;
Amei-te em delírio, como o louco
— Se aproveitando de mais um cochilo
Do velho sacristão da capelinha —
Galga a torre do sino e divisa
O horizonte de vales e colinas
Verdejantes de vida e já conclui
Ser tudo dele; sim, dele é tudo!
Calpúrnia, (dói dizê-lo) bem o sabes,
Dia veio em que a pobre torrezinha
Ruiu súbita, fragorosamente,
Vítima do planeta, de intempéries.
Multimilenar seca, por seu turno,
Estorricou os vales, as montanhas.
E aquele pobre louco — que era rico —
Enfim depauperou-se; e o paraíso
Evanesceu-se em bruma, feito tu.
Ouro Preto, 2022 — maio, 25.
Comentários
Caro Sustelo:
Agradecido pela visita e comentário.
Embora não seja eu grande conhecedor de sutilezas linguísticas, permita-me duas questiúnculas de ordem gramatical, que poderão servir de pontos de reflexão para eventual leitor mais zeloso dos cânones de nossa bela língua. Em função de meu português americano, não fará mal eu comentar que o início com pronome átonos no verso "— Se aproveitando de mais um cochilo", para nós, brasileiros, é foneticamente plenamente factível (como algumas de "las anteposiciones de los clíticos", no castelhano; mas contrariamente ao português europeu e africano atuais (*), e ao galego).
Já a ênclise ocorrente em "Enfim depauperou-se; e o paraíso" (quando haveria, usualmente no Brasil, uma certa atração do advérbio, embora advérbio associado a pausa) deveu-se, de minha parte (de modo espontâneo), a misto de eufonia, de harmonia e de respeito ao metro (a cesura na sexta sílaba).
Abraço e boa semana; j. a.
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(*) Veja-se, a título de exemplo, a citação seguinte:
"Em português europeu contemporâneo, a posição habitual dos clíticos é, como é sabido, a ênclise, enquanto que no português do Brasil e nas outras línguas românicas é a próclise, à semelhança, aliás, do que ocorria no português medieval"
Extraída de CARVALHO, Maria José. Sintaxe e Pragmática dos Clíticos no Português Medieval. Matraga, Rio de Janeiro, v.17 n.26, jan./jun. 2010 113–131 [DOI: 10.12957/matraga]
Linda poesia!
Parabéns,J.A.!
Um abraço
Obrigado pela visita, cara Márcia Mancebo.
Um dia ainda me abalanço ao mundo das rimas; enquanto isso não sucede, lá vou trotando pelos metros pelejadinhos, sem as assonâncias do estilo, mas que — afinal — carreiam minhas impressões simplificadas deste mundão abarrotado de complexidades.
Abraço; j. a.
Cara Margarida:
Agradeço-lhe a generosidade. Eu, que (contra meus propósitos sentimentais) tenho sido tão relapso no participar das vivências de nossa hospitaleira casa, fico até mesmo embaraçado pela gentileza das visitas a esta água-furtada virtual. Cuido aposentar-me lá para o finalzinho de 2023. Espero que, então, a caçapa das pendências fique menos abarrotada, possibilitando fruirmos melhor das boas companhias.
Abraço; j.a.
Exuberante poesia, onde tudo é visceral. Parabéns
Obrigado pelo gentil comento, cara Lilian; um poemeto algo peculiar, a começar pelo nome da musa inatingível, que — sei lá por que capricho do versificador! — calha ser o da terceira esposa do imperial Caio Júlio César. Belo é que não é, mas (convenhamos) é um nome "com personalidade"...
Abraço; j. a.
Pessoal:
Uns despretensiosos decassílabos heroicos e sem rima, que me despencaram, atabalhoadamente, do limbo hoje, em que pese a comprida, comprida cadeia das pendências.
Abraço; j. a.